O presente artigo discute a questão da personalidade africana na negritude na visão do filósofo moçambicano Severino Ngoenha (1993) que apresenta os defensores e críticos da negritude. Ao longo do trabalho procura-se entender os pontos de convergência e de oposição entre os dois conceitos. Senghor vê a negritude como um movimento de protesto contra a submissão do negro. Os seus críticos como é o caso de Blyden, afirma que a raça africana tinha uma história que não devia ser procurada apenas no passado, esta posição é secundada pelo Nkrumah, acrescentando que a história de África não devia ser analisada à luz de movimentos pan-negros, mas sim numa dimensão geopolítica continental rumo à união africana. Sartre contentava-se apenas com o princípio e não com a proveniência da negritude, numa alusão ao contexto da diáspora e elitismo que caracterizou este movimento. Por sua vez Fanon acusava a negritude de elitista e desenraizada da realidade africana. Jahn, um outro crítico, via a negritude como um regresso à tradição ancestral de África e Soynka não via a negritude como confrontação racial mas como uma confrontação moral, para ele a negritude era elitista continuadora do intelectualismo francês e não resolvia o problema dos africanos. Todos os critico de Senghor defendiam que a África tinha um passado com uma base cultura sólida que devia ser respeitada e eram favoráveis de um socialismo africano. O presente artigo é apresentado em duas partes: Parte I que relata o debate filosófico argumentado a oposição entre o conceito de personalidade africana e o conceito da negritude por último, a parte II que de forma resumida o autor deste artigo apresenta o seu ponto de vista, olhando para os pontos de convergência e oposição entre os dois conceitos.
Palavras-chave: personalidade africana, consciencismo, negritude.
Na visão de Ngoenha o conceito de personalidade ligado a Kwame Nkrumah que de certa forma se inspirou em Blyden pretendia demonstrar que a raça negra tinha uma história e cultura das quais devia se orgulhar comparativamente as outras raças humanas. Todavia a história da raça negra não devia se procurar apenas no passado porque as actuais civilizações da América e Europa evoluem explorando a raça negra.
Analisando o pensamento de Blyden que chegou a produzir uma preciosas obra, Voice from Bleeding África em 1856 em Monróvia , que em parte concordava a negritude de Senghor por ser antítese colonial em África, pretendia afirmar que a valorização do negro não devia se vista em função de épocas, ou a partir de uma comparação com outras raças porque a África tem as suas raízes históricas que precedem algumas civilizações que hoje subjugam este continente. Em 1895 em Race and Study, Blyden aceitava a diferença de raças mas não aceitava a hierarquização das mesmas afirmando que o negro tinha atributos essenciais e únicos que formavam a personalidade africana e isso implicava a existência de uma responsabilidade como raça de lutarmos pelo nosso espaço e nos desenvolvermos.
Terá sido neste pensamento que o seu discípulo, Kwame Nkrumah defendeu que os africanos deviam consciencializar-se da sua originalidade e valor, inspirando se no passado e não em função da presença estrangeira ou protesto pela inferioridade que imposta conforme a negritude de Senghor.
Queremos com isto dizer que o conceito da personalidade africana opõe – se à negritude defendida por Senghor porque a negritude se propunha como um movimento de protesto contra a submissão ao negro baseada num principio de relativismo cultural em relação à cultura Europeia. Portanto a crítica é que a negritude não devia ser vista como um movimento de viragem para reclamar o espaço relativista do negro em relação à raça branca porque os africanos não precisavam de referências para o serem, há longínquas tradições do passado que confirmam a autenticidade dos africanos.
É nesta perspectiva, que a luta pela afirmação do africano devia ser precedida pela conquista de uma base cultural sólida negando se deste modo o pensamento de Senghor segundo o qual, a negritude delineava – se como descoberta, defesa e ilustração do próprio património racial e do próprio espírito da civilização negra.
Para Senghor, na sua obra L’esthétique négro-africaine publicada em 1956, quanto a nós uma atitude apreciativa ao homem europeu, afirma que o europeu distingue – se do objecto. Mantém – no à distancia, imobiliza e fixa – o animado pelo desejo do poder sem olhar para os meios, mas de um lado demonstra o seu elogio ao homem negro e suas instituições, vê o negro como um homem diferente que convive com a natureza, a razão do negro é sintética, simpática, não empobrece as coisas e instala – as no coração vivo do real enquanto que a razão europeia é analítica para a utilização e a negra é intuitiva para a participação .
Na mesma linha de pensamento Senghor, sustenta que a libertação cultural é a condição preliminar de libertação política, e inspirando-se nos trabalhos de Tempels, de Griaule, de Dieterlen e Kagame faz uma brilhante análise da civilização africana tradicional ao afirmar que o que comove o negro, não é a parte exterior do objecto, é a realidade enquanto tal.
Os críticos de Senghor, defensores da existência de uma base cultural africana sólida desde o passado questionam se o problema é sabermos se a negritude é uma escola, uma capela literária ou ideologia que possa permitir aos negros construir uma sociedade moderna original e dar uma contribuição especifica para a civilização pan – humana.
Quanto a nós estamos perante o alvorecer das primeiras reflexões filosóficas africanas para resolver os problemas impostos pela hipoteca da dignidade humana do negro africano pela civilização europeia.
Conforme os argumentos de Senghor, a negritude engloba todos os movimentos culturais iniciadas por uma personalidade negra ou por um grupo de negros. Blyden concorda com os argumentos de Senghor ao afirmar que o negro tinha atributos essenciais e únicos que formavam a personalidade e via a personalidade africana na mesma perspectiva da negritude como uma antítese da civilização Europeia. A civilização europeia vista por Senghor era dura, individualista, competitiva, materialista e fundada sobre o culto da ciência e da técnica, aquela é doce e humana.
Mais adiante Blyden, afirma que a África tem um sistema socializante cooperativo e equitativo; os costumes e as instituições da África Negra, são conforme as necessidades dos africanos, Blyden não aceitava usar Europa como referência para explicar África. A contribuição africana para a civilização mundial devia ser de ordem espiritual, ela via na África a “depositária e espiritual do mundo”.
O posicionamento de Blyden confirma algum paralelismo com o pensamento de Senghor, porém distancia-se ao negar outras civilizações para compreender África. Os africanos não devem ser classificados à escala a planetária partindo do modernismo europeu dai que o despertar de África não deve ser visto de ponto de vista de reacção contra os europeus.
Kwame Nkrumah também não era oponente radical da negritude porque defendia um nacionalismo cultural semelhante ao da negritude ate nos meados da década cinquenta, apenas após independência do Gana em 1957, começou dar prioridade à questão da unidade continental africana em relação aos movimentos pan – negros.
A partir desta fase, para Kwame Nkrumah a África deixava de ser o coração de todo o mundo negro, perdia o seu aspecto racial de tornando – se uma identidade geopolítica. Portanto, Kwame Nkrumah abandonava assim, abordagem diáspora de uma África circunscrita ao mundo negro no entanto raça, mas por uma África dentro das suas fronteiras geográficas com uma identidade politica não exclusiva e necessariamente negra.
Na perspectiva de uma África unida Nkrumah, passava imediatamente á conceitualização de novas relações de total personalidade com o mundo. O “consciencismo” tinha para Nkrumah o objectivo de conter ao mesmo tempo a experiência africana da presença muçulmana e Eurocristã e a da sociedade tradicional. A fusão destes três factores visaram promoção de um desenvolvimento harmonioso da sociedade africana. Com esta ideia que não era tão oposta à da negritude, Nkrumah pretendia uma África consciente de si, que fosse síntese de todas as experiencias que conheceu ao longo dos tempos e não antítese destas experiências.
Conforme referimos, Nkrumah partilhava ideias de valorização das sociedades tradicionais africanas de Senghor no campo social: necessidade de se inspirar em instituições autóctones, cujo traço característico era para ele o espírito comunitário. O vulto tradicional era da África implicava uma atitude em relação ao homem que, nas suas manifestações sociais, não pode deixar de ser classificado de socialista.
Portanto, Nkrumah, empresta o termo socialista para dizer que o espírito comunitário do africano devia ampliar-se por toda a África dai que passou a defender a união de África para materialização deste projecto.
Negando a existência de classes sociais em África, Tal como Nyerere e Senghor, para Nkrumah o socialismo africano resultava da integração de valores deste humanismo na vida moderna. Pretendia demonstrar como conteúdo essencial do socialismo, a afirmação do igualitarismo longe de se opor as tradições socioculturais africanas e pelo contrário o seu desenvolvimento e aplicação no mundo moderno.
Nkrumah, declara que a filosofia do consciencismo pretende assegurar o desenvolvimento de cada indivíduo. È grande teórico da unidade africana, a unificação politica faria África uma única só nação com um governo central único, inspirado se na constituição americana. Parte do postulado de que os africanos são harmoniosos entre si, se houve desigualdades e exploração veio com outras civilizações, não via razão para separação de estados a semelhança dos movimentos pan-negros que divergiam entre si quanto a abordagem da questão africana.
Assim fundamenta que, os estados africanos individualmente considerados, são demasiadamente fracos perante as grandes potencias da Europa e América, forçando – nos assinar acordos neocoloniais. A solução reside numa planificação de toda a África, esta direcção única da reconstrução económica do continente implica unidade politica e portanto um governo continental.
A filosofia de Nkrumah, encontra espaço para debates ate no dias de hoje visto que a África não unificada encontra-se atrelada aos acordos económicos de certa forma neocoloniais com as antigas potencias colonizadoras. A criação de organizações económicas regionais em quase toda a África talvez seja o primeiro passo para a unificação do continente.
J.P. Sartre no Orphée Noir reconhecendo as condições reais dos seus fundamentos, criticava a negritude como um momento negativo de uma progressão dialéctica e portanto um momento histórico que apesar de ser valido no entanto que luta contra a inferioridade do negro estava condenado ou destinado a resolver – se e destruir numa síntese mais vasta, posição também criticada por Fanon por destruir entusiasmo negro. Para Fanon, a negritude era uma ideologia capaz de criar uma base de luta comum para toda a raça negra, capaz de alimentar o entusiasmo de um povo destruído embora mais tarde veio a criticar este movimento afirmando não se contentava com a sua própria proveniência mas se contentava por ter encontrado o princípio.
Continuando, Fanon em Os Danados da Terra justifica a sua critica afirmando que os intelectuais defensores da negritude, eram uma elite de desenraizados para retomar contacto com as massas africanas, desesperado e raivoso, por outro a reabilitação que estes intelectuais tentavam devia ser África na sua totalidade, visto que a condenação do negro pelo ocidental era á escola continental. Acusa a negritude de ignorar a África actual e os seus problemas, são intelectuais colonizados, retornam ao seu povo por meio de obras culturais e comportam – se com estrangeiros, portanto, os feitos destes intelectuais deviam ser uma África inteira. O conceito de cultura deve ser mais nacional, expressando esforços feitos pelo povo para se constituir e se manter, não basta multiplicar congressos em nome dessa cultura.
Quanto a nós, Sartre e Fanon, comungam a ideia que a negritude teve a sua fase positiva enquanto movimento de reacção cultural contra subvalorização do negro, porém teve suas origens na diáspora etilizada e não tocava exactamente nas sensibilidades dos africanos enraizados em África.
Para Jahn crítico alemão, afirma a negritude pecava por discutir os problemas do africano baseando se na questão racial, via a negritude como um retorno consciente à tradição ancestral que durante séculos nunca tinha sido interrompido; a essência negra dependia de múltiplos e remotos dados históricos geográficos e não de uma específica situação actual como era o caso reacção em relação à raça branca.
Concordando com o autor acima, Kesteloot um outro crítico de negritude que empresta um discurso anti-racista, na sua obra Les Ecrivains Noirs de langue francaise, defende que o negro não esteve ligado à questão da raça, mas a um clima cultural que o negro vivia desde há muitos séculos, não se deviam confundir tais características com uma imaginária essência negra, por quanto o negro não era por essência diferente do branco .
O dramaturgo, romancista e poeta nigeriano, Soynka exalta a importância histórica da negritude, mas não definia a negritude como confrontação ao mundo branco, a sua revolta não era racial mas sim moral independentemente da raça, considera que os defensores de negritude procuravam alimentar alma africana com mitos do passado e isso mostrava ilusória vaidade do passado, os africanos não deviam se contentar em olhar para o passado, o pensador africano deve agir no meio da própria sociedade como consciência, como testemunha lúcida da realidade do tempo.
Quanto a nós Soynka tem um pensamento próximo do Blynde por considerar que a revolta dos africanos não deve ser avaliada em função da raça mas sim da moral, defendia que a negritude não devia se refugiar no passado para explicar ódios de hoje.
Argumentando que se for o caso, a exploração ou injustiças persistem ainda nos dias de hoje, o passado justifica – se, portanto, como espelho do presente, é um meio para uma tomada de consciência, não há nenhuma necessidade de restaurar o passado porque ele vive no presente. Insurge – se contra negritude porque esta se contenta apenas por voltar a olhar para trás, em busca de tesouros esquecidos que teriam ofuscado o mundo actual. O passado existe agora, coexiste com e na consciência actual, clarifica o presente e explica o futuro.
Criticando a negritude, Soynka endurece o seu posicionamento afirmando que a cultura reforça a sociedade, mas, tal cultura não deve ser mitológica: a negritude era um luxo intelectual que tinha importância e utilidade só para um pequeníssimo número de pessoas, a elite”, a negritude não correspondia ás aspirações profundas do povo, a negritude fazia parte do jogo Europeu, prolongamento do intelectualismo Francês.
Apreciando os diferentes posicionamentos sobre a negritude, mais do que um debate literário e ideológico, estamos perante o nascimento das primeiras reflexões filosóficas africanas de reivindicação de liberdade do homem africano. Constituem como fundamentos destas reflexões o facto da África ser considerada pela Europa de primitiva e fora do movimento da história universal segundo Hegel. A filosofia africana surge para destruir argumento colonial e reivindicar a autonomia cultural e política do continente.
Ao defender o consciencismo, Nkrumah defendia o respeito pelas tradições africanas sem necessariamente fazer um tratamento passadista de África e etnológica das culturas africanas. Ao defender e conduzir a luta pela união de África acreditava numa regeneração iminente olhando para os problemas sob ponto de vista africano e não em função de negros como réplicas inferiores dos brancos sem uma cultura e história distintas como defendia a negritude de Senghor. Nkrumah que estudou nos EUA e influenciado pelos pan-africanistas Marcus Garvey e Dubois, previa o neocolonialismo europeu em África e esse aspecto contrariava a autonomia dos africanos.
Senghor apesar de influenciado pelo projecto neocolonial antecipado da França ao atribuir cidadania francesa nas suas colónias e outros direitos políticos, também previa um socialismo africano, era criticado por defender o fim da inferioridade dos negros em relação aos brancos e não o fim da inferioridade em si, isto é, por querer compreender o negro olhando primeiro para o branco. Soynka que já havia ultrapassado o discurso anti-colonialista para reivindicar autenticidade africana, embora enaltecesse a importância histórica da negritude, defende apenas a existência do conflito entre as sociedades tradicional e moderna, criticando que as elites francófonas acomodavam-se nas políticas francesas que retardavam o fim submissão do negro.
Estamos em presença de um debate filosófico entre africanos que concordam de forma solidária com a negritude pelo despertar ideológico contra ocupação colonial em África mas que em parte alertam sobre o seu desfasamento elitista com a realidade de África. Podemos afirmar que Senghor, Nkrumah e outros, ao valorizarem as instituições autóctones africanas que se revelam comunitárias, igualitaristas, democráticas e solidárias, os intelectuais africanos comungavam ideia na acepção moderna, de um socialismo africano.
NGOENHA, Severino Elias. Filosofia Africana: Das Independências ás liberdades. Edições Paulistas. Maputo, 1993.183p
This article discusses the issue of African personality in blackness in the vision of the philosopher Mozambican Severino Ngoenha (1993) which presents the proponents and critics of blackness. Throughout the work seeks to understand the points of convergence and opposition between the two concepts. Senghor sees blackness as a protest movement against black submission. Their critics as Blyden, States that the African race had a story that should not be sought only in the past, this position is relayed by Nkrumah, adding that the story of Africa should not be seen in the light of pan-negros movements, but a geopolitical dimension towards continental African Union. Sartre lived only with the principle and not with the provenance of blackness, alluding to the context of the diaspora and elitism that characterized this movement. Turn Fanon accused the blackness of elitist and desenraizada of the African reality. Jahn, another critic, via the negritud ...
PART I
In the vision of Ngoenha the concept of personality connected to Kwame Nkrumah who somehow was inspired by Blyden was intended to demonstrate that black had a history and culture of which should be proud compared the other human races. However the history of the black race should not be sought only in the past because the existing civilizations of America and Europe evolve exploring the black race. Analyzing the thought of Blyden who came to produce a precious work, Voice from Bleeding Africa in 1856 in Monrovia, which partly agreed the negritude of Senghor to be colonial antithesis in Africa, wanted to say that the appreciation of the negro should not be seen in function of times, or from a comparison with other breeds because Africa has its historical roots which precede some civilizations today subjugate this continent. In 1895 in Race and Study, Blyden accepted the difference of races but did not accept the tiering of them stating that the black tin ...
PART II
To defend the consciencismo, Nkrumah advocated respect for African traditions without necessarily taking a passive approach, treatment of Africa and ethnological of African cultures. To defend and lead the fight for the Union of Africa believed in an imminent regeneration looking at the problems under the African point of view and not in terms of blacks as inferior replica of whites without a distinct culture and history as advocated the negritude of Senghor. Nkrumah who studied in the US and influenced by Marcus Garvey and Dubois pan-africanistas, predicted the European colonialism in Africa and this contradicted the autonomy of Africans. Senghor although influenced by the early-colonial project of France by assigning French citizenship in their colonies and other political rights, also provided for an African socialism, was criticized for defending the end of the inferiority of blacks relative to whites and not the end of inferiority in itself, that is, for wanting to understand the n. ..
NGOENHA, Severino Elias. Filosofia Africana: Das Independências ás liberdades. Edições Paulistas. Maputo, 1993.183p
1 comentário:
Estou orgulhoso por ler um artigo sobre um pensador Moçambicano.
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