O presente ensaio procura demonstrar o contexto remoto e as etapas cruciais que contribuíram para o projecto da construção da nação moçambicana (1962-1994). No contexto remoto, o presente texto ilustra o nacionalismo precoce caracterizado pela resistência à ocupação colonial em África e de forma particular na África Austral nos princípios do século XX. No contexto mediato, o estudo demonstra que no caso moçambicano, o projecto da nação começa com a unificação dos movimentos nacionalistas em 1962 num contexto de luta pela reconquista das soberanias em África que vai conhecendo desafios até à introdução do multipartidarismo em 1994 e recentemente com o fenómeno da globalização.
Palavras-Chave: Nação, Nacionalismo, Estado, Soberania, Globalização.
This article seeks to demonstrate the remote context and crucial steps that contributed to the project of Construction of Mozambican Nation (1962-1994). In the remote context,this text illustrates the early nationalism characterized by resistance to colonial occupation in Africa and particularly in Southern Africa in the early 20th century. In context, the study demonstrates in
Mozambican case that, the nation's project begins with the unification of nationalist movements in 1962 in the context of the fight for reconquest of sovereignty in Africa that will knowing challenges until the introduction of multiparty system in 1994 and recently with the phenomenon of globalization.
Keywords: Nation, Nationalism, State, Sovereignty, Globalization.
Para a compreensão do contexto remoto da construção da nação moçambicana, foram seleccionados alguns autores que caracterizam o nacionalismo africano.
No presente estudo, começa-se por avaliar o nacionalismo africano entre as duas guerras nas actuais nações da África Austral, que em parte serviu para lançar bases para a criação dos movimentos de libertação rumo às independências depois da Segunda Guerra Mundial e para a construção das actuais nações na região onde DAVIDSON et all (1985: 679-715), no artigo sobre Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919-1935, compara e explana as diferenças que marcaram a vida política nos actuais territórios da África Austral naquele período. Demonstram que os diferentes impérios coloniais com diferentes estatutos políticos, as formas de administração colonial e a forma de interacção com os colonizados, influenciaram também a natureza dos movimentos anticolonialistas nesta região. Para explicar a fase embrionária do nacionalismo na região, olham para o aspecto económico e afirmam que, a expropriação de terras ricas aos africanos e forte dependência económica destes em relação ao corredor económico estabelecido pelos holandeses desde 1652 e mais tarde pelos britânicos nos finais do século XIX devido à existência de recursos minerais na África do Sul, cedo criou condições para o desenvolvimento de um proletariado permanente e uma classe intelectual próxima da população indígena com laços internacionais sobretudo a nível da região.
O autor (Ibid.) acrescenta que a oposição à dominação colonial na África do Sul influenciou o nacionalismo e a política nos territórios vizinhos, embora reconhecem que tudo esteve em função das condições reais impostas pelos respectivos colonizadores nos diferentes territórios. Aponta ainda algumas similaridades do nacionalismo regional que expressou através das resistências dos camponeses, religiões tradicionais locais, o surgimento na década 30 de organizações elitistas e proletárias e a migração de trabalhadores dos territórios vizinhos para a União Sul-Africana que, ao regressarem para os países de origem levavam consigo uma simbiose regional de luta contra a dominação colonial. Os mesmos autores (Ibidem) não evidenciam a influência dos territórios vizinhos da União Sul Africana na visão nacionalista deste território.
De forma específica comparam as particularidades entre as colónias portuguesas na região da África Austral, Angola e Moçambique que em parte tem uma visão de conjunto no aspecto político e económico devido às fraquezas do Estado colonial, da repressão colonial portuguesa contra qualquer oposição política, trabalho forçado e a política de assimilação que tentava conquistar a nascente burguesia africana como forma de evitar exigências de carácter nacionalista.
No caso de Moçambique que difere em alguns aspectos do caso angolano, apontam particularidades no marco temporal estudado por estes autores, o nacionalismo era difuso e esporádico para escapar à nova ordem capitalista. Era caracterizado pela recusa das populações ao pagamento de impostos, migração para países vizinhos como forma de escapar do trabalho forçado, uma série de greves urbanas a partir de 1911 que em parte difundiram as primeiras formas do proletariado, a oposição intelectual nas cidades que mais tarde veio a estabelecer ligações com os movimentos pan-africanistas e disseminação de igrejas separatistas que imitavam o modelo sul-africano de repulsa contra a presença estrangeira. Portanto, os autores defendem que a integração precoce dos africanos desta região na economia capitalista, capitalizou o nacionalismo que veio a servir de base para a construção das nações na África Austral demonstrando que o nacionalismo vem antes da nação.
Destaca-se um outro estudo similar feito por TWADDLE (2010:262-294), que embora analisa e compara não só o nacionalismo da África Oriental assim como o da África Austral, destaca que na fase embrionária, o nacionalismo é visto como noção de pertença a um grupo regional distinto com afinidades culturais. Face à subjugação colonial ou seja a experiência de dominação feita pelo mesmo colonizador, nas fronteiras delimitadas na Conferência de Berlim, uniu os africanos na tomada de consciência de lutar pela autodeterminação das suas soberanias. Podemos olhar o nacionalismo africano numa perspectiva similar e global de libertação de África, mas pode ser analisado segundo as especificidades de cada país e do grau de colonização vigente sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial.
O autor demonstra que as clivagens e um nacionalismo mais radical foram mais notáveis na África Oriental e ambas regiões conheceram uma interacção entre as elites tradicionais e as modernas vindas da diáspora que assumiram grandes responsabilidades na edificação das novas nações depois da Segunda Guerra Mundial. No caso da África Austral, compara o nacionalismo nos territórios colonizados pela Grã-Bretanha desde o final da Primeira Guerra Mundial e esclarece que o aumento da ingerência britânica no capítulo da dominação, levou as elites locais a exigir autonomia das soberanias.
Pretende-se olhar para o nacionalismo como condição para existência de uma nação e sobre este assunto, embora não aborde o assunto no contexto da historiografia africana, HOBSBAWM (1998) na sua obra: Nações e Nacionalismo desde 1780, concede particular atenção às mudanças e às transformações do conceito, em especial nos finais do século XIX. Argumenta que o nacionalismo deve sustentar de forma congruente a unidade política e nacional, aspectos que caracterizam o nacionalismo africano. Noutro desenvolvimento, o nacionalismo apreende às vezes culturas pré-existentes e as transforma em nações, em alguns caso as inventa, isto é, o nacionalismo vem antes das nações, no exemplo do nacionalismo da África Oriental, as culturas pré-existentes se tornaram alavancas para lutar contra a ocupação colonial.
O facto de o nacionalismo aglutinar esperanças, no exemplo da unidade entre colonizados, de contemplar necessidades e interesses de pessoas comuns não necessariamente nacionais e menos ainda nacionalistas, mostra que o conceito de nacionalismo pode mudar e deslocar-se no tempo. Portanto, deste autor tenta-se apreender as mutações que os conceitos de nacionalismo e nação apresentaram até ao momento.
A evolução do conceito explica-se pelo desenvolvimento desigual da “consciência nacional” entre grupos e regiões sociais onde na primeira fase, o nacionalismo desenvolveu-se puramente na forma cultural, na segunda etapa evoluiu com o surgimento das ideias nacionais e campanhas políticas em defesa dessas ideias e na última fase, principalmente nos povos colonizados em África, quando os programas nacionalistas adquirem sustentação das massas, as últimas duas fases são cruciais na cronologia dos movimentos nacionais.
Entende-se que o autor discute o conceito da nação num período onde predomina a visão eurocêntrica, afirma que a autodeterminação das nações apenas se ajustava para as nações consideradas viáveis cultura e economicamente; a construção de nações pelos movimentos de expansão, justificava que as nações pequenas só tinham a ganhar fundindo-se com nações maiores. Portanto, aqui se explica a razão que levou os africanos a enveredar por um nacionalismo que clamava autodeterminação. Talvez influenciado pela corrente eurocentrista, este autor, não considera nação aos estados modernos que emergiram da descolonização, especialmente depois de 1945.
Na mesma linha de pensamento, POMER (1994), na sua obra: O surgimento das nações, classifica a nação como forma particular de um agrupamento humano com uma consciência própria e procura ilustrar que os estados que-se pretendem nacionais surgidos depois da Primeira Guerra Mundial não superaram o estágio tribal e assim se está em presença de estados sem nações, alias actualmente a existência de um Estado não implica necessariamente que os seus habitantes tenham uma homogeneidade cultural que caracterizava as nações anteriores ao século XVIII.
O autor defende que a característica de uma nação é identidade comum e reconhecimento entre os co-membros embora reconhece que as fronteiras da nação transpõem fronteiras da comunidade local.
O actor mostra que o comércio se tornou um factor catalisador para evolução do conceito da nação porque faz circular mercadorias e por sua vez condicionam a transnacionalização das culturas. Por
outro lado, as migrações contribuíram para a ruptura do conceito da nação na menor escala que autogera-se com a inclusão de diferentes condições sociais que participam em experiências comuns numa dimensão macrossocial. Daqui pode-se compreender que este autor mostra a evolução e abordagem que o conceito da nação recebe com a transposição da nação vista na comunidade cultural para uma nação multicultural onde se enquadra o contexto em que os africanos ganharam a consciência de reaver suas soberanias.
No contexto mediato da construção das nações em África e de forma particular e Moçambique, concordando com o autor anterior, HEYWOOD (2002), demonstra a ambiguidade do conceito da nação no contexto da globalização onde ultrapassa-se a acepção da nação cultural para uma nação política onde a noção de pertença a uma nação torna-se uma construção dos próprios indivíduos de livre vontade. Enaltece o nacionalismo anti-colonial que-se desenvolveu depois da Segunda Guerra Mundial, onde no continente asiático e africano lutava-se pela autodeterminação das nações que até naquele contexto eram subjugadas. Este autor, ao oferecer acepção moderna do conceito da nação, supera positivamente HOBSBAWN ao reconhecer que as nações surgidas depois da Segunda Guerra Mundial em África, tem o direito à autodeterminação e de forma resumida relegando a concepção cultural e grupal da nação comenta: Ultimately, nations can only be defined subjective by their members. In the final analysis, the nation is a psycho-political construct. Is a group of people who regard themselves as natural political community (p.106).
Com base nesta afirmação pode-se concluir que este autor defende que a nação é uma construção virtual que depende da acepção que os seus membros lhe conferem, portanto a questão da religião, hábitos e costumes deixa de ser a base para edificação da nação.
A capacidade dos africanos de ultrapassar a etnia é enaltecida por LAVROFF (1975) na obra: Os Partidos Políticos da África Negra, quando analisa a natureza e o papel dos partidos políticos em estreita relação com os caracteres da colonização e com as condições em que os territórios se encaminhavam para a independência. Demonstra que todos os partidos africanos embora de base étnica eram nacionalistas e esperavam obter a independência em função das condições objectivas impostas pelos respectivos colonizadores nas respectivas fronteiras.
Apresenta algumas incompatibilidades do multipartidarismo no período posterior às independências em África e as vantagens reconhecidas do monopartidarismo na consolidação da consciência nacional espontânea, torna-se expressão da nação e um meio de aceder à unidade nacional e ao nacionalismo, a criação da nação, a coesão nacional são consideradas um fim supremo a realizar.
Na perspectiva de esclarecer a cronologia da construção das nações africanas incluindo o caso moçambicano, GRAÇA (2005) na sua obra A construção da nação em África, demonstra usando método comparativo, que em África a construção das nações assume particularidades de acordo com a dimensão histórico-sociológico de cada projecto nacional e adianta que no caso moçambicano, o Estado é que tem vindo a promover a formação da nação. Aponta ainda que se assiste uma ambivalência cultural na medida em que os moçambicanos assimilaram a cultura portuguesa resultante da colonização e a partir de condicionalismos tradicionais que culminam numa interacção com o alegado colonial. Demonstra ainda que os valores africanos e europeus, actualmente se resumem entre a tradição e a modernidade.
Este autor identifica quatro etapas da génese da construção das nações em África que também se enquadra o caso da África Austral: as resistências pré-coloniais, as reivindicações nativistas ou protonacionalismo, a formação do movimento de libertação nacional e o período pós-independência. Antes da presença colonial portuguesa em Moçambique, não havia unidade nacional, a questão da expansão e conquistas entre os impérios pré-coloniais eram fenómenos generalizados em toda a África. Deste modo, este autor embora não demonstra de que modo as resistências pré-coloniais de forma consciente ou inconsciente contribuíram para a edificação das futuras nações, defende que a formação da nação moçambicana teve o seu início no período colonial e com a independência nacional que marcou uma nova fase da expansão da identidade cultural e nacional.
Embora o autor reconhece que a construção da nação é um processo recente que agrega diferentes factores de interacção, entende o caso moçambicano como resultado da herança colonial e africana. Deste modo não equaciona a contribuição ou influência das outras “nações” da região na edificação da nação moçambicana.
No contexto da historiografia moçambicana e na tentativa de esclarecer a noção de estado e de nação que no censo comum se confundem, SAMBO (1991:278-281) no seu artigo sobre Algumas Considerações sobre o conceito Estado-nação, procura demonstrar as similaridades no processo de formação de nações na África subsaariana devido à divisão de África imposta na Conferência de Berlim onde as nações africanas incluindo Moçambique, foram sujeitas a emergir dentro de fronteiras estatais coloniais bem definidas, geralmente habitadas por povos constituídos por diversos grupos étnicos com culturas e idiomas diferentes. Neste caso, o autor confirma que os africanos foram retalhados sem o seu consentimento e a longa presença colonial, moldou a consciência unitária na luta contra a ocupação europeia.
Embora reconheça que no caso de Moçambique, o conceito de estado-nação esteja ligado à unidade nacional, o autor (Ibid.) questiona se o povo moçambicano é sinónimo da moçambicanidade tendo em conta que a nação é uma comunidade estável dos homens onde o factor económico é um traço importantíssimo. O posicionamento deste autor, ao falar da economia, encontra enquadramento no posicionamento de POMER (1994) quando afirma que o comércio é que foi o motor da mutação do conceito da nação ao transcender a concepção comunitária para uma comunidade ainda maior onde cada co-membro se define livremente como parte integrante da mesma nação e destaca três períodos que marcam o nascimento da nação moçambicana: o nascimento e consolidação da consciência da consciência nacional; a luta de pela conquista da independência nacional e o período pós-independência.
Analisadas as premissas que favoreceram a construção das nações africanas e de forma particular na África Austral que em parte o caso moçambicano encontra similaridades, NGOENHA (1998: 17-34) no seu ensaio sobre a identidade moçambicana: já e ainda não, descreve os processos complexos que nos levaram à criação do projecto da nação moçambicana em 1962. Admite que internamente, o projecto era e continua fragilizado pelos micro-nacionalismos e pelo economicismo individual. Por outro lado, externamente, o projecto da construção da nação moçambicana é influenciado pela globalização económica e usurpação do espaço político nacional que pode significar o retorno do colonialismo. Argumenta que a moçambicanidade é um conceito moderno porque engloba todos os que estão no mesmo espaço geopolítico de colonização e propõe ultrapassar as particularidades pela política.
Avaliando o posicionamento deste autor, deduz-se que a existência de diferentes etnias representando diversidade cultural em Moçambique, aliado à vastidão territorial, torna o projecto da construção um desafio de futuro. O economicismo individual referido pelo autor, remete à ideia de acumulação e distribuição desigual da riqueza, factor que gera diferenças significativas na construção de uma consciência nacional comum. A globalização que transcende as fronteiras nacionais, faz com que as soberanias percam de certa forma a autonomia política, económica e cultural num contexto em que o grau de interacção cultural na aldeia global pode retroceder o projecto da edificação da nação moçambicana.
O autor, que usou fontes escritas na elaboração deste artigo, não discute o contexto remoto da construção da nação moçambicana e seus fundamentos onde certamente, se podia desvendar a possibilidade de ter existido um nacionalismo precoce no contexto pré-colonial conforme apontam outros autores quando se referem a África em geral. De seguida o seu posicionamento encontra algumas similaridades quando discute o contexto mediato em que desponta o nacionalismo moçambicano que resulta da reacção à dominação colonial portuguesa nas fronteiras traçadas pela colonização, facto comparável com outras nações emergentes em África.
Explicando a longa trajectória da edificação da nação, o autor apresenta os eventos significativos que acabaram determinando o nascimento da nação moçambicana. Defende que as suas instituições começaram com o movimento formulado com a unificação dos três movimentos nacionalistas em 1962, num do contexto da guerra fria em que, apesar da independência nacional de Moçambique em 1975 precedido de luta armada que durou dez anos, os regimes da África do Sul e Rodésia do Sul que, no período pós-independência financiaram a agressão e conflito interno em Moçambique, contribuíram para radicalização da componente anti-tribal. O fim da era de orientação socialista e a introdução do sistema multipartidário em 1994, demonstrou que a moçambicanidade é virtual, pela primeira vez num ambiente paz foi possível a convivência na diversidade e assim o projecto da edificação da nação moçambicana enfrentava novos desafios.
Nestas etapas o projecto da construção da nação moçambicana não se rompeu apesar das suas fragilidades. O problema que-se coloca agora é de saber se este projecto tem futuro face aos problemas modernos de globalização, regional através da SADC e internacional onde a nova ordem económica pode determinar a viabilidade do projecto da moçambicanidade. Há uma necessidade de renovar o projecto da construção da nação e adaptá-lo à reelaboração das culturas espalhadas pelo território num contexto em que a ideologia das massas é determinada pelos mercados.
Pode-se compreender que se no passado a consciência nacional se consolidava face à dominação colonial e luta pela libertação nacional, hoje, a consciência nacional e unitária, condição básica para a formação da nação moçambicana, gira em volta da estabilidade económica de todos, pelo acesso aos recursos com as mesmas possibilidades.
Outra contribuição para o estudo da formação da nação Moçambique feita por MACHILI (1995:377-421), no seu artigo sobre a Unidade e diversidade: Centralização e descentralização no processo eleitoral 94 em Moçambique, refere que entre 1880-1960 há referências preciosas sobre os estados pré-coloniais africanos que se tornaram base específica das futuras nações embora, não demonstra os processos históricos que catalisaram essas bases específicas. Num outro desenvolvimento defende que a resistência à ocupação colonial serviu de plataforma de participação dos colonizados na elaboração de uma consciência nacional, embora a política e a cultura não eram a prioridade, o objectivo principal era a reconquista das soberanias.
Demonstra que entre 1960-1987, assistiu-se a reconquista das soberanias e a construção das nações africanas dentro das fronteiras coloniais e do consenso comum nasceu o patriotismo. Nesta fase a unidade evoluiu substancialmente com o patriotismo, a única diversidade emergiu nas vertentes política e cultural que em parte, dificultavam a concepção de um projecto de edificação da nação. A etapa de 1987-1995 tornou-se laboratório de ideias sobre a unidade nacional dentro da pátria, caracterizada pelas rápidas mudanças das instituições políticas, reformas das constituições, adopção do sufrágio universal e directo, mais do que consciência de nação, cresceu a consciência de pátria que abrange todos.
O autor entende que no caso moçambicano, entre 1962-1974 houve consenso, sedimentação e institucionalização da unidade entre os movimentos nacionalistas que culminaram com a fundação da FRELIMO, ressalvando que sem unidade não seria possível vencer o colonialismo português. Depois da independência, entre 1975-1990, houve aprofundamento da unidade nacional e consciencialização patriótica para a nova nação em construção, anti-regionalista, anti-racismo, anti-tribalismo e anti-obscurantismo visando a criação do Homem Novo. O período que marca o início da democracia multipartidária entre 1990-1995, verifica-se o reconhecimento da diversidade cultural num contexto de unidade e diversidade. A pacificação, eleições e governação se tornam prioridades para construção da nação moçambicana.
Para a compreensão da génese da nação moçambicana se revela importante a visão de MONDLANE (1975), considerado arquitecto da unidade nacional, em Lutar por Moçambique. Descreve ao longo desta obra, a génese e evolução do nacionalismo moçambicano onde, o sofrimento comum do domínio português, é que produziu a comunidade territorial que devido à vastidão e comunicação, teve dificuldades em desenvolver uma consciencialização única. Usa o método cronológico para demonstrar as diferentes etapas e os respectivos actores da evolução do nacionalismo moçambicano onde destaca as primeiras associações políticas por volta de 1920, o período posterior à Segunda Guerra Mundial onde, segundo o autor, o massacre de Mueda foi o momento crucial para o rumo à unidade.
Destaca a unificação dos três movimentos nacionalistas e fundação da FRELIMO em 1962 como sendo o momento da concepção embrionária da construção da nação moçambicana e depois descreve as fases subsequentes caracterizadas pelas clivagens dentro do movimento nacionalista como espelho da existência várias nações dentro das fronteiras coloniais do actual Moçambique. Portanto de forma muito clara, indica os factores que geram a consciência nacional entre os moçambicanos. A sua morte em 1969, interrompeu de certa forma a visão que partilharíamos sobre o tipo de nação que-se pretendia construir face às experiencias desde 1962 até 1969.
Os ideais de MONDLANE são complementados pela FRELIMO (1977), uma obra que se faz uma retrospectiva existencial da FRELIMO enquanto movimento aglutinador de várias sensibilidades nacionalistas e organização de todo o povo moçambicano em 1962. A obra destaca que, foi onde durante o 1° Congresso da FRELIMO se sublinhou o pressuposto da unidade nacional que preza pela união de todos os moçambicanos sem descriminação de qualquer origem, como condição do sucesso da luta de libertação nacional contra a dominação portuguesa. Na mesma ocasião, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), condenava todas as tendências tribalistas e regionalistas que certos camaradas manifestassem na realização das suas tarefas.
Demonstra que por volta de 1968, o projecto da nação, que encerrava clivagens devido às diferentes interpretações e objectivos entre elites formadas na diáspora com preparação intelectual em linhas políticas diferentes, encontrava também forte oponência das elites tradicionais cujo conceito da nação se resumia à região de origem. As constantes divisões e crises no seio da frente de libertação, a formação de novos grupos nacionalistas que foram se dissipando com o tempo e diversos assassinatos, marcaram o difícil percurso do projecto da nação moçambicana.
Durante o 2° Congresso em 1968, Eduardo Mondlane era visto como construtor do novo Moçambique e já se reconhecia que era um desafio para reconstrução nacional, numa alusão aos territórios que era libertados paulatinamente, porque a situação geográfica e política de Moçambique no lado ocidental com diversas nações condicionava de certo modo o projecto da nação moçambicana. De forma
clara o autor reconhece que, os territórios vizinhos com suas especificidades enquanto nações, condicionavam o percurso e natureza do projecto da edificação da nação moçambicana.
A ideologia difundida através da educação como pressuposto para a consolidação da consciência nacional até 1970, fez com que a criação de várias escolas e uma nova administração nas zonas libertadas e as sucessivas derrotas das tropas portuguesas em Moçambique entre 1972-1974, tornasse realidade a edificação de uma sociedade nova.
Entende-se como lacuna deste documento, que goza ainda da existência de fontes orais, não considerar a diversidade étnica e cultural como factores que interferem no projecto da construção da nação moçambicana, a divergência de opinião era vista como obra de reaccionários e inimigos da revolução.
Por último, no presente trabalho, a trajectória da formação da nação moçambicana é estudada por SILIYA (1996) no seu trabalho sobre Ensaio sobre a cultura em Moçambique onde, não só descreve os processos do longo projecto da construção da nação numa sucessão cronológica, mas também, demonstra como o trabalho de campo por ele feito em contacto com as fontes orais, procura contribuir através de um conhecimento científico, definir a cultura moçambicana que se apresenta como soma de valores da vida sócio-económica conquistados no processo histórico da sua sobrevivência.
Relaciona a função da cultura na construção da nação e olhando para as diversas acepções atribuídas à nação, defende que a nação é um conjunto de habitantes ou cidadãos de um Estado, do mesmo território que contempla planificação comum e unitária para o desenvolvimento socioeconómico, governados por leis próprias, com laços comuns de identidade que os une tais como a história, língua, modos de vida, em fim, a cultura.
No caso concreto de Moçambique, os povos vivem no mesmo território nacional que tem fronteiras que o limitam de outros países, tem tradições históricas, a mesma experiência de opressão e exploração e herdaram o mesmo património cultural do colonizador como por exemplo, a Língua Portuguesa. A FRELIMO apareceu como elemento catalisador e força contribuinte para o avanço da edificação da nação moçambicana, desde as zonas libertadas, conquista da independência, o processo de socialização com as aldeias comunais, a concepção do Homem Novo para edificação da nova sociedade e o desafio da consolidação da unidade nacional em ambiente de paz e democracia multipartidária.
O autor (Ibid.) defende que, se Moçambique é um território com fronteiras, tem um povo que partilha experiências e tradições históricas ao longo dos anos, então os diversos processos de socialização das microculturas poderão contribuir para a construção da nação moçambicana numa altura em que, as diferenças étnicas e culturais são ultrapassadas com a visão da globalização que reforça a moçambicanidade face às outras nações. Entende-se que este autor, transmite a ideia de que com a globalização, os moçambicanos não olharão mais para pequenos aspectos culturais que os diferencia entre si, mas sim o lugar da moçambicanidade num mundo cada vez mais globalizado.
Apreciando e alistando as contribuições de alguns autores, são de consenso de que as nações africanas inclusive Moçambique, nasceram dentro das fronteiras trançadas pela colonização. A ideia de consciência e solidariedade comum nasceu pela dominação e opressão colonial dentro desses territórios. Na fase embrionária do nacionalismo nesses territórios, a questão cultural e política não eram relevantes, mas sim a reconquista das soberanias nacionais ocupadas.
Analisando factos recentes, o Estado pode ser resultado de várias nações e que-se pretende que seja uma única nação, portanto todos os autores concordam que a construção das nações ainda é ainda um projecto e também concordam que o nacionalismo vem antes da nação.
Os momentos da emergência dos projectos das nações dividem vários historiadores. Alguns defendem que os estados pré-coloniais, a vigência da colonização europeia, a fase pós-colonial e as transições democráticas, são fases cruciais da edificação das nações em África. Outros não reconhecem os estados recentes como nações porque actualmente a questão cultural volta a ser relevante para a identidade comum, portanto a nação continua um projecto. Com a globalização, os projectos nacionais ficam reforçados ou minimizados para fazer face à identidade nacional requerida na aldeia global, isto é, a bandeira e outros símbolos de Estado transmitem a ideia de uma nação perfeita no mundo cada vez mais globalizado.
Concluindo, pode-se afirmar que com a excepção de Graça (2005) que reconhece a ambivalência cultural na formação da nação moçambicana, ao reconhecer a influência de outros mosaicos culturais na edificação social em Moçambique, alguns investigadores ignoram a compenetração cultural regional na qual Moçambique faz parte. Admite-se também que as trocas de experiências com os projectos de integração regional, o comércio e as migrações podem influenciar na construção da nação moçambicana que é um projecto ainda aberto.
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