Perspectivas
Sociais dos Ex-assimilados em Moçambique no
Período Pós-Colonial
Fernando Marcos Nhantumbo[1]
fernando.nhantumbo1265@gmail.com
RESUMO
O presente artigo tem como tema Perspectivas Sociais dos
Ex-assimilados em Moçambique no
Período pós-Colonial e se insere num contexto em que a História de Moçambique
enfrenta novos questionamentos sobre o passado colonial e a sua influência no
período pós-colonial. No caso de Moçambique colonial, o Estado Português, para
garantir a promoção do integralismo imperial, a sustentabilidade e extensão da
colonização do centro para a periferia, formou segundo DOMINGOS e PIRALTA
(2013), uma classe social aculturada e fiel ao Estado Colonial de indivíduos
nativos por excelência, transmissores e difusores da cultura europeia. Partindo
do pressuposto de que, esta categoria social sempre gozou de um posicionamento
estatual privilegiado na sociedade, com direitos e condições de vida
avantajadas, procura-se ver até que ponto as transformações implementadas pelo
Partido-Estado no pós-colonial num contexto isomorfista foram encaradas por
aqueles. O interesse por este estudo resulta pelo facto de existirem poucos
estudos que ilustrem as experiências sociais desta categoria social naquele
período. Para tal será privilegiada a pesquisa qualitativa , elaboração do guião de
entrevistas sobre a história de vida dos ex-assimilados.
Palavras-Chaves: assimilação, mobilidade social, isomorfismo social,
Xiconhoca.
OS
PRESSUPOSTOS PARA A FORMÇÃO DO ASSIMILADO
Os primórdios do processo da assimilação em Moçambique
remontam da ideia da imposição de um modelo educacional no império colonial
português quando em 1869, o governo colonial reconheceu a necessidade de se
fazer algo em prol da educação[2]
nas colónias (NEWITT, 1995), processo que embora tivesse uma reduzida eficácia
educativa (ZAMPARONI, 1998), culminou com a criação de “missões civilizadoras
laicas”[3] a
partir de 1913. Para a aquisição do estatuto de assimilado conforme afirma
NEWITT (1995), era preciso demonstrar a cultura portuguesa, um certo nível de
educação e este fenómeno se repercurtiu em toda a Africa Colonial onde os
administradores coloniais esperavam que o ensino formasse o pessoal de que
necessitavam para o preenchimento de escalões inferiores da burocracia, a fim
de criar condições económicas, políticas, sociais e morais que permitissem aos
europeus explorar o máximo possível os recursos do continente.
Com os pressupostos acima citados, a partir de 1917, uma
pessoa podia requerer a isenção do contrato do trabalho e de chibalo e era emitido o Alvará de
Assimilação que confirmava o estatuto de assimilado, podendo obter bilhete de identidade. Devia
requerer em manuscrito, obter um atestado passado pelas autoridades locais
comprovando abandono de usos e costumes da raça negra, e a certidão da
instrução primária. A maioria dos
mulatos descendentes de europeus identificavam-se como pertencendo a um
segmento social específico dentro sociedade colonial (assimilados) e lutavam pelos seus direitos cívicos através
dos seus órgãos representativos. O alvará devia indicar: idade, estado civil, a filiação,
a profissão, a naturalidade, a residência, fotografias do assimilado, além do
nome e idade da mulher e de filhos
menores de 18 anos[4]
que automaticamente passavam a usufruir da condição do marido e pai
(NEWITT, 1995).
No caso concreto de Lourenço Marques, actual Maputo,
segundo o entrevistado A.Chirindza que se tornou assimilado em 1956 na qualidade
filho de um assimilado, a condição de acesso à esta categoria era
cumulativamente concluir a quarta classe, saber ler e escrever, não ser
polígamo, condições de sobrevivência comprovadas, ser limpo e asseado e todos
estes requisitos eram confirmados pela administração local, entidade que emitia
a certidão confirmativa. Assim, para se contornar o problema da poligamia
perante o governo colonial, o futuro assimilado devia oficializar uma única
esposa e as restantes eram consideradas amantes
enquanto na prática, no contexto das tradições locais, todas eram esposas e tinham os mesmos direitos
perante o marido. Sobre as vantagens do assimilado, confirma o acesso livre a
vários lugares destinados a brancos, não praticava trabalho forçado e e sempre gozou da possibilidade de ter um
emprego junto da administração pública.
Como tentativa colonial de aperfeiçoar os instrumentos
legais de assimilação através da educação, em 1926, a Igreja foi de novo lhe
confiada a função da gestão da educação missionária[5]
tendo dividido na altura o ensino primário em rudimentar para os indígenas e
elementar para os não-indígenas[6]
(NEWITT, 1995). Assim, se oficializou a separação e instituição dos diferentes
níveis de ensino[7],
efectivamente baseada na cor da pele dos alunos, voltou a atribuir à Igreja um
reconhecimento especial como instrumento da civilização e assim o ensino
missionário voltou a ser regulamentado pelo Acordo
Missionário anexado à Concordata de
1940 e pelo Estatuto Missionário de
1941 com o objectivo fundamental de proporcionar a educação rudimentar para
os indígenas[8]
(Ibid) confirmando a finalidade da educação iniciada com a colonização: o sistema de educação visava habilitar o
indígena para o seu papel específico de trabalhador barato na economia colonial
(HEDGES 1999). Disto, compreende-se
facilmente que o Estado Colonial Português desde cedo se interessou em
proporcionar um modelo educacional ligado à igreja para controlar mentalmente o
africano, através da religião e prepará-lo para o servilismo como atesta
ZAMPARONI ao afirmar que ao indígena devia se dar instrução[9]
de orientação prática ensinando ao preto a dignidade do trabalho (1998).
O processo de assimilação promovido pelo colonialismo português
se desdobrava através dos contrastes da cor ou do acesso à educação e, nesse
sentido, relacionava-se com os espaços onde se verificava a presença de colonos
de origem europeia, numa altura em que as comunidades mestiças e de assimilados,
cuja ambiguidade social foi traduzida numa ambiguidade existencial, eram um
fiel da balança política visto que promoviam o integralismo imperial ou, em
circunstâncias específicas, constituíam-se como ameaça ao sistema (...), estes indivíduos foram mediadores por excelência,
transmissores de hábitos, práticas e costumes desde o centro para a periferia,
mas igualmente no sentido inverso (DOMINGOS e PIRALTA, 2013).
Desconstruindo a
ideia da modernidade concebida pelos europeus para a Africa, MINDOSO (2017)
afirma que o contexto da modernização das colónias portuguesas penalizava
Moçambique por ter sido um processo excludente sobretudo na concepção do
indivíduo e não definição da sua condição de cidadão ao destacar três
categorias: colonos portugueses como agentes
da colonização, assimilados que representavam ao mesmo tempo o lado moderno
por terem acesso à escola e o tradicional porque tinham uma relação próxima com
as tradições locais como produto da
colonização e os indígenas como objectos
da colonização. Disto atesta-se que entre os colonos portugueses e os
indígenas, existia o assimilado no meio, que apesar de ser considerado cidadão
português, não era de facto: (...) o
assimilado era nativo, assim como o indígena, eles tinham uma ancestralidade
africana (...) e assim, os usos e costumes eram um importante recurso para
a construção da identidade deste assimilado (MINDOSO, 2017).
Assim, pode se concluir que a educação colonial condicionou a mobilidade social dos nativos e
se tornou um instrumento poderoso de aculturação para dividir mentalmente os
indivíduos através da raça ou acesso à educação, oferecendo aos não-indígenas
uma formação até certo ponto completa e penalizando os indígenas que se viram apenas
preparados para atender as necessidades da colonização.
AS
CARACTERÍSTICAS DO ASSIMILADO
Paralelamente, fruto da educação discriminatória virada
para aculturação[10],
a Lei Orgânica definia como assimilados
aqueles que possuíssem conhecimentos da Língua Portuguesa e exercessem uma
profissão ou alguma forma de actividade económica de auto-sustento ou
trabalhasse para o Estado. Eram Europeus, indivíduos de raça negra ou dela
descendente que cumulativamente tivesse abandonado inteiramente os usos e
costumes daquela raça; que falasse, lesse e escrevesse a língua portuguesa, adotasse
a monogamia, exercesse
uma profissão compatível com a civilização europeia ou que obtido por meio lícito, rendimento que fosse suficiente para a sua alimentação,
sustento, habitação, vestuário dele e de sua família. O alcance imediato da educação colonial era mais notável,
com distinção do indígena ao assimilado visto que este, passava a pertencer uma
pequena burguesia da terra que ainda não tinha os seus direitos ameaçados pela
legislação e, ao menos, os seus membros mais proeminentes, particularmente os
mestiços, gozavam de certa imunidade e, genericamente dos direitos de cidadania
portuguesa. O possuidor de alvará[11]
de assimilado, segundo ZAMPARONI, gozava de certas vantagens: isenção do trabalho compulsório,
recrutamento militar, pagaria contribuição predial e não imposto de palhota,
deixava de ser portador de chapa de identificação, teria acesso aos tribunais
regulares e significava comulativamente garantir um futuro menos degradante
para os filhos, conquistar os direitos mínimos de cidadania para evitar chibalo
e ter uma vida menos insuportável (1998).
A ideia de ZAMPARONI (Ibid.) é reforçada por MINDOSO
quando afirma que a mobilidade social era no sentido indígena-assimilado: deixava de usar caderneta indígena,
afastando-se de todas as obrigações que sugeria (imposto e trabalho indígena)
(2017). Os Entrevistados testemunham que a mobilidade social do indígena para o
assimilado era da periferia para o centro. São oriundos das regiões periféricas
de Lourenço Marques onde viveram experiências quase comuns: embora os pais
fossem assimilados, frequentaram escolas rudimentares e mais tarde transitaram
para escolas normais nas tais regiões ou em Lourenço Marques. A fronteira entre
a escola rudimentar e a normal era feita por uma vedação ou por vezes uma rua.
Era normal crianças da mesma família frequentarem escolas diferentes mas no
intervalo brincarem juntas e no fim do dia desaguavam na mesma casa. Os alunos
não-indígenas que geralmente eram de pais incógnitos, geralmente de colonos
portugueses, beneficiavam-se de uma bolsa, denominada caixa escolar que-lhes garantia o lanche, material escolar e uma
bata castanha e diferindo dos assilimilados que trajavam bata branca, custeavam
os estudos e traziam lanche pessoal visto que os pais tinha poder económico. O
posicionamento destes entrevistados é secundado por MINDOSO (2017) ao afirmar
que os mestiços que em contrapartida tiravam vantagens da sua cor e
automaticamente eram assimilados, gozavam de vantagens na competição pelas
oportunidades educacionais visto que a igreja católica custeava os estudos e
concedia bolsas de estudo para as cidades mais importantes de Moçambique ou
mesmo para o estrangeiro para que esta categoria garantisse no futuro a difusão
da civilização portuguesa do centro para a periferia. A condição para o acesso
a todos os subsistemas de ensino colonial era a adesão à religião católica,
independentemente da religião anterior do aluno.
Genericamente, o assimilado era o indivíduo negro,
moçambicano, que tinha hábitos e costumes considerados civilizados ou
europeizados e bem posicionado socialmente na estrutura social do
Moçambique-colonial, exercendo profissões privilegiadas embora hierarquicamente
inferiores perante o governo colonial. Foi possível constatar que alguns
ex-assimilados vivem actualmente em condições deploráveis. O passado sócio-económico
familiar assim como o critério que ditou a adesão do indivíduo ao processo de
assimilação condicionou a robustez social e económica deste antes e depois da
independência nacional.
O
ASSIMILADO PERANTE O ISOMORFISMO SOCIAL NO PÓS-COLONIAL
Segundo MOREIRA (1997), na época colonial, os assimilados
gozavam a sua condição privilegiada de
homens “educados”, civilizados e pertenciam ao mundo dos brancos embora pela
raça pertencessem o dos negros e porque queriam ser iguais aos brancos
precisavam de se legitimar politicamente como representantes de negros. No
período pós-colonial, o governo moçambicano defendeu a equalização da condição
cidadã de todos os moçambicanos independentemente da sua origem social e esta
visão sugeria a eliminação de elementos particularistas de identificação social
(MINDOSO 2017). Assim, o Partido-Estado
promovia isomorfismo social e o ex-assimilado era parte deste processo embora
era visto como símbolo de sobeja e da vida fácil, visto que no passado aceitou
a assimilação e por via disso passou a ter acesso às benesses da sociedade
colonial e assim era visto como um indivíduo à margem da revolução (BARATA,
2015).
O processo de assimilação iniciado no tempo colonial
reflectiu-se continuamente nas sociedades africanas no período pos-colonial, na
medida em que a integração e mobilidade social
dependia de vários factores, entre os quais se destaca a origem da classe, não
poucas vezes ao tom da cor da pele. As elites africanas escolarizadas,
integraram-se na vida urbana de forma diferente de uma imigração laboral
dirigida a sectores laborais como é o caso do serviço doméstico. A língua, como
um legado colonial, tornou-se um mecanismo de aproximação, de um recurso
operativo no quotidiano; é verdade que o grau da educação e a pertença de
classe recriaram também situações de descriminação e desigualdade na sociedade
pós-colonial (DOMINGOS e PIRALTA, 2013). A herança escolar possibilitou parte desta
categoria social a se constituir elite dirigente e continuamente teve mais
possibilidade de acesso à escola e por via disso chegar a níveis superiores
embora o sistema de ensino moçambicano deixou de ser segregado em rudimentar ou
oficial, se tornando o principal meio para construção do homem novo (MINDOSO,
2017).
Constata-se de facto, que todos os ex-assimilados
entrevistados confirmam que individualmente, como fruto da herança escolar
colonial, no momento da independencia exerceram normalmente as suas profissões
numa altura em que na óptica de (Ibid.): a
Revolução Moçambicana contava com uma máquina burocrática e precisava de
funcionários qualificados (2017). A necessidade imediata de quadros
qualificados depois da independência superava a oferta numa altura em que o
ensino ainda não tinha formado quadros. As vagas de emprego anunciadas no
Jornal Notícias entre 1975 e 1977
demonstram o Estado precisava de candidatos com segundo ano do liceu, portanto
um nível escolar do tempo colonial e apenas os ex-assimilados eram elegíveis
para o mercado de trabalho.
Os entrevistados afirmam que ser assimilado no passado
foi uma imposição colonial e depois da independência continuaram a gozar de
algumas vantagens da educação adquirida no contexto colonial: explicaram aos
outros moçambicanos o momento da revolução, dirigiram a administração pública
mediante a retirada colonial, as categorias de indígena e de assimilado,
deixaram de existir. Alguns ex-assimilados confirmam o isomorfismo social implementado
pelo partido-estado depois da independência visto que foram úteis na construção do país no contexto
pós-colonial, a colaboração com o governo colonial e o comportamento de cada
indivíduo determinava a “perseguição”
pelo sistema, por exemplo: a assimilação
de elementos culturais não moçambicanos era visto como uma atitude reacionária
que obstruía o caminho da revolução (BARATA, 2015).
Apreciadas as edições do Jornal Notícias e a Revista Tempo
publicadas entre 1975 a 1978 constata-se que o Partido-Estado não se preocupava
muito com a figura do assimilado. Os que sentiram-se incomodados com o processo
revolucionário, abandonaram o país e grande parte desta categoria social se
conformou com a revolução embora fossem conotados com o bem-estar
e prestígio da era colonial, bem como todos aqueles que a eles aspiravam e que
viam na revolução, portanto, um meio para isso (...) tornavam-se
contra-revolucionários (MINDOSO, 2017). O Partido-Estado tinha como inimigo todo aquele cidadão que
tinha comportamento anti-social ou vícios considerados herança do colonialismo conforme
atesta o comentário de (Ibid.): ...descender de uma família assimilada ou
portar caracterísiticas que remetessem à condição de assimilado, poderia
colocar o indivíduo na condição de “infiltrado”, ameaça à revolução (
2017).
Nos finais de 1976, o Jornal Notícias começou a difundir o cartum de xiconhoca e segundo (Ibidem.,2017), a figura de xiconhoca nos oferece pistas para
compreendermos o lugar que o Estado e a “nova sociedade” reservaram para o ex-assimilado.
O xiconhoca reperesentava aqueles
moçambicanos que no passado colonial desfrutavam de determinados “privilégios”
(escolares, simbólicos, económicos). Portanto, entende-se que a figura do
assimilado foi produzida no tempo colonial e que ao continuar presente no pós-colonial
sofreu uma transfiguração social ao ser depositária de todos os males à
revoluçao moçambicana porque tinha hábitos e costumes considerados
europeizados.
Na administração pública,
a figura do ex-assimilado se enquadrava no xiconhoca[12]
burocrata, reperesentação do funcionário marcado pelos vícios (e ideias)
praticados no no tempo colonial; com a independência, este funcionário foi
alçado às novas funções, porém seus hábitos profissionais constituídos por anos
de actução na administração colonial eram latentes. O xiconhoca burocrata tinha um nível de instrução acima da média,
essa condição lhe permitia ter melhor compreensão da nova realidade
moçambicana. A pesar de se reconhecer a importância do seu trabalho na
administração, não assimilou os novos procedimentos profissionais perante a
nova realidade política e social do país; como herança colonial desprezava a
população (BARATA, 2015). A representação que o movimento revolucionário tinha
do ex-assimilado era a de um indivíduo que não se conformava com as mudanças
que estavam ocorrendo em Moçambique (MINDOSO, 2017)
Disto pode-se deduzir que o Partido-Estado trazia consigo
a proposta de implantar uma revolução modernizadora da sociedade moçambicana
que olhava para equalização social e civilização, todavia, criava incertezas
aos ex-assimilados enquanto categoria social visto que sempre eram desconfiados
na sua relação com outros moçambicanos. Para se compreender as experiências
sociais dos ex-assimilados perante o isomorfismo social no período pós-colonial
aprecie-se o comentário do Sr Mahumane:
Tornei-me
assimilado nos finais da década 60 quando o governo colonial massificou o acesso
a esta categoria social...bastava ter bilhete de identidade, saber ler e
escrever e assim podia continuar os estudos, infelizmente mais tarde sofri
perseguição por parte da PIDE e depois da independência, a minha expectativa
era trabalhar e viver livremente como qualquer cidadão, porém, fui alvo de perseguição dos grupos de vigilância,
grupos dinamizadores e SNASP. Fui enviado para campos de reeducação e depois
viví numa aldeia comunal para ser continuamente vigiado porque no passado
colonial fui militar e assim era apelidado de um “comprometido” com o Estado
colonial e muitas vezes fui obrigado a jurar em público o meu cometimento com o
colonialismo.
A experiência social do Sr. Mahumane é secundada pelo Sr.
Amado quando afirma:
Minha
avó era indiana e casou-se com um “preto” e por via disso me tornei assimilado.
O que descriminava as categorias sociais no tempo colonial era a raça e
separação imposta pelo colonialismo...graças ao estatutto de assimilado
consegui estudar, cumpri o serviço militar e mais tarde me tornei primeiro
aspirante no Concelho Munincipal de Porto Amelia ...depois da independência
mantive o meu emprego, mas as minhas perspectivas sociais de me ver valorizado
se tornaram uma desilusã...sempre fui conotado como comprometido com valores
coloniais dada a cor da minha pele e não só...houve muita perseguição e muitos
dos ex-assimilados acabaram fugindo para fora do país...
Pode se concluir que depois da independência, os ex-assimilados
cuja origem no passado foram a educação
colonial, casamentos, aculturaçao e profissões, viram as suas
perspectivas sociais de cidadãos livres defraudadas no contexto isomorfista
social visto que foram politicamente alvos
de combate, eram indesejáveis embora se reconhecesse a utilidade destes para os
novos desafios da revolução. Dada a sua condição escolar, profissional e
linguística herdada do tempo colonial, alguns viram a sua condição
sócio-económica ex-colonial reproduzida ao ocupar as vagas deixadas pelos
europeus .
CONCLUSÃO
Abandonar inteiramente os hábitos e costumes nativos,
falar, ler e escrever a língua portuguesa, adopção da monogamia, exercício de
uma profissão e uma habitação condígna, eram alguns dos pressupostos para se
tornar assimilado no tempo colonial. Com base nestes requisitos, o requerente
podia obter um alvará, documento comprovativo da qualidade de assimilado
contendo dados pessoais do assimilado, esposa e filhos.
O assimilado se distinguia do comum da raça negra por ser
europeu ou dela descendente e em parte como resultado da aculturação, indivíduo
da raça negra escolarizado, civilizado e comulativamente herdado a
nacionalidade portuguesa.
No período pós-colonial, perante o isomorfismo social, o
assimilado se tornou um agente social que contribuiu para a construção do novo
Moçambique a apartir das suas experiências sociais herdadas do época colonial
embora contra as suas perspectivas, a sua imagem foi ressignificada como
inimigo do povo dada a ligação histórica com o passado colonial e assim, grande
parte desta categoria social não conseguiu manter ou superar a condição
anterior enqunto que outra parte deste grupo social assegurou a sua condição
sócio-económica avantajada na sociedade.
BIBLIOGRAFIA
1.FONTES ORAIS : ENTREVISTAS COM EX-ASSIMILADOS.
NO
|
Nome
|
Idade
|
Naturalidade
|
Residência
|
Profissões
|
Religiões
|
||
01
|
A.Chirindza
|
86
|
Manhiça
|
Maputo
|
Hoteleiro/O.Delig
|
Católica
|
||
02
|
V.Carimo
|
79
|
R. Garcia
|
Maputo
|
Várias
|
Islão/Católica
|
||
03
|
R.Eliseu
|
75
|
Alt.Molócue
|
Maputo
|
Escritu/Tec Telec
|
Católica
|
||
04
|
Sousa
|
71
|
Namapa
|
Maputo
|
Várias
|
Islão/Católica
|
||
05
|
JorgeAmado
|
64
|
Ilha do Ibo
|
Maputo
|
Ex-D da EDM
|
Ex- católica
|
||
06
|
Ildo Ferreira
|
58
|
Nampula
|
Maputo
|
Várias
|
Ex- católica
|
||
07
|
C. Jambo
|
70
|
Tete
|
Maputo
|
Fotógrafo
|
Católica
|
||
2. FONTES SECUNDÁRIAS
AFIGBO, Adiele
Eberechukuwu. Repercussões Sociais da
dominação colonial: Novas Estruturas
Sociais. In: BOAHEN, A. Adu. História
Geral de Africa Volume VII: Africa Sob dominação colonial, 1880-1935.
Brasília: UNESCO, 2010.1008p.
ASSIS, Cássia
Lobão e NEPOMUCENO, Cristiane Maria. Processos culturais: endoculturação e
aculturação. Campina Grande: UEPB/UFFRN, 2008.236p.
BARATA, Jorge
Manuel Rodrigues Mendes. Xiconhoca, o
inimigo: a denúncia de todos os males à Revolução Moçambicana por meio do
cartum. Londrina, 2015.140p.
DOMINGOS, Nuno
e PERALTA, Elsa. Cidade e Império:
Dinâmicas Coloniais e Reconfigurações Pós-Coloniais. Lisboa,
1976. 50p.
HABTE,Aklilu e
WAGAW, Teshome. Educação e Mudança Social.
In: MAZRUI A.Ali. História Geral de
Africa Volume VIII: Africa desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010.1239p.
HEDGES, David
(coord). História de Moçambique Volume
II: Moçambique no Auge do Colonialismo, 1930-1965. 2ᵃ edição, Maputo,
1999.295p.
JORNAL
NOTÍCIAS, 13 de agosto de 1976.
MINDOSO, André
Victorino. Os assimilados de Moçambique:
da situação colonial à experiência socialista. Curitiba, 2017. 254p. (Tese
de doutoramento)
MOREIRA, José.
Os assimilados, João Albasini e as
eleições 1900-1922. Edição AHM, Maputo, 1997. 224p.
NEWITT, Malyn.
História de Moçambique. Publicações
Europa-América. Mira-Sintra-Men Martins, 1995.477p.
REVISTA TEMPO
nᵒs 314, 350, 352, 353, 359, 360 e 371 de 1977.
ZAMPARONI, Valdemir Donizette. Entre Narros-Mulungos: Colonialismo e Paisagem Social em
Lourenço-Marques c1890-c1940. São Paulo
[1]
Mestre em Ciências de Educação/Ensino de História. Escola Secundária Aeroporto.
Membro da Oficina de História de Moçambique.
[2] É o
mecanismo através do qual uma sociedade produz os conhecimentos necessários
para a sua sobrevivência e a sua subsistência transmitindo-os de geração em
geração, essencialmente pela instrução dos jovens, esta educação pode ocorrer
de forma não institucionalizada (HABTE e WAGAW, 2010).
[3]
Criada pela Lei 233 de 22 de Novembro de 1913, suprida mais tarde pelo decreto
12336 de Setembro de 1926 (Ibid).
[4]O
sublinhado é todo meu. Infere-se que maiores de 18 anos perdiam o estatuto de
assimilado por lei caso não reunissem os requisitos para o efeito.
[5] Por
Decreto de 13 de Outubro de 1926.
[6]
Regulamentos de 1929.
[7]
Foram criadas escolas rudimentares
para os indígenas e Liceus para os
brancos e pouquíssimos mulatos e indianos; Ensino
Primário Elementar: destinado aos não-indígenas com o objectivo de dotar
crianças de cultura geral e prepará-los para níveis superiores (ZAMPARONI, 19 80).
[8] A Portaria Provincial 317 de 9 de Janeiro de 1917 considerou como
indígena o indivíduo de raça negra ou dela descendente que pela sua ilustração
e costumes se não distingue do comum daquela raça (Ibid).
[9] Em
1935, o Governador Jose Cabral promoveu reformas na educação destacando-se 5
categorias: Ensino Secundário para
não-indígenas gerido pelo Estado; Ensino
Secundário Normal para Indígenas (formação de Professores) Oficial e
Missionário; Ensino Profissional
Oficial e Missionário; Ensino Primário Rudimentar destinado aos indígenas,
oficial, Particular e missionário e Ensino
primário Elementar, Oficial, Particular ou Missionário (ZAMPARONI, 1998).
[10] É
um processo de troca, fusão de culturas como resultado do contacto prolongado
ou permanente onde duas culturas permutam entre si, seus valores,
conhecimentos, normas, hábitos, costumes, símbolos. Neste processo, uma das
culturas é doadora e a outra é receptora. A aculturação ocorre mediante 3
possibilidades: livre, forçada e planeada (ASSIS e NEPOMUCENO, 2008).
[11]
Entre 1919-1922, dos 242 alvarás apenas 120 eram de negros, havia fraca adesão
e a maior parte de alvarás foram obtidos por funcionários públicos cuja
condição de acesso era ser assimilado (ibidem.).
[12] Xiconhocas são os
boateiros, os intriguistas, os preguiçosos, os esbanjadores, os
indisciplinados, os bêbados, os tribalistas, os racistas e todos aqueles que
criam confusão no seio do povo (NOTÍCIAS 13.8.1976, p.2)