O presente ensaio apresenta uma reflexão sobre as fontes de história de África. O mesmo é desenvolvido procurando reflectir as metodologias aplicáveis para o tratamento das fontes disponíveis em África como é o caso das fontes arqueológicas, fontes orais e outras. Diversos autores apresentam diversos pontos de vista sobre as tarefas da história de África perante as questões mitológicas, fontes, métodos e concepção da própria história pelos africanos em diferentes datas. O realce é dedicado às fontes orais e arqueológicas devido à sua primazia em África e à reviravolta dos africanos na abordagem historiográfica na segunda metade do século XX, favorecida em parte pela história além-mar e movimentos nacionalistas pela independência.
This essay presents a reflection on the sources of the history of Africa. The same is developed looking reflect the methodologies applicable to the handling of fonts available in Africa as is the case of archaeological sources, oral and other sources. Several authors present diverse points of view about the tasks of the history of Africa before the mythological issues, sources, methods and design's own story by Africans on different dates. The highlight is dedicated to oral and archaeological sources due to its primacy in Africa and the turnaround of Africans in historiographic approach in the second half of the 20th century, helped in part by overseas history and nationalist movements for independence.
O estudo da historiografia africana constitui o enfoque principal dos historiadores contemporâneos. Sobre a concepção da história segundo KI-ZERBO (1999, p.34-37), é uma ciência humana que procura um certo grau de certeza e de probabilidade para reconstituição e explicação do passado do homem. Recomenda ainda que, o historiador africano deve usar também os métodos de outros historiadores do mundo em geral, e deve participar simultaneamente no seu tempo e na sua comunidade mantendo distância necessária e o seu papel de testemunha, reunindo no máximo vestígios do passado africano.
Deve-se ter em conta que o homem africano é um animal político, ele faz sua história e tem uma concepção dessa história, as obras e os factos expressam-se em formas práticas culturais. O padrão de pensamento e de vida dos africanos é influenciado pelo isolamento de sociedades e realidades sociopolíticas desde o aparecimento das primeiras sociedades . Quando se tenta abordar a história de África perante esta realidade, tem-se impressão de que os africanos estavam imersos e, como que afogados no tempo mítico, vasto oceano sem margens nem marcos, enquanto os outros povos percorriam a avenida da história, imenso eixo balizado pelas etapas do progresso (HAMA e KI-ZERBO 1982, p.61).
Apreciando o posicionamento destes autores, entende-se que os africanos têm história e para o historiador apreender essa história deve perceber o modo de concepção dessa história pelos africanos e estabelecer comparações, respeitando as realidades culturais distintas.
Avaliando a evolução da historiografia da África na perspectiva de FAGE (1982,p.43), para a respectiva compreensão tendo em conta as alteridades geográficas e culturais, deve ser subdividida em historiografias da África Ocidental, Central, Oriental e Meridional. A historiografia europeia e islâmica sempre tomou como ponto de referência para a abordagem da África do norte do Saara, os contactos com outros povos sobretudo após a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egipto no século XVIII e fixação colonial no século XIX. A emergência de movimentos nacionalistas no norte de África deu origem às escolas autóctones de história que produzia documentos escritos em língua árabe, francês e inglês, estabelecendo equilíbrio nos estudos históricos da região.
Criticando o carácter eurocêntrico da história, OLDEROGGE (1982, p.287) afirma que os pesquisadores europeus do século XIX com ênfase para os estudiosos alemães desenvolveram uma crença de ausência deu uma história autónoma de África, para eles tudo era uma simbiose de culturas vindas de diversas correntes migratórias. Depois da Conferência de Berlim além da Alemanha que chegou a fundar um Instituto Colonial que veio a tornar-se um centro de pesquisa científica, o interesse pelo estudo de usos e costumes dos povos africanos estendeu-se para a Inglaterra e a França, onde o ensino de línguas africanas veio a iniciar depois do início da I Guerra Mundial.
Pode-se entender que os primeiros documentos escritos sobre a história de África terão resultado do contacto com os povos que usavam a escrita nomeadamente, árabes e europeus, embora as descrições eram conforme o interesse de quem escrevia.
Para África do Norte, destaca-se IBN KHALDUN (1332-1406) que na sua obra sobre as relações entre África e outras nações do Mediterrâneo e Oriente Próximo, não deixou de se preocupar com o que se passava no outro lado do Saara descrevendo o Império Mali e mais tarde alguns estados da África Oriental, este historiador veio a influenciar MARCH BLOCH na sua brilhante explicação do modelo europeu no início da Idade Media, numa altura em que os africanos perante a influência árabe passaram a utilizar textos escritos para conservação da sua história (FAGE 1982, p.45).
Para a reconstituição da história da África Ocidental e Central, as obras de IBN BATTUTA (1304-1369) e outros, são de grande importância ao descreverem regiões de África a partir de informações que puderam recolher na época em que escreveram embora não haja um meio para avaliar a veracidade da informação (p.44), No século XVI o contacto com europeus na África tropical favoreceu a produção de obras literárias que serviram de base para historiadores modernos. No século XVIII a África tropical embora cita em apêndice, mereceu mais atenção dos historiadores europeus embora a história não tivesse importância sobretudo em relação à África que era apenas mencionada no contexto do comércio de escravos (Ibid., p.44-48).
Portanto, pode-se depreender que sempre existiram alguns registos sobre a África e pode-se refutar a ideia de que a história de África começou com a colonização. Actualmente, uma das tarefas da história de África é o resgate da identidade juntando elementos dispersos de uma memória colectiva deixando de ser apêndice da história da Europa. Um dos grandes desafios é quebrar o mito de passividade histórica dos africanos e dos povos negros em geral. O sofisma e o preconceito europeu de que a África é imóvel e não tem história ilustram uma mera ignorância das transformações culturais endógenas e autónomas de África confirmadas pelas mutações técnicas, agrárias ou metalúrgicas, comércio e a própria participação dos africanos no desenvolvimento da revolução industrial (KI-ZERBO 1999, p.9-14).
Reconhecendo a barragem dos mitos para a compreensão do passado africano, deve-se sublinhar que representação mítica do passado domina o pensamento dos africanos e assim sendo coloca-se o problema da intemporalidade e dimensão social do tempo que não aborda destinos individuais mas sim da colectividade. O tempo africano engloba e integra a eternidade em todos os sentidos evocando gerações passadas no presente que de forma continuada se tornam contemporâneas onde os antepassados são agentes directos e privilegiados na vida dos africanos (HAMA e KI-ZERBO 1982, p.62).
Em algumas sociedades a concepção mítica e social do tempo entra em ruptura com a morte do soberano que paralisa uma série de actividades e ordem social. Este interregno recria o tempo social que é a história vivida pelo grupo. Os africanos de forma autónoma não desenvolveram consciência histórica responsável devido às imposições exteriores e alienantes como é o caso da escravatura, a consciência histórica era numa dimensão comunitária no quadro de uma hierarquia consuetudinária gerontocrática, rigorosa e pesada num sentimento da auto-regulação da comunidade, se tornam factos históricos porque contribuem para criar a história microcósmica da aldeia (Ibid., p.63-65).
Retomando o debate sobre o tempo social africano, a questão da cronologia se apresenta também crucial visto que um historiador que investiga o passado sem referência cronológica assemelha-se a um viajante que viaja sem noção da distância e sem rota demarcada. Os africanos tem ideia da cronologia, o tempo social constitui um dos grandes marcos cronológicos (KI-ZERBO 1999, p.18-19).
O posicionamento destes autores, chama atenção ao historiador que pretende fazer a descrição densa de um microcontexto sobre o tempo social e suas rupturas nessa região e só depois poderá de forma comparada relacioná-lo com a estrutura e conjuntura que na perspectiva moderna é abordada pela escola dos Annales.
Assim de forma específica, o próprio carácter social da concepção africana da história lhe dá uma dimensão histórica incontestável, porque e a vida crescente do grupo, na concepção global do mundo, os africanos, o tempo e o lugar onde o homem pode, sem cessar, lutar pelo desenvolvimento de sua energia vital. A grande reviravolta na concepção africana do tempo se opera com a entrada do continente no universo da economia capitalista, o tempo africano foi transformado e assimilado a favor dos colonizadores (Ibidem., p.68-71).
Disto pode-se compreender que para o africano, a história não reside apenas no documento escrito mas também nas suas obras que de forma continuada estão preservadas, portanto, aqui reside o desafio dos jovens historiadores: metodologia de interpretação dos feitos culturais produzidos e guardados ao longo de gerações.
Intervindo neste assunto, DJAIT (1999,p.105) concorda com o posicionamento de FAGE (1982) que refuta a inexistência de fontes escritas sobre o passado africano e afirma que fonte escrita serve para registar a voz e o pensamento e inclui as gravações na pedra, disco, moeda, papiro, pergaminho, osso e papel e suportou o período que vai desde a invenção da escrita ate ao século XV. Esta trajectória abre um espaço para reflexões porque abrange um continente inteiro, com diversas civilizações justapostas e sucessivas e porque as fontes são línguas, tradições culturais e tipos diferentes.
Se existem as fontes escritas sobre a África então, os problemas gerais residem na falta de estudos das fontes escritas da África. No domínio da África negra há fontes clássicas, árabes e fontes propriamente africanas embora a interpretação destas fontes tem limitações e interferências conforme a língua e o posicionamento do historiador. Para a compreensão das fontes escritas de África anteriores ao século XV, altura em que as fontes orientais foram perdendo sua influência no contexto internacional, dividiu-se o estudo em três períodos principais: a antiguidade ate ao Islã: antigo Império ate +622, a primeira Idade Islâmica: de + de 622 ate a metade do século XI, a segunda Idade Islâmica: do século XI ao século XV (Ibid., p.107).
Analisando as áreas etnoculturais, temos África do Norte – portanto a África branca, mediterrânea e islamizada e a África ao sul de Saara, uma África animista, plenamente africana e de uma irredutível especificidade etno-histórica, a África central e meridional é a mais pobre em termos de fontes escritas. As fontes escritas africanas podem ser clássicas em inúmeras línguas em que foram escritas e em géneros: narrativas e arquivistas. As fontes árabes continuam sendo a base do nosso conhecimento, devem ser reconhecidas as diferenças sócio-culturais, todas as fontes valorizam uma certa solidariedade de comunicação africana (Ibidem., p.108-112).
O autor acima, insiste afirmando que fontes escritas sobre África existem, apenas houve tratamento privilegiado ou desprezível conforme o nível de contacto com as outras civilizações e o nível de motivação dos autores dessas fontes.
O resgate da história de África se afigura viável com a construção de metodologias baseadas na crítica histórica e no espírito histórico, devido à escassez de fontes escritas e uma arqueologia monumental como postulados para o estudo da sociedade humana que fez com que o seu esquecimento remetesse durante muito tempo os povos africanos fora do campo de historiadores ocidentais. Com o advento da descolonização, foi fundada a história africana, com uma diversidade de fontes, embora a metodologia estivesse em construção, visto que a variedade de fontes implica a sua utilização cruzada (OBENGA 1999,p.92).
Insistindo nas metodologias ISKANDER (1982), afirma que para a reconstituição de factos históricos com base na arqueologia, o arqueólogo começa por estudar por meios puramente arqueológicos, leitura do texto que o acompanha, procurando decifrar informações as origens, idade dos artefactos em estudo para responder às inquietações colocadas pela pesquisa. A presença em determinado sítio arqueológico de numerosos espécimes cuja substância é de origem estrangeira, parece ser uma indicação clara de que esse material foi importado através de troca ou comércio. Uma vez localizada a fonte dessa substância, torna-se fácil estabelecer o caminho seguido por ela (p.227).
Num outro desenvolvimento o mesmo autor (Ibid.) reforça:
Esse carbono 14 penetra nas plantas juntamente com os isótopos…formando seus tecidos pelo processo de fotossíntese. Como os animais se alimentam de plantas,”todo o mundo animal é vegetal deve ser ligeiramente radioactivo…no momento da morte, supõe-se que a matéria orgânica antiga tenha apresentado a mesma radioactividade que a matéria orgânica viva actualmente. Mas depois da morte, ocorre o isolamento, ou seja, toda a aquisição ou troca de radiocarbono é interrompida e o carbono 14 começa a se degradar ou como disse o professor Libby,”o relógio do radiocarbono começa a andar… (p.232) ”.
Partindo deste comentário concorda-se com a ideia de KI-ZERBO (1999, p.21-22), ao afirmar que a arqueologia em África se revela também de capital importância ao confirmar através de peças de olaria, metais e ossadas, os vestígios das migrações embora apoiada com as datações do carbono 14, enfrente dificuldades relacionadas com a deslocação para zonas inacessíveis, a erosão e as fragilidades de materiais de construção.
A tradição oral como fonte histórica para a história de África se afigura tão respeitável como os escritos embora para se validar seja um desafio pois o problema não consiste em saber se é válida a prior ou se beneficia ou não de auxílios exteriores, mas em determinar que método a adoptar para diagnosticar as tradições e seleccionar com toda a segurança aquilo que é digno de servir como fonte para a história…aliás a tradição é com frequência autocontrolada por numerosas testemunhas que velam pela sua conservação (KI-ZERBO 1999, p.20).
A tradição oral que foi durante muito tempo desprezada segundo CURTIN (1982) às vezes constitui única fonte imediatamente disponível, neste caso, a tradição oral presta uma grande contribuição valiosa ao documento escrito, orienta escavações arqueológicas, é parte integrante da base do trabalho do historiador é não foi suficientemente destacado um ponto importantíssimo: a maneira como a tradição oral apresenta o tempo, é de outro como ela apresenta os acontecimentos através do tempo (p.101).
Segundo VANSINA (1999 p.157), as civilizações africanas privilegiavam a palavra falada mesmo em regiões onde existia a escrita. A fala é vista como um meio de preservação de saberes dos ancestrais e como um meio de comunicação diária. O historiador deve iniciar-se primeiramente, nos modos de pensar da sociedade oral, antes de interpretar suas tradições. Explicando a natureza da tradição oral, comenta:
A tradição oral foi definida como um testemunho transmitido oralmente de uma geração a outra. Suas características particulares são o verbalismo e a sua maneira de transmissão, na qual difere das fontes escritas…pode ser definido de diversas maneiras, pois o indivíduo pode interromper seu testemunho, corrigir-se, recomeçar, etc…nem toda informação verbal é uma tradição. Inicialmente distinguimos o testemunho ocular, que é de grande valor, por se tratar de uma fonte imediata, não transmitida, de modo que os riscos de distorção do conteúdo são mínimos (p.158).
De forma resumida entende-se que seria quase impossível resgatar os saberes locais sem o uso das fontes orais. No caso de África e Moçambique em particular, independentemente do analfabetismo e escassez de fontes escritas, se pretendemos produzir um conhecimento histórico e cultural verdadeiramente do homem comum, deve-se considerar a primazia fontes orais.
A primazia das fontes orais depende da língua e ao usarmos a linguística devemos evitar o grande erro de confundir raça, língua e cultura, todavia pode contribuir para deduzir do parentesco linguístico um parentesco étnico ou de origem, fornecendo de certo modo uma hipótese básica e cientifica de pesquisa (KI-ZERBO1999, p.24).
Falando do contexto social da tradição, tudo o que uma sociedade considera importante para o funcionamento pleno das suas instituições, com uma identidade própria e com representações colectivas caracterizadas pela estrutura mental, para os diversos grupos sociais e seus respectivos papéis para os direitos e obrigações de cada um, tudo é cuidadosamente transmitido, somente memórias menos importantes são deixadas ou esquecidas. As tradições particulares são oficiais para o grupo que as transmite, é importante utilizar histórias familiares ou locais para esclarecer questões história política geral, seu testemunho está menos sujeito a distorção e pode oferecer uma verificação efectiva das asserções feitas pelas tradições oficiais (VANSINA 1982, p.163-164).
A história social é estudada ao nível da aldeia, da região, do grupo étnico. A história cultural é analisada em uma escala muito mais ampla que aquela do estado-nação. A história de além-mar não é apenas sobre povos europeus e não europeus, mas também de sistemas económicos, sociais, políticos e culturais dos próprios não europeus. Podemos analisar a história além-mar de forma distinta: a história autónoma da Ásia e da África e a história da expansão europeia e ganhou eco depois de 1945 quando os historiadores coloniais e seus discípulos voltaram-se para a própria história asiática e africana que provou o direito da sua existência (WESSELING 1992 p.114-131).
A ideia de VANSINA (1982), encontra enquadramento nas linhas de pesquisa da Universidade Pedagógica privilegiando a produção da história local como forma de contribuir na divulgação do mosaico cultural e contribuição à história universal.
Entre as representações colectivas que mais influenciam a tradição, notamos sobretudo uma série de categorias de base que precedem à experiência dos sentidos: do tempo, do espaço, da verdade histórica, da causalidade. Todo o povo divide o tempo em unidades, baseadas nas actividades humanas ligadas à ecologia ou em actividades sociais periódicas e fundamenta (Ibid.):
As duas formas de tempo são usadas em toda a parte. O dia é separado da noite; e dividido em partes que correspondem ao trabalho ou refeições, e as actividades são relacionadas com a altura do sol…os meses e o ano são geralmente definidos pelo ambiente e as actividades que dele dependem…a semana é determinada por um ritmo social, como por exemplo a periodicidade dos mercados…períodos mais longos que o ano são contados pela iniciação a um culto, a um grupo de idade, por reinos ou gerações. A história de famílias pode ser estabelecida com base nos nascimentos, que constituem um calendário biológico… (p.169).
Em relação à cronologia afirma que sem ela não há história, pois não se pode distinguir o que precede do que sucede. A tradição oral sempre apresenta uma cronologia relativa expressa em listas ou em gerações com abrangência geográfica mais ampla sem contudo estabelecer a sequência relativa aos acontecimentos exteriores àquela região particular e garantias de não distorção de informações sobretudo quando se eliminam ancestrais inúteis a favor de ancestrais úteis para explicação do passado. Em caso de contradições de fontes deve-se optar pela provável sobretudo com o auxílio de fontes arqueológicas e outras fontes independentes para se formar uma probabilidade com um certo grau de certeza. A colecta de tradições requer muita paciência, tempo e reflexão conforme cada caso (Ibidem., p.171-176).
O autor pretende com isto afirmar e errado pensar que as fontes orais não têm noção de cronologia de acontecimentos narrados, baseando-se no tempo social africano, as experiências são ordenadas de forma sequencial.
O debate sobre a valorização das fontes orais ganha eco quando segundo HAMPATÉ BÁ (1982, p.181-182) quando se fala da tradição, refere-se à tradição oral, que transmite conhecimentos de boca a ouvido, de mestre a discípulo, ao longo dos séculos. O grande desafio é conferirmos a oralidade que até em princípio precedeu a escrita, a mesma confiança que se concede à escrita. A tradição oral é valorizada pela cadeia de transmissão com fidedignidade das memórias individual e colectivas e o valor atribuído à verdade em uma determinada sociedade.
A tradição oral não se limita às histórias e lendas ou relatos mitológicos, a tradição oral é a grande escola da vida e dela convencionamos todos os aspectos da vida e baseia-se em uma concepção do homem. A tradição oral implica conhecimento das línguas, a escola tradicional africana ensina o autocontrolo, dominar a manifestação de emoções, aprende a conter forças, integrar as experiências da vida. O conhecimento herdado da tradição oral encarna-se na totalidade do ser, a própria vida era a educação (Ibid.): a criança estará imersa em um ambiente cultural particular, do qual se impregnará segundo a capacidade de sua memória. Seus dias são marcados por histórias, contos fábulas, provérbios e máximas. (p.183-209).
Por essa razão a tradição oral (Ibidem.), tomada no seu todo, não se resume à transmissão de narrativas ou de determinados conhecimentos. Ela é geradora e formadora de um tipo particular de homem. Pode-se afirmar que existe a civilização dos ferreiros, a civilização dos tecelões, a civilização dos pastores, etc. (p.199).
A juventude vem sentindo cada vez mais a necessidade de se voltar às tradições ancestrais e de resgatar seus valores fundamentais, a fim de reencontrar suas próprias raízes e o segredo da sua identidade profunda. O pesquisador deve ser paciente, deve adaptar-se ao ambiente em pesquisa, apreender tudo para depois filtrar (Ibidem., p.217-218).
A interdisciplinaridade não deixa a história desamparada, a antropologia cultural, por exemplo, permite o estudo de traços culturais comparados e exige-se que se tenha em conta a totalidade do quadro cultural do povo em questão, a análise deve ser total e dinâmica. A arte do africano desempenhou desde a época da pré-historia, um papel criador como demonstram os centros artísticos de pinturas e gravuras rupestres da África tropical e meridional (KI-ZERBO 1999, p.26-24).
Para sustentar a tese de que a África não tinha história segundo europeus, FAGE (1982, p.50-57) denuncia que primeiramente, surgiu a antropologia como método não-histórico de estudar e avaliar as culturas e as sociedades dos povos primitivos, os que não possuíam uma história digna de ser estudada e ao longo destes anos numa escala reduzida, os africanos registavam as tradições históricas locais, certos colonizadores registavam história dos governados, seria valioso ensinar um pouco da história de África nas escolas.
Enaltecendo o papel da antropologia cultural OLDEROGGE (1982, p.291-295), aponta que os dados antropológicos fornecem referências mais estáveis frequentemente multimilenárias nos domínios da cultura e espiritual em relação à língua que pode sofrer transformações conjunturais devido às invasões ou emigrações. A distribuição dos tipos raciais modernos no continente africano reproduz, em essência, o modelo antigo dos grandes grupos antropológicos.
Reconhece-se também que o processo de formação de raças é resultante de uma interacção de múltiplos factores, mudança do biótipo e encontro de grupos diferentes que produzem de maneira gradual, a diferenciação dos traços herdados, mas também transmitem hereditariamente os traços diferenciados, sem ignorar a função do meio ambiente que com base no factor climático pode explicar a distribuição das raças pelo continente (Ibid.).
A descoberta do australopithecus provando o desenvolvimento do homem desde as origens na província de Cabo na África do Sul em 1924 e outras seguintes na Tanzânia, no Quénia e na Etiópia desacreditou as teorias até aqui defendidas sobre as origens da civilização africana. O antropólogo Arambourg sustentou que a África é o único continente que há evidências de uma evolução ininterrupta com todos os estágios do desenvolvimento: australopitecos, pitecantropos, neandertalenses e homo sapiens e os respectivos utensílios ate ao neolítico, portanto olhando para os resultados científicos do carbono 14 e o potássio-argonico que provam a evolução neolítica anterior ao da zona mediterrânea e Oriente Próximo conforme se advogava, é errado negar o desenvolvimento cultural endógeno de África (Ibidem., p.294).
Alertando a favor da interdisciplinaridade e cruzamento de fontes, o problema heurístico e epistemológico é fundamental segundo OBENGA (1982), o historiador deve estar absolutamente atento a todos os tipos de procedimentos de análise, para articular seu próprio discurso, fundamentando-se num vasto conjunto de conhecimentos…onde o conceito de “ciências auxiliares” perde cada vez mais terreno nesta nova metodologia… (p.94-96).
Com esta ideia pretende defender a tese de que a prática da história na África torna-se um permanente diálogo interdisciplinar, esboçaram-se novos horizontes de articulação metodológicas onde as outras ciências não são meramente auxiliares, de forma autónoma se tornaram nobres pela sua contribuição na nova maneira de escrever a história de África.
Avaliando a diversidade de fontes históricas de África no seu contacto com europeus, segundo HRBEK (1999, p.129), nos finais do século XV e princípios do século XVI ocorreram transformações no carácter de proveniência e volume das fontes escritas para a história de África, verificou-se um acréscimo de outros tipos de fontes tais como: as narrativas de viajantes, descrições, crónicas, adicionaram-se a estes as correspondências e relatórios oficiais, comerciais ou missionários, escrituras legais e outros documentos arquivísticos raramente encontrados antes desta época. Verificou-se também nítida redução de fontes árabes para a África subsaariana embora surgisse na época literatura autóctone escrita em árabe, auxiliada em parte pela ascensão da literatura originalmente africana, inglesa e outras línguas europeias de forma progressiva ate século XX.
As regiões costeiras foram as mais providas de documentos escritos, no norte de África no século foram tão abundantes quanto à historiografia europeia sobretudo sobre a Etiópia, único país cristão naquela época, relegando as fontes locais para o plano secundário. A África do Sul conheceu uma ascensão de fontes escritas desde a ocupação de Cabo pelos holandeses em 1652. Com a expansão comercial, missionária e colonial no século XIX, aumentou fontes históricas sobre grupos étnicos africanos, aspecto que veio a potenciar o surgimento de pontos de vista dos próprios africanos no século XX (Ibid., p.131-139).
O autor demonstra que nas zonas de maior contacto com outras civilizações há muita informação escrita em detrimento de zonas de interior de fraco contacto estrangeiros.
Olhando para a questão linguística na perspectiva de DIAGNE (1982, p.247), o negro africano estabelece uma ligação entre a história e a língua porque a história visa o conhecimento do passado e a linguística é a ciência da linguagem e da fala e assim sendo a narrativa e a obra histórica são conteúdos e formas do pensamento. A língua como um sistema e instrumento de comunicação é um fenómeno histórico e como alicerce do pensamento é o lugar e a fonte privilegiada do documento histórico.
No que respeita às para as migrações, diferenciações étnicas e linguísticas, as teorias da escola alemã influenciadas pelo Hegel e descobertas recentes destacaram – se nos estudos etnográficos e linguísticos africanos que influenciaram as escolas europeias com a tese de que os africanos não têm historia porque não contribuíram para o desenvolvimento da humanidade. A mesma tese sustentava que o desenvolvimento de África deveu-se a influência de povos camíticos vindos da Ásia que segundo Hegel e o berço da humanidade (OLDEROGGE 1982, p.288).
Classificar as línguas já é revelar o parentesco e a história dos povos que as falam. Podem-se distinguir diversos tipos: classificação genética que estabelece o parentesco e os vínculos de filiação no interior de uma família linguística; classificação tipológica que reagrupa as línguas que apresentam semelhanças ou afinidades evidentes em suas estruturas e sistemas; classificação geográfica que compara e reagrupa línguas que coexistem numa área (DIAGNE 1982, p.248-249).
O cruzamento entre os protocamitas segundo OLDEROGGE (1982) com os povos negros teria originado os povos bantu. A vaga seguinte teria sido constituída por semitas que fundaram a civilização egípcia antiga que mais tarde veio a receber outras vagas migratórias constituída pelos hicsos e hebreus que afixaram-se na Etiópia antes da chegada dos árabes no século VII. Portanto pretendia com estes estudos provar que a civilização africana era o resultado destes povos que trouxeram novos elementos da civilização antes desconhecidos pelos africanos. Com base nestes dados deve-se reconhecer o papel da África como pólo da disseminação, no que refere tanto aos homens quanto as técnicas em um dos mais importantes períodos da história humana - Paleolítico Inferior (p.290-291).
A África segundo WESSELING (1992) foi considerada a-histórica, apenas entra na história no contacto com a colonização. A partir do século XX com o surgimento da escola dos Annales, apesar de escassas fontes escritas africanas ditadas por razões culturais, novas fontes tiveram que ser descobertas para não depender de fontes exógenas. Realça-se o trabalho desenvolvido por Vansina que dividiu a tradição oral em cinco categorias (formulários, poesia, inventários, narrativas, comentários), cada uma com várias subdivisões e adianta que a história oral não deveria ser aceite tacitamente…prestando-se atenção ao impacto da importância social, dos valores culturais e da personalidade dos escritores. Deveria também, tanto quanto possível, ser colocada em confronto com outras fontes… (p.110-111).
O passado da África tal como é visto pelos africanos representa uma tomada de consciência indispensável ao estabelecimento de sua identidade em um mundo diverso é em mutação, portanto os historiadores devem reatar os laços com a experiência histórica dos povos africanos entrando em ruptura com a historiografia eurocêntrica veiculada no século XIX. A revolução no campo de estudos de história após a segunda guerra mundial, fez com que a história abandonasse a crónica para uma ciência social que estudasse a evolução da sociedade humana, libertando-se de preconceitos nacionais para uma visão mais ampla, estudando regiões anteriormente negligenciadas, onde os historiadores africanos tinham como preocupação principal provar que a África tem história (CURTIN 1999,p.73-77).
Durante a vaga dos movimentos nacionalistas pela independência, os historiadores africanos desempenharam um grande papel na história (Ibid.):
Os especialistas em ciência política que escreveram no período dos movimentos de independência derrubaram as barreiras. Pouco depois, sobretudo durante os anos 60, os estudiosos começaram a retroceder no tempo, buscando as raízes da resistência e dos movimentos de protesto no início da época colonial e, mais longe ainda, nas primeiras tentativas de resistência no jugo europeu. Estes trabalhos sobre os movimentos de resistência e de protesto constituem uma importante contribuição para corrigir os desvios da história colonial, mas ainda estamos longe de considerar a história da África com objectividade…certos historiadores, porém, começaram a buscar um método interdisciplinar que lhes permita iniciar o estudo da história… (p.78).
O autor esclarece que a segunda Guerra Mundial e suas consequências terão contribuído decisivamente para o papel activo das jovens nações no resgate à sua história.
De forma interventiva os africanos deram os primeiros passos para registar a sua própria história quando partir de 1947 a Société Africaine de Culture e sua revista Présence Africaine empenharam-se na promoção de uma história da África descolonizada numa altura em que uma geração de intelectuais africanos usando experiências europeias desenvolvia seus próprios enfoques em relação ao passado africano, buscando identidade ofuscada pela colonização e se desembaraçavam de mitos e todas as dificuldade que a historiografia africana apresentava (FAGE 1982 p.58).
Em 1948 assistiu-se à multiplicação de universidades africanas consolidadas com as independências a partir de 1955, equiparando-se às outras pelo mundo, embora sem recursos viradas para a historiografia africana assegurada pelos intercâmbios interafricanos e as lutas pela independência que contribuíram para que os africanos entrassem em contacto com a sua história que em parte teve patrocínios da UNESCO cujo projecto iniciou em 1969 (Ibid., p.59).
Os jovens historiadores enfrentaram um desafio visto que em África há raridade e má distribuição de fontes escritas, sendo as fontes árabes mais importantes por elucidarem períodos obscuros da história de África e sem negarmos o valor da escrita, a mais rica das possibilidades para explorar a história do passado e a história total: o homem tornou histórico tudo aquilo que tocou com a sua mão criadora: a pedra, como o papel, os tecidos como metais, a madeira como as jóias mais preciosas…somos por história de múltiplas fontes e polivalente (KI-ZERBO 1999, p.15-17).
Com a descolonização, Segundo WESSELING (1992) o declínio da Europa e o surgimento de novos superpoderes, novas políticas e ideologias ditaram novas abordagens e objecto da história passando a se interessar pela história das mentalidades e homem comum. As jovens nações desenvolveram próprios departamentos de história embora continuassem ligados aos arquivos ocidentais para resgatar um passado usável, nacionalista e anti-colonial. As nações não-europeias descobriram seu próprio passado e apresentaram sua própria interpretação dele, mas foi exactamente que o problema da história de além-mar se manifestou sob uma nova forma (p.104).
A historiografia africana, assegurada pela formação de historiadores africanos, caminhou largos passos para lançar métodos novos e cobrir zonas não suficientemente exploradas, a criação de novas universidades na década 50 criou a necessidade de uma história renovada da África, considerada de um ponto de vista africano, com temas africanos de aprendizagem, no reencontro com a história do mundo, embora, até 1960 houvesse apenas 74 teses referentes na maior parte à África do norte (CURTIN 1999,p.50-85).
Para WESSELING (1992), a história de além-mar embora se define em diferentes perspectivas por cada potência colonial, trata-se não somente dos sistemas coloniais e do encontro entre europeus e não europeus em geral, mas também da história económica, social, política e cultural dos povos não europeus (p.98).
O historiador de além-mar, suposto a possuir uma educação mais ampla, conhecimento de outras civilizações e habilidades linguísticas, confronta-se com dois tipos de fontes: as fontes europeias, em maior parte arquivistas e fontes não-europeias, escritas ou não, são auxiliadas por outras disciplinas numa tendência interdisciplinar. A colaboração com outros historiadores pode contribuir para perceber o que está acontecendo dentro da própria disciplina, por exemplo, o mundo ultramarino dos impérios coloniais não é necessariamente hoje o chamado Terceiro Mundo (Ibid., p.98-99).
A ascensão da história além-mar depois da Segunda Guerra Mundial, deveu-se ao estímulo do próprio colonialismo com a educação de servidores indígenas e às reivindicações das jovens nações, outrora sem história que se tornavam objecto de estudo, sobre o seu passado colonial. Numa visão geral, a historiografia asiática, desenvolvida de forma comparada com historiografia europeia no século XIX, tende a ser cronológica, valoriza a singularidade dos acontecimentos e cada período tem carácter específico (Ibidem., p.100-101).
Pode-se concluir que a história de África começou a registada pelos árabes nas zonas onde existiu contacto sobretudo antes do século XV. Depois desta data as fontes escritas sobre África estão relacionadas com a colonização. Nova postura historiográfica surge no pós - segunda guerra Mundial no contexto da história além-mar e movimentos nacionalistas pela independência em África. Alargamento de fontes aliado ao uso de metodologias apropriadas e a condição para que de forma autónoma os africanos resgatem os saberes enterrados neste continente.
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