O presente artigo pretende discutir as desigualdades de oportunidades de acesso ao ensino em Moçambique, como resultado da prevalência do poder social que a educação tradicional impõe ao perpetuar culturas seculares e por um lado, os condicionalismos sociais herdados do colonialismo português, caracterizados pela fraca rede escolar disponível e a exclusão selectiva dos moçambicanos ao ensino que em parte estava ligado à igreja católica que, conforme sabemos representava continuidade do sistema colonial. As equidades nas oportunidades educativas no Moçambique pós-independente continuaram ensombradas pelas assimetrias regionais, motivadas pela ruralização da maior parte do país acompanhada de diferentes condições objectivas de acesso e vários estereótipos associados em parte com as políticas públicas de educação que, na busca de aperfeiçoamentos e justiça na alocação de educação para todos, tem estado em constantes ajustamentos conjunturais.
This article intends to discuss the inequality of opportunity of access to education in Mozambique as a result of the prevalence of social education traditional imposes perpetuate age-old cultures and the social constraints inherited from colonialism Portuguese, characterized by weak school network available and selective deletion of Mozambicans to education which was linked to the Catholic Church which, as we know represented colonial system continuity. Fairness in educational opportunities in Mozambique post independent continued overshadowed by regional imbalances, motivated by's pastoralisation most country accompanied by various objective conditions of access and multiple stereotypes associated in part with public education policies that, in search of improvements and justice in the allocation of education for all, has been in constant short-term adjustments.
Durante o período colonial, conforme testa Isaacman e Stephan (1984:92) as oportunidades educacionais para moçambicanos eram extremamente limitadas, as poucas possíveis eram disponibilizadas exclusivamente pela Igreja católica num contexto de ensino de adaptação para dominar a língua portuguesa como condição para entrar na escolaridade primária. Olhando para a questão do género, as raparigas eram ensinadas através de métodos tradicionais visando perpetuar comportamentos seculares das comunidades através de mitos e ritos de iniciação, de modo que se preparassem para actividades económicas familiares e procriação de filhos depois de casar.
Para se avaliar o grau das desigualdades de acesso ao ensino no tempo colonial, apreciemos o seguinte comentário:
…das 392796 crianças que frequentavam o ensino da adaptação em 1959, no sistema missionário, só 6928, isto é, 17% viriam a entrar para a escola primaria… os rapazes, constituíam a maioria esmagadora da população escolar de crianças…(Idem).
O posicionamento destes autores encontra enquadramento na visão de Nyerere (1962) ao afirmar que o sistema colonial promovia uma educação socialmente selectiva, virada para interesses individuais e continuidade da exploração.
Avaliando o ensino no tempo colonial, podemos afirmar que, era discriminatório e muito selectivo porque, em parte era assimilacionista ao estabelecer vários critérios para se aceder à educação. Os moçambicanos que conseguiam ingressar no ensino deviam apenas estudar até ao ensino rudimentar. As raparigas sofriam dupla exclusão, visto que a sociedade tradicional, assegurava apenas a preparação destas para as tarefas domésticas e económicas no seio da comunidade.
Nesta perspectiva, Nyerere embora na sua visão não enfoque a descriminação da mulher no acesso à educação na época colonial, no caso moçambicano podemos notar que dos moçambicanos que não sabiam ler nem escrever, 60% eram mulheres como resultado não só de práticas coloniais assim como da educação tradicional que mantinham a mulheres num estado de ignorância, o lugar da mulher era de ser boa mãe, doméstica e servil, limitando o papel social da mulher ( Isaacman, 1984,p.222).
Avaliando o posicionamento de BORDIEU e PASSERON (s/d) na obra a reprodução, ao afirmarem quetradicionalmente o sistema de educação como um conjunto de mecanismos institucionais ou usuais pelos quais se encontraram assegurada a transmissão entre as gerações da cultura herdada pelo passado (p.31)
, podemos afirmar que contrariamente da educação moderna que era criteriosa quanto ao seu papel, a educação autóctone seguiu o seu processo normal social de imposição e inculcação de hábitos.
Reflectindo criticamente sobre o sistema de educação colonial, visava apenas ensino de rudimentar de escrita, uso da bíblia como livro de leitura, visando preparação de alguns negros para ajudarem na missão evangelizadora, nem que isso implicasse o uso das línguas locais na preparação destes.
Após a independência nacional em 1975, a educação tornou – se socialmente um direito e dever de cada cidadão. Em 1978 frequentavam na escola pública mais de 1419297cidadãos dos quais 47.2% eram mulheres, contra os 586868 em 1973 ( Isaacman, 1984,p.93).
Apreciando os números acima, podemos deduzir que o paradigma de educação para todos se tornava uma realidade apesar de dificuldades próprias de um país que acabava de ascender à independência nacional sem ainda um perfil educacional concebido.
Para BORDIEU e PASSERON, não significava com isto que, o acesso à educação estava democratizado, porque as probabilidades de acesso da maioria dependiam de zonas com oportunidades objectivas favoráveis e do reforço de mecanismos de acesso alocados pelo estado em diversas regiões. Com isto queremos dizer que entre as zonas rurais deste Moçambique e as cidades onde se supõe existir facilidades de acesso, diferentes factores terão condicionado o acesso ao ensino para todos.
Desde que Moçambique se tornou independente, tem empreendido várias reformas no sistema de educação através da diversificação do currículo atendendo aspectos culturais locais e regionais (Isaacman, 1984,p.221).
Sobre este assunto, BORDIEU (s/d, p.275) afirma que não basta reformular ideologias de carácter universalista para reivindicação da ética de igualdade formal de oportunidades à educação porque nem todas as categorias sociais tem acesso à educação.
Para justificar a desigualdade no acesso á educação, o governo do dia argumenta baseando – se nofardocolonial herdado quanto à fragilidade da rede escolar. Para fundamentar que o acesso a educação era uma realidade e está massificado, aponta por exemplo a existência de turmas numerosas que na óptica do governo tem vários condicionantes: insignificante rede escolar herdada do sistema colonial, nas zonas rurais fizeram-se sentir os efeitos das agressões militares externas, as sanções e a guerra civil no período pós -independência que destruíram vasta rede escolar, a mobilidade populacional para os centros urbanos sufocando a capacidade de absorção da população estudantil, desigualdade de acesso na perspectiva regional e na perspectiva campo – cidade, a fraca construção de novas escolas, a falta de professores e o baixo nível económico do país e o aumento gradual da procura do acesso ao saber (Golias, 1993,p.73).
Sobre o mesmo assunto, CASTIANO (2005) afirma que a procura social do ensino continua hoje muito acima das possibilidades de oferta e comenta: …a opção foi aumentar o número de alunos que frequentam a escola o que, consequentemente, reduziu qualidade de ensino… (p.155)
Num outro desenvolvimento sobre a questão das turmas numerosas em Moçambique, Golias (1993) teceu seguinte comentário:
…De acordo com a lei 6/92 sobre o ensino em Moçambique, a idade de ingresso passa a ser de 6 anos e não 7. Assim o número de crianças em idade escolar necessariamente irá duplicar nos próximos anos, a situação será mais complexa com o regresso das crianças em idade escolar nos países vizinhos… (p.73)
Avaliando o posicionamento destes autores, a política defendida pelo governo de abertura de ensino para todos enquanto por um lado herdamos do sistema colonial, um sistema educacional restrito e de carácter elitista sem infra-estruturas escolares suficientes capazes de responder a demanda, concorre para existência de turmas numerosas, sem necessariamente significar o acesso de todos ao ensino.
Apesar destas dificuldades, segundo Nyerere apud CASTIANO (2005, p.211–216) torna – se necessário estender educação para todos na perspectiva de integrar todas as pessoas que fazem parte da sociedade baseada em valores de igualdade e de respeito pela dignidade humana pois a educação é um dos instrumentos de reabilitação social.
Tudo indica que Moçambique inspirou – se no modelo de HORTON apud CASTIANO (2005, p.200) que defende a escolarização obrigatória das crianças de todos os sexos nas cidades e nas zonas rurais, assim como a centralização e supervisão do ensino pelo Estado visando garantir a uniformidade de oportunidades educativas.
Desta forma a educação em Moçambique, teria função de desenvolver espírito de solidariedade colectiva ligada ao trabalho prático na perspectiva de produzir um cidadão critico capaz de produzir juízo de valores sobre o seu meio.
Retomando esta questão, BORDIEU não acredita em utopias, refere que os privilégios sociais continuam a depender de diplomas escolares e se o ensino assegura o acesso à minorias não estaria a reproduzir elites?
De facto, segundo Dias (2002,p.56), o ensino constitui um instrumento de manutenção de desigualdades sociais quando as políticas públicas de educação não consideram os factores que perpetuam desigualdades ao longo de gerações.
Intentamos com a afirmação desta autora, reforçar a ideia de que se não olharmos as desvantagens enfrentadas pelas populações do interior, que vão desde a falta de infra-estruturas, tabus culturais e outros, o discurso político sobre a educação para todos será uma utopia pois as desigualdades vão persistir.
A declaração mundial de educação (1990) refere que mais de 960 milhões de adultos dois quais 2/3 são mulheres são analfabetas. Reconhece por outro que a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens de todas as idades no mundo inteiro e, nesta perspectiva, defende universalizar o acesso à educação e promover a equidade, ampliar os meios e raio de acção da educação básica, mobilizando recursos para o efeito.
Moçambique deu importantes avanços quando apontou a erradicação do analfabetismo como uma das formas básicas de acabar com subordinação da mulher, alterar a hierarquia tradicional em relação à mulher e promover a participação de maior número de mulheres na vida das comunidades. (Isaacman, 1984,p.97)
Concordando este posicionamento, achamos que como fruto desta iniciativa, a contribuição da mulher no desenvolvimento tornou – se uma realidade e o acesso aos direitos cívicos, política, saúde e empregabilidade tornaram – se uma realidade.
Num esforço de edificação de uma sociedade onde o acesso ao ensino deve contribuir par o desenvolvimento, Moçambique ultimamente tem feito reformas curriculares visando acomodar cidadão de ambos sexos, reforçando a valorização cultural entre a escola e as tradições comunitárias (Idem, p.240).
Quanto a nós, entre os avanços e retrocessos que Moçambique vem encarando na promoção de educação para todos, devemos nos indagar da contribuição que o seu sistema educativo traz enquanto reprodutora da estrutura de relações, sabido que a escola é a instituição com uma posição favorável para inculcar cultura estandardizada rumo à construção de um sistema de relações que garantam igualdade de oportunidades se, em parte as elites estudam fora do país ou a nível interno, mas em escolas previamente seleccionadas.
Podemos concluir que em Moçambique embora persistam problemas em relação ao acesso à educação devido a vários factores, o actual sistema educativo teoricamente estabelece igualdade de oportunidades para ambos sexos embora de forma objectiva nem todos os moçambicanos acedam da mesma forma ao ensino. Os avanços conseguidos pelas mulheres na escolarização são encorajadores, contrariando o período colonial que excluiu de forma severa o acesso à educação para todos os moçambicanos.
BORDIEU, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Lisboa, s/d.302p.
CASTIANO, José. A longa Marcha duma Educação para todos em Moçambique. Maputo:: Imprensa Universitária, 2005.291pp.
COMITE DE CONSELHEIROS. Agenda 2025:Visão e Estratégias da Nação. Maputo, 2003.181pp.
DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Jomtien,1990.
DIAS, Hilzidina. As dificuldades sociolinguistas e o fracasso escolar: em direcção a uma pratica linguístico escolar libertadora.Maputo,2002.
GOLIAS, Manuel.. Sistemas de Ensino em Moçambique. Maputo, 1993.112pp.
ISSACMAN BARBARA e STEPHAN, JUNE. A mulher moçambicana no processo de libertaçao.Maputo,1984.133p.