Prof. Fernando Marcos Nhantumbo

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Educação para todos em Moçambique
: Um olhar sobre as oportunidades de acesso ao ensino

quarta-feira, 3 de agosto de 2011 by Fernando Marcos Nhantumbo | 1 comentários
Por:

Fernando Marcos Nhantumbo

(Mestrando em Educação/Ensino de História)


Resumo


O presente artigo pretende discutir as desigualdades de oportunidades de acesso ao ensino em Moçambique, como resultado da prevalência do poder social que a educação tradicional impõe ao perpetuar culturas seculares e por um lado, os condicionalismos sociais herdados do colonialismo português, caracterizados pela fraca rede escolar disponível e a exclusão selectiva dos moçambicanos ao ensino que em parte estava ligado à igreja católica que, conforme sabemos representava continuidade do sistema colonial. As equidades nas oportunidades educativas no Moçambique pós-independente continuaram ensombradas pelas assimetrias regionais, motivadas pela ruralização da maior parte do país acompanhada de diferentes condições objectivas de acesso e vários estereótipos associados em parte com as políticas públicas de educação que, na busca de aperfeiçoamentos e justiça na alocação de educação para todos, tem estado em constantes ajustamentos conjunturais.



Abstract


This article intends to discuss the inequality of opportunity of access to education in Mozambique as a result of the prevalence of social education traditional imposes perpetuate age-old cultures and the social constraints inherited from colonialism Portuguese, characterized by weak school network available and selective deletion of Mozambicans to education which was linked to the Catholic Church which, as we know represented colonial system continuity. Fairness in educational opportunities in Mozambique post independent continued overshadowed by regional imbalances, motivated by's pastoralisation most country accompanied by various objective conditions of access and multiple stereotypes associated in part with public education policies that, in search of improvements and justice in the allocation of education for all, has been in constant short-term adjustments.


O acesso ao ensino em Moçambique no tempo colonial


Durante o período colonial, conforme testa Isaacman e Stephan (1984:92) as oportunidades educacionais para moçambicanos eram extremamente limitadas, as poucas possíveis eram disponibilizadas exclusivamente pela Igreja católica num contexto de ensino de adaptação para dominar a língua portuguesa como condição para entrar na escolaridade primária. Olhando para a questão do género, as raparigas eram ensinadas através de métodos tradicionais visando perpetuar comportamentos seculares das comunidades através de mitos e ritos de iniciação, de modo que se preparassem para actividades económicas familiares e procriação de filhos depois de casar.


Para se avaliar o grau das desigualdades de acesso ao ensino no tempo colonial, apreciemos o seguinte comentário:
…das 392796 crianças que frequentavam o ensino da adaptação em 1959, no sistema missionário, só 6928, isto é, 17% viriam a entrar para a escola primaria… os rapazes, constituíam a maioria esmagadora da população escolar de crianças…(Idem).



O posicionamento destes autores encontra enquadramento na visão de Nyerere (1962) ao afirmar que o sistema colonial promovia uma educação socialmente selectiva, virada para interesses individuais e continuidade da exploração.


Avaliando o ensino no tempo colonial, podemos afirmar que, era discriminatório e muito selectivo porque, em parte era assimilacionista ao estabelecer vários critérios para se aceder à educação. Os moçambicanos que conseguiam ingressar no ensino deviam apenas estudar até ao ensino rudimentar. As raparigas sofriam dupla exclusão, visto que a sociedade tradicional, assegurava apenas a preparação destas para as tarefas domésticas e económicas no seio da comunidade.


Nesta perspectiva, Nyerere embora na sua visão não enfoque a descriminação da mulher no acesso à educação na época colonial, no caso moçambicano podemos notar que dos moçambicanos que não sabiam ler nem escrever, 60% eram mulheres como resultado não só de práticas coloniais assim como da educação tradicional que mantinham a mulheres num estado de ignorância, o lugar da mulher era de ser boa mãe, doméstica e servil, limitando o papel social da mulher ( Isaacman, 1984,p.222).


Avaliando o posicionamento de BORDIEU e PASSERON (s/d) na obra a reprodução, ao afirmarem quetradicionalmente o sistema de educação como um conjunto de mecanismos institucionais ou usuais pelos quais se encontraram assegurada a transmissão entre as gerações da cultura herdada pelo passado (p.31)
, podemos afirmar que contrariamente da educação moderna que era criteriosa quanto ao seu papel, a educação autóctone seguiu o seu processo normal social de imposição e inculcação de hábitos.


Reflectindo criticamente sobre o sistema de educação colonial, visava apenas ensino de rudimentar de escrita, uso da bíblia como livro de leitura, visando preparação de alguns negros para ajudarem na missão evangelizadora, nem que isso implicasse o uso das línguas locais na preparação destes.


O acesso à educação no contexto da independência nacional


Após a independência nacional em 1975, a educação tornou – se socialmente um direito e dever de cada cidadão. Em 1978 frequentavam na escola pública mais de 1419297cidadãos dos quais 47.2% eram mulheres, contra os 586868 em 1973 ( Isaacman, 1984,p.93).


Apreciando os números acima, podemos deduzir que o paradigma de educação para todos se tornava uma realidade apesar de dificuldades próprias de um país que acabava de ascender à independência nacional sem ainda um perfil educacional concebido.


Para BORDIEU e PASSERON, não significava com isto que, o acesso à educação estava democratizado, porque as probabilidades de acesso da maioria dependiam de zonas com oportunidades objectivas favoráveis e do reforço de mecanismos de acesso alocados pelo estado em diversas regiões. Com isto queremos dizer que entre as zonas rurais deste Moçambique e as cidades onde se supõe existir facilidades de acesso, diferentes factores terão condicionado o acesso ao ensino para todos.


Desde que Moçambique se tornou independente, tem empreendido várias reformas no sistema de educação através da diversificação do currículo atendendo aspectos culturais locais e regionais (Isaacman, 1984,p.221).

Sobre este assunto, BORDIEU (s/d, p.275) afirma que não basta reformular ideologias de carácter universalista para reivindicação da ética de igualdade formal de oportunidades à educação porque nem todas as categorias sociais tem acesso à educação.


Para justificar a desigualdade no acesso á educação, o governo do dia argumenta baseando – se nofardocolonial herdado quanto à fragilidade da rede escolar. Para fundamentar que o acesso a educação era uma realidade e está massificado, aponta por exemplo a existência de turmas numerosas que na óptica do governo tem vários condicionantes: insignificante rede escolar herdada do sistema colonial, nas zonas rurais fizeram-se sentir os efeitos das agressões militares externas, as sanções e a guerra civil no período pós -independência que destruíram vasta rede escolar, a mobilidade populacional para os centros urbanos sufocando a capacidade de absorção da população estudantil, desigualdade de acesso na perspectiva regional e na perspectiva campo – cidade, a fraca construção de novas escolas, a falta de professores e o baixo nível económico do país e o aumento gradual da procura do acesso ao saber (Golias, 1993,p.73).


Sobre o mesmo assunto, CASTIANO (2005) afirma que a procura social do ensino continua hoje muito acima das possibilidades de oferta e comenta: …a opção foi aumentar o número de alunos que frequentam a escola o que, consequentemente, reduziu qualidade de ensino… (p.155)


Num outro desenvolvimento sobre a questão das turmas numerosas em Moçambique, Golias (1993) teceu seguinte comentário:


…De acordo com a lei 6/92 sobre o ensino em Moçambique, a idade de ingresso passa a ser de 6 anos e não 7. Assim o número de crianças em idade escolar necessariamente irá duplicar nos próximos anos, a situação será mais complexa com o regresso das crianças em idade escolar nos países vizinhos… (p.73)


Avaliando o posicionamento destes autores, a política defendida pelo governo de abertura de ensino para todos enquanto por um lado herdamos do sistema colonial, um sistema educacional restrito e de carácter elitista sem infra-estruturas escolares suficientes capazes de responder a demanda, concorre para existência de turmas numerosas, sem necessariamente significar o acesso de todos ao ensino.

Apesar destas dificuldades, segundo Nyerere apud CASTIANO (2005, p.211–216) torna – se necessário estender educação para todos na perspectiva de integrar todas as pessoas que fazem parte da sociedade baseada em valores de igualdade e de respeito pela dignidade humana pois a educação é um dos instrumentos de reabilitação social.

Tudo indica que Moçambique inspirou – se no modelo de HORTON apud CASTIANO (2005, p.200) que defende a escolarização obrigatória das crianças de todos os sexos nas cidades e nas zonas rurais, assim como a centralização e supervisão do ensino pelo Estado visando garantir a uniformidade de oportunidades educativas.

Desta forma a educação em Moçambique, teria função de desenvolver espírito de solidariedade colectiva ligada ao trabalho prático na perspectiva de produzir um cidadão critico capaz de produzir juízo de valores sobre o seu meio.

Retomando esta questão, BORDIEU não acredita em utopias, refere que os privilégios sociais continuam a depender de diplomas escolares e se o ensino assegura o acesso à minorias não estaria a reproduzir elites?

De facto, segundo Dias (2002,p.56), o ensino constitui um instrumento de manutenção de desigualdades sociais quando as políticas públicas de educação não consideram os factores que perpetuam desigualdades ao longo de gerações.

Intentamos com a afirmação desta autora, reforçar a ideia de que se não olharmos as desvantagens enfrentadas pelas populações do interior, que vão desde a falta de infra-estruturas, tabus culturais e outros, o discurso político sobre a educação para todos será uma utopia pois as desigualdades vão persistir.

A declaração mundial de educação (1990) refere que mais de 960 milhões de adultos dois quais 2/3 são mulheres são analfabetas. Reconhece por outro que a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens de todas as idades no mundo inteiro e, nesta perspectiva, defende universalizar o acesso à educação e promover a equidade, ampliar os meios e raio de acção da educação básica, mobilizando recursos para o efeito.

Moçambique deu importantes avanços quando apontou a erradicação do analfabetismo como uma das formas básicas de acabar com subordinação da mulher, alterar a hierarquia tradicional em relação à mulher e promover a participação de maior número de mulheres na vida das comunidades. (Isaacman, 1984,p.97)

Concordando este posicionamento, achamos que como fruto desta iniciativa, a contribuição da mulher no desenvolvimento tornou – se uma realidade e o acesso aos direitos cívicos, política, saúde e empregabilidade tornaram – se uma realidade.

Num esforço de edificação de uma sociedade onde o acesso ao ensino deve contribuir par o desenvolvimento, Moçambique ultimamente tem feito reformas curriculares visando acomodar cidadão de ambos sexos, reforçando a valorização cultural entre a escola e as tradições comunitárias (Idem, p.240).

Quanto a nós, entre os avanços e retrocessos que Moçambique vem encarando na promoção de educação para todos, devemos nos indagar da contribuição que o seu sistema educativo traz enquanto reprodutora da estrutura de relações, sabido que a escola é a instituição com uma posição favorável para inculcar cultura estandardizada rumo à construção de um sistema de relações que garantam igualdade de oportunidades se, em parte as elites estudam fora do país ou a nível interno, mas em escolas previamente seleccionadas.


Podemos concluir que em Moçambique embora persistam problemas em relação ao acesso à educação devido a vários factores, o actual sistema educativo teoricamente estabelece igualdade de oportunidades para ambos sexos embora de forma objectiva nem todos os moçambicanos acedam da mesma forma ao ensino. Os avanços conseguidos pelas mulheres na escolarização são encorajadores, contrariando o período colonial que excluiu de forma severa o acesso à educação para todos os moçambicanos.




Bibliografia


BORDIEU, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Lisboa, s/d.302p.

CASTIANO, José. A longa Marcha duma Educação para todos em Moçambique. Maputo:: Imprensa Universitária, 2005.291pp.

COMITE DE CONSELHEIROS. Agenda 2025:Visão e Estratégias da Nação. Maputo, 2003.181pp.

DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Jomtien,1990.

DIAS, Hilzidina. As dificuldades sociolinguistas e o fracasso escolar: em direcção a uma pratica linguístico escolar libertadora.Maputo,2002.

GOLIAS, Manuel.. Sistemas de Ensino em Moçambique. Maputo, 1993.112pp.

ISSACMAN BARBARA e STEPHAN, JUNE. A mulher moçambicana no processo de libertaçao.Maputo,1984.133p.



A QUESTÃO DA PERSONALIDADE AFRICANA NA NEGRITUDE EM SEVERINO NGOENHA

by Fernando Marcos Nhantumbo | 1 comentários
Por:

Fernando Marcos Nhantumbo


Resumo


O presente artigo discute a questão da personalidade africana na negritude na visão do filósofo moçambicano Severino Ngoenha (1993) que apresenta os defensores e críticos da negritude. Ao longo do trabalho procura-se entender os pontos de convergência e de oposição entre os dois conceitos. Senghor vê a negritude como um movimento de protesto contra a submissão do negro. Os seus críticos como é o caso de Blyden, afirma que a raça africana tinha uma história que não devia ser procurada apenas no passado, esta posição é secundada pelo Nkrumah, acrescentando que a história de África não devia ser analisada à luz de movimentos pan-negros, mas sim numa dimensão geopolítica continental rumo à união africana. Sartre contentava-se apenas com o princípio e não com a proveniência da negritude, numa alusão ao contexto da diáspora e elitismo que caracterizou este movimento. Por sua vez Fanon acusava a negritude de elitista e desenraizada da realidade africana. Jahn, um outro crítico, via a negritude como um regresso à tradição ancestral de África e Soynka não via a negritude como confrontação racial mas como uma confrontação moral, para ele a negritude era elitista continuadora do intelectualismo francês e não resolvia o problema dos africanos. Todos os critico de Senghor defendiam que a África tinha um passado com uma base cultura sólida que devia ser respeitada e eram favoráveis de um socialismo africano. O presente artigo é apresentado em duas partes: Parte I que relata o debate filosófico argumentado a oposição entre o conceito de personalidade africana e o conceito da negritude por último, a parte II que de forma resumida o autor deste artigo apresenta o seu ponto de vista, olhando para os pontos de convergência e oposição entre os dois conceitos.

Palavras-chave: personalidade africana, consciencismo, negritude.


PARTE I


Na visão de Ngoenha o conceito de personalidade ligado a Kwame Nkrumah que de certa forma se inspirou em Blyden pretendia demonstrar que a raça negra tinha uma história e cultura das quais devia se orgulhar comparativamente as outras raças humanas. Todavia a história da raça negra não devia se procurar apenas no passado porque as actuais civilizações da América e Europa evoluem explorando a raça negra.

Analisando o pensamento de Blyden que chegou a produzir uma preciosas obra, Voice from Bleeding África em 1856 em Monróvia , que em parte concordava a negritude de Senghor por ser antítese colonial em África, pretendia afirmar que a valorização do negro não devia se vista em função de épocas, ou a partir de uma comparação com outras raças porque a África tem as suas raízes históricas que precedem algumas civilizações que hoje subjugam este continente. Em 1895 em Race and Study, Blyden aceitava a diferença de raças mas não aceitava a hierarquização das mesmas afirmando que o negro tinha atributos essenciais e únicos que formavam a personalidade africana e isso implicava a existência de uma responsabilidade como raça de lutarmos pelo nosso espaço e nos desenvolvermos.
Terá sido neste pensamento que o seu discípulo, Kwame Nkrumah defendeu que os africanos deviam consciencializar-se da sua originalidade e valor, inspirando se no passado e não em função da presença estrangeira ou protesto pela inferioridade que imposta conforme a negritude de Senghor.

Queremos com isto dizer que o conceito da personalidade africana opõe – se à negritude defendida por Senghor porque a negritude se propunha como um movimento de protesto contra a submissão ao negro baseada num principio de relativismo cultural em relação à cultura Europeia. Portanto a crítica é que a negritude não devia ser vista como um movimento de viragem para reclamar o espaço relativista do negro em relação à raça branca porque os africanos não precisavam de referências para o serem, há longínquas tradições do passado que confirmam a autenticidade dos africanos.
É nesta perspectiva, que a luta pela afirmação do africano devia ser precedida pela conquista de uma base cultural sólida negando se deste modo o pensamento de Senghor segundo o qual, a negritude delineava – se como descoberta, defesa e ilustração do próprio património racial e do próprio espírito da civilização negra.

Para Senghor, na sua obra L’esthétique négro-africaine publicada em 1956, quanto a nós uma atitude apreciativa ao homem europeu, afirma que o europeu distingue – se do objecto. Mantém – no à distancia, imobiliza e fixa – o animado pelo desejo do poder sem olhar para os meios, mas de um lado demonstra o seu elogio ao homem negro e suas instituições, vê o negro como um homem diferente que convive com a natureza, a razão do negro é sintética, simpática, não empobrece as coisas e instala – as no coração vivo do real enquanto que a razão europeia é analítica para a utilização e a negra é intuitiva para a participação .

Na mesma linha de pensamento Senghor, sustenta que a libertação cultural é a condição preliminar de libertação política, e inspirando-se nos trabalhos de Tempels, de Griaule, de Dieterlen e Kagame faz uma brilhante análise da civilização africana tradicional ao afirmar que o que comove o negro, não é a parte exterior do objecto, é a realidade enquanto tal.
Os críticos de Senghor, defensores da existência de uma base cultural africana sólida desde o passado questionam se o problema é sabermos se a negritude é uma escola, uma capela literária ou ideologia que possa permitir aos negros construir uma sociedade moderna original e dar uma contribuição especifica para a civilização pan – humana.
Quanto a nós estamos perante o alvorecer das primeiras reflexões filosóficas africanas para resolver os problemas impostos pela hipoteca da dignidade humana do negro africano pela civilização europeia.

Conforme os argumentos de Senghor, a negritude engloba todos os movimentos culturais iniciadas por uma personalidade negra ou por um grupo de negros. Blyden concorda com os argumentos de Senghor ao afirmar que o negro tinha atributos essenciais e únicos que formavam a personalidade e via a personalidade africana na mesma perspectiva da negritude como uma antítese da civilização Europeia. A civilização europeia vista por Senghor era dura, individualista, competitiva, materialista e fundada sobre o culto da ciência e da técnica, aquela é doce e humana.

Mais adiante Blyden, afirma que a África tem um sistema socializante cooperativo e equitativo; os costumes e as instituições da África Negra, são conforme as necessidades dos africanos, Blyden não aceitava usar Europa como referência para explicar África. A contribuição africana para a civilização mundial devia ser de ordem espiritual, ela via na África a “depositária e espiritual do mundo”.
O posicionamento de Blyden confirma algum paralelismo com o pensamento de Senghor, porém distancia-se ao negar outras civilizações para compreender África. Os africanos não devem ser classificados à escala a planetária partindo do modernismo europeu dai que o despertar de África não deve ser visto de ponto de vista de reacção contra os europeus.

Kwame Nkrumah também não era oponente radical da negritude porque defendia um nacionalismo cultural semelhante ao da negritude ate nos meados da década cinquenta, apenas após independência do Gana em 1957, começou dar prioridade à questão da unidade continental africana em relação aos movimentos pan – negros.

A partir desta fase, para Kwame Nkrumah a África deixava de ser o coração de todo o mundo negro, perdia o seu aspecto racial de tornando – se uma identidade geopolítica. Portanto, Kwame Nkrumah abandonava assim, abordagem diáspora de uma África circunscrita ao mundo negro no entanto raça, mas por uma África dentro das suas fronteiras geográficas com uma identidade politica não exclusiva e necessariamente negra.

Na perspectiva de uma África unida Nkrumah, passava imediatamente á conceitualização de novas relações de total personalidade com o mundo. O “consciencismo” tinha para Nkrumah o objectivo de conter ao mesmo tempo a experiência africana da presença muçulmana e Eurocristã e a da sociedade tradicional. A fusão destes três factores visaram promoção de um desenvolvimento harmonioso da sociedade africana. Com esta ideia que não era tão oposta à da negritude, Nkrumah pretendia uma África consciente de si, que fosse síntese de todas as experiencias que conheceu ao longo dos tempos e não antítese destas experiências.

Conforme referimos, Nkrumah partilhava ideias de valorização das sociedades tradicionais africanas de Senghor no campo social: necessidade de se inspirar em instituições autóctones, cujo traço característico era para ele o espírito comunitário. O vulto tradicional era da África implicava uma atitude em relação ao homem que, nas suas manifestações sociais, não pode deixar de ser classificado de socialista.

Portanto, Nkrumah, empresta o termo socialista para dizer que o espírito comunitário do africano devia ampliar-se por toda a África dai que passou a defender a união de África para materialização deste projecto.

Negando a existência de classes sociais em África, Tal como Nyerere e Senghor, para Nkrumah o socialismo africano resultava da integração de valores deste humanismo na vida moderna. Pretendia demonstrar como conteúdo essencial do socialismo, a afirmação do igualitarismo longe de se opor as tradições socioculturais africanas e pelo contrário o seu desenvolvimento e aplicação no mundo moderno.

Nkrumah, declara que a filosofia do consciencismo pretende assegurar o desenvolvimento de cada indivíduo. È grande teórico da unidade africana, a unificação politica faria África uma única só nação com um governo central único, inspirado se na constituição americana. Parte do postulado de que os africanos são harmoniosos entre si, se houve desigualdades e exploração veio com outras civilizações, não via razão para separação de estados a semelhança dos movimentos pan-negros que divergiam entre si quanto a abordagem da questão africana.

Assim fundamenta que, os estados africanos individualmente considerados, são demasiadamente fracos perante as grandes potencias da Europa e América, forçando – nos assinar acordos neocoloniais. A solução reside numa planificação de toda a África, esta direcção única da reconstrução económica do continente implica unidade politica e portanto um governo continental.

A filosofia de Nkrumah, encontra espaço para debates ate no dias de hoje visto que a África não unificada encontra-se atrelada aos acordos económicos de certa forma neocoloniais com as antigas potencias colonizadoras. A criação de organizações económicas regionais em quase toda a África talvez seja o primeiro passo para a unificação do continente.

J.P. Sartre no Orphée Noir reconhecendo as condições reais dos seus fundamentos, criticava a negritude como um momento negativo de uma progressão dialéctica e portanto um momento histórico que apesar de ser valido no entanto que luta contra a inferioridade do negro estava condenado ou destinado a resolver – se e destruir numa síntese mais vasta, posição também criticada por Fanon por destruir entusiasmo negro. Para Fanon, a negritude era uma ideologia capaz de criar uma base de luta comum para toda a raça negra, capaz de alimentar o entusiasmo de um povo destruído embora mais tarde veio a criticar este movimento afirmando não se contentava com a sua própria proveniência mas se contentava por ter encontrado o princípio.

Continuando, Fanon em Os Danados da Terra justifica a sua critica afirmando que os intelectuais defensores da negritude, eram uma elite de desenraizados para retomar contacto com as massas africanas, desesperado e raivoso, por outro a reabilitação que estes intelectuais tentavam devia ser África na sua totalidade, visto que a condenação do negro pelo ocidental era á escola continental. Acusa a negritude de ignorar a África actual e os seus problemas, são intelectuais colonizados, retornam ao seu povo por meio de obras culturais e comportam – se com estrangeiros, portanto, os feitos destes intelectuais deviam ser uma África inteira. O conceito de cultura deve ser mais nacional, expressando esforços feitos pelo povo para se constituir e se manter, não basta multiplicar congressos em nome dessa cultura.

Quanto a nós, Sartre e Fanon, comungam a ideia que a negritude teve a sua fase positiva enquanto movimento de reacção cultural contra subvalorização do negro, porém teve suas origens na diáspora etilizada e não tocava exactamente nas sensibilidades dos africanos enraizados em África.

Para Jahn crítico alemão, afirma a negritude pecava por discutir os problemas do africano baseando se na questão racial, via a negritude como um retorno consciente à tradição ancestral que durante séculos nunca tinha sido interrompido; a essência negra dependia de múltiplos e remotos dados históricos geográficos e não de uma específica situação actual como era o caso reacção em relação à raça branca.

Concordando com o autor acima, Kesteloot um outro crítico de negritude que empresta um discurso anti-racista, na sua obra Les Ecrivains Noirs de langue francaise, defende que o negro não esteve ligado à questão da raça, mas a um clima cultural que o negro vivia desde há muitos séculos, não se deviam confundir tais características com uma imaginária essência negra, por quanto o negro não era por essência diferente do branco .

O dramaturgo, romancista e poeta nigeriano, Soynka exalta a importância histórica da negritude, mas não definia a negritude como confrontação ao mundo branco, a sua revolta não era racial mas sim moral independentemente da raça, considera que os defensores de negritude procuravam alimentar alma africana com mitos do passado e isso mostrava ilusória vaidade do passado, os africanos não deviam se contentar em olhar para o passado, o pensador africano deve agir no meio da própria sociedade como consciência, como testemunha lúcida da realidade do tempo.
Quanto a nós Soynka tem um pensamento próximo do Blynde por considerar que a revolta dos africanos não deve ser avaliada em função da raça mas sim da moral, defendia que a negritude não devia se refugiar no passado para explicar ódios de hoje.

Argumentando que se for o caso, a exploração ou injustiças persistem ainda nos dias de hoje, o passado justifica – se, portanto, como espelho do presente, é um meio para uma tomada de consciência, não há nenhuma necessidade de restaurar o passado porque ele vive no presente. Insurge – se contra negritude porque esta se contenta apenas por voltar a olhar para trás, em busca de tesouros esquecidos que teriam ofuscado o mundo actual. O passado existe agora, coexiste com e na consciência actual, clarifica o presente e explica o futuro.

Criticando a negritude, Soynka endurece o seu posicionamento afirmando que a cultura reforça a sociedade, mas, tal cultura não deve ser mitológica: a negritude era um luxo intelectual que tinha importância e utilidade só para um pequeníssimo número de pessoas, a elite”, a negritude não correspondia ás aspirações profundas do povo, a negritude fazia parte do jogo Europeu, prolongamento do intelectualismo Francês.

Apreciando os diferentes posicionamentos sobre a negritude, mais do que um debate literário e ideológico, estamos perante o nascimento das primeiras reflexões filosóficas africanas de reivindicação de liberdade do homem africano. Constituem como fundamentos destas reflexões o facto da África ser considerada pela Europa de primitiva e fora do movimento da história universal segundo Hegel. A filosofia africana surge para destruir argumento colonial e reivindicar a autonomia cultural e política do continente.


PARTE II

Personalidade Africana e Negritude:Por um Socialismo Africano


Ao defender o consciencismo, Nkrumah defendia o respeito pelas tradições africanas sem necessariamente fazer um tratamento passadista de África e etnológica das culturas africanas. Ao defender e conduzir a luta pela união de África acreditava numa regeneração iminente olhando para os problemas sob ponto de vista africano e não em função de negros como réplicas inferiores dos brancos sem uma cultura e história distintas como defendia a negritude de Senghor. Nkrumah que estudou nos EUA e influenciado pelos pan-africanistas Marcus Garvey e Dubois, previa o neocolonialismo europeu em África e esse aspecto contrariava a autonomia dos africanos.

Senghor apesar de influenciado pelo projecto neocolonial antecipado da França ao atribuir cidadania francesa nas suas colónias e outros direitos políticos, também previa um socialismo africano, era criticado por defender o fim da inferioridade dos negros em relação aos brancos e não o fim da inferioridade em si, isto é, por querer compreender o negro olhando primeiro para o branco. Soynka que já havia ultrapassado o discurso anti-colonialista para reivindicar autenticidade africana, embora enaltecesse a importância histórica da negritude, defende apenas a existência do conflito entre as sociedades tradicional e moderna, criticando que as elites francófonas acomodavam-se nas políticas francesas que retardavam o fim submissão do negro.

Estamos em presença de um debate filosófico entre africanos que concordam de forma solidária com a negritude pelo despertar ideológico contra ocupação colonial em África mas que em parte alertam sobre o seu desfasamento elitista com a realidade de África. Podemos afirmar que Senghor, Nkrumah e outros, ao valorizarem as instituições autóctones africanas que se revelam comunitárias, igualitaristas, democráticas e solidárias, os intelectuais africanos comungavam ideia na acepção moderna, de um socialismo africano.



Bibliografia


NGOENHA, Severino Elias. Filosofia Africana: Das Independências ás liberdades. Edições Paulistas. Maputo, 1993.183p




THE ISSUE OF AFRICAN PERSONALITY IN BLACKNESS IN SEVERINO NGOENHA


By:

Fernando Marcos Nhantumbo

Summary



This article discusses the issue of African personality in blackness in the vision of the philosopher Mozambican Severino Ngoenha (1993) which presents the proponents and critics of blackness. Throughout the work seeks to understand the points of convergence and opposition between the two concepts. Senghor sees blackness as a protest movement against black submission. Their critics as Blyden, States that the African race had a story that should not be sought only in the past, this position is relayed by Nkrumah, adding that the story of Africa should not be seen in the light of pan-negros movements, but a geopolitical dimension towards continental African Union. Sartre lived only with the principle and not with the provenance of blackness, alluding to the context of the diaspora and elitism that characterized this movement. Turn Fanon accused the blackness of elitist and desenraizada of the African reality. Jahn, another critic, via the negritud ...



PART I

In the vision of Ngoenha the concept of personality connected to Kwame Nkrumah who somehow was inspired by Blyden was intended to demonstrate that black had a history and culture of which should be proud compared the other human races. However the history of the black race should not be sought only in the past because the existing civilizations of America and Europe evolve exploring the black race. Analyzing the thought of Blyden who came to produce a precious work, Voice from Bleeding Africa in 1856 in Monrovia, which partly agreed the negritude of Senghor to be colonial antithesis in Africa, wanted to say that the appreciation of the negro should not be seen in function of times, or from a comparison with other breeds because Africa has its historical roots which precede some civilizations today subjugate this continent. In 1895 in Race and Study, Blyden accepted the difference of races but did not accept the tiering of them stating that the black tin ...



PART II

African personality and Negritude: an African Socialism

To defend the consciencismo, Nkrumah advocated respect for African traditions without necessarily taking a passive approach, treatment of Africa and ethnological of African cultures. To defend and lead the fight for the Union of Africa believed in an imminent regeneration looking at the problems under the African point of view and not in terms of blacks as inferior replica of whites without a distinct culture and history as advocated the negritude of Senghor. Nkrumah who studied in the US and influenced by Marcus Garvey and Dubois pan-africanistas, predicted the European colonialism in Africa and this contradicted the autonomy of Africans. Senghor although influenced by the early-colonial project of France by assigning French citizenship in their colonies and other political rights, also provided for an African socialism, was criticized for defending the end of the inferiority of blacks relative to whites and not the end of inferiority in itself, that is, for wanting to understand the n. ..



Bibliografy


NGOENHA, Severino Elias. Filosofia Africana: Das Independências ás liberdades. Edições Paulistas. Maputo, 1993.183p




A HISTORIOGRAFIA ENTRE OS SÉCULOS XVI E XX:

terça-feira, 2 de agosto de 2011 by Fernando Marcos Nhantumbo | 1 comentários
REFLEXÃO SOBRE O SEU OBJECTO DE ESTUDO


Por:


Fernando Marcos Nhantumbo



Resumo


O presente ensaio pretende discutir os desafios da historiografia entre os séculos XVI e XX. A discussão se circunscreve à volta do objecto da história em diferentes contextos. Parte – se do postulado de que entre os séculos XVI e XVII a historiografia era providencialista e em parte virada para crónicas, figuras isoladas, ao serviço dos príncipes, da política e do estado. No século XVIII com o advento do Iluminismo, a historiografia entra em ruptura com o teocentrismo e estabelece nova visão em torno no antropocentrismo baseando – se na razão. O século XIX favorecido pela consolidação da revolução científica a história torna – se ciência ao lado das outras. Finalmente, no século XX a historiografia se afirma ao serviço do social e com o surgimento dos ANNALES em 1929, assistiu – se o alargamento e compartimentação das áreas de abordagem dentro da história preocupando – se com a história de longa duração, com as representações colectivas, com mentalidades e a micro-história que passou a se dedicar à observação de pequenos grupos numa perspectiva ampliada.
Palavras-chave: Historiografia, providencialismo, antropocentrismo, iluminismo, longa duração, ANNALES, social, micro-história, mentalidades, cultura.


Abstract


The present assay intends to argue the challenges of the historiography between centuries XVI and XX. The quarrel if circumscribes to the return of object of history in different contexts. Part - of the postulate of that it enters centuries XVI and XVII the historiography was providential and in part turned for chronics, isolated figures, to the service of the princes, the politics and the state. In century XVIII with the advent of the Iluminism, the historiography enters in rupture with the teocentrism and establishes new vision in lathe in the anthropocentrism basing - on the reason. Century XIX favored by the consolidation of the scientific revolution history becomes - science the side of the others. Finally, in century XX the historiography if affirms to the service of the social one and with the sprouting of the ANNALES in 1929, it attended - the widening and separation of the areas of boarding inside of history being worried - with the history of long duration, the collective representations, mentalities and the micron-history that passed if to dedicate to the comment of small groups in an extended perspective.

Key-word: historiography, providence, anthropocentrism, iluminism, long duration, ANNALES, social, micron-history, mentalities, culture.

A historiografia do século XVI segundo TÉTART (2000, p.57- 60), depara – se com o renascimento e a consequente expansão geográfica e o empreendedorismo numa visão cosmopolita por parte da burguesia europeia. Com uma ruptura entre o teocentrismo e o antropocentrismo, onde os historiadores redefiniram o objecto de uma história mais humanizada embora ao serviço da política e do poder, o papel do historiador nesta época foi de descrição de factos “encomendados” sem questioná-los e muito menos compreendê-los.

A historiografia do século XVII insere-se num contexto de marcha para o capitalismo acompanhado de algumas guerras de carácter religioso, político e social. Este contexto histórico favoreceu atmosfera crítica que de acordo com GOMES, (1988) “ de dúvida metódica surge o método crítico sobre o qual irá erguer – se o método crítico sobre o qual irá erguer – se pouco a pouco, o edifício da historiografia científica” (p.146).

Nota-se portanto que o homem no mundo começou a resgatar-se do mundo teológico e o objecto da história passou a ser a própria humanidade favorecida com a difusão de ideias de progresso embora ainda com a primazia para abordagem de factos políticos.

Por volta do século XVIII, a nova escola de pensamento histórico liderada pelo britânico DAVID HUME (1711-1776) e VOLTAIRE (1694-1778) baseada na filosofia das luzes, o iluminismo procurou secularizar todos os sectores da vida e do pensamento do homem negando contudo a religião vista neste contexto como irracional e instrumento de submissão das massas. Na mesma linha de pensamento, MONTESQUIEU (1689-1755) concebia a vida como reflexo das condições geográficas e para ele o ponto central da história era o alvorecer do espírito científico moderno (COLLINGWOOD 2001, p.95-98).

Numa outra perspectiva GOMES (1988) afirma que no século XVIII, predominou o pensamento burguês de domínio da natureza pelo trabalho, conhecimento da realidade através da experiência e da perspectiva científica e vai marcar “uma ruptura total com processos históricos anteriores considerados teocêntricos pelo racionalismo como caminhada para a luz ” (p.158).

Pode-se concluir que a historiografia iluminista deificou todos os aspectos da vida do homem em oposição ao poder institucional da religião ao serviço das monarquias. A história começou a ser vista como progresso pelos economistas e assim sendo os povos sem progresso num conceito de unicidade segundo a perspectiva europeia, não tem história.

O século XIX foi mergulhado nas profundas transformações económicas, sociais e políticas e com estas, segundo GOMES (1988, p.168) surgiram várias historiografias.

A historiografia marxista procurou integrar a totalidade da história num sistema ideológico – o marxismo, destacando a luta de classes como motor da história e enfatizando oposição entre explorados e exploradores. É criticada por não ver o homem como indivíduo e agente social, é apenas visto na plenitude de classe social. É desta forma também considerada reducionista por ser determinista e acultural. A historiografia marxista teve impacto positivo na oposição entre ricos e pobres, começou a ser questionada com o surgimento da nova história cultural (TÉTART 2000, p.115-118).

Entre várias subcorrentes historiográficas também surgiu o positivismo de COMTE (1798-1857), que admitia como cognoscíveis apenas os fenómenos. Negava o conhecimento absoluto mas aceitava a sua relatividade, defendia também a objectividade e admitia a possibilidade de aplicação de progressos científicos das ciências naturais e exactas às ciências sociais. Defendia a crítica textual interna e externa e a generalização de leis (GOMES 1988, p.204-208).

A passividade do historiador seria inevitável pois limitar-se ia a descrever factos. As ciências sociais não têm fenómenos cíclicos e previsíveis daí que COMTE recebeu fortes críticas e o método positivista não foi aplicável para a história.

No mesmo contexto, HEGEL (1770-1831) propõe uma nova história – a filosofia da história, antes defendida por VOLTAIRE que devia ser compreendida na base de causas de ocorrência de factos, a história só é história quando apresenta uma série de acções. Para HEGEL o pensamento é movido pela paixão e a razão culminado com as acções que são compreendidas pelo historiador pois um estudo sem olhar para os pensamentos não seria lógico. Acrescenta ainda que a história não acaba no futuro, mas sim no presente, não há progresso ulterior, o futuro são esperanças e receios e não são história – toda a história é de pensamento (COLLINGWOOD 2001, p.135-139).

Para BURKE (1990) o importante é que no século XIX, começou o interesse em escrever outros temas em história ligados à economia, religião e outras particulares, e por volta de 1900, a história económica ganhou mais espaço e na perspectiva de SIMIAND (1873-1935) deviam ser derrubados os três ídolos da história: o político, o religioso e as guerras (p.19-21).
Entende-se que o século XIX favoreceu a emergência de outras ciências que passaram a abordar especificamente várias temáticas ligadas à vida do homem. O historiador foi chamado a desempenhar um papel mais activo numa altura em que o homem passou para o centro da história.

Face a este desafio segundo BURKE (1990, p. 20 – 35), estabeleceu – se a interdisciplinaridade; BLOCH (1886-1944) passou a defender o método comparativo para estudar similaridades e diferenças enquanto FEBVRE (1878-1956) estudava as atitudes colectivas para explicar as revoluções.

A Escola dos ANNALES, idealizada após a IGM, foi fundada em 1929, virada para história económica e social. Apoiou – se na história cultural ou sócio – económica por se considerar história do povo, minimizava abordagem de acontecimentos políticos e privilegiou uma história total. Aponta ainda que FEBVRE na sua obra combates pela história, defende uma nova história que não se subordine à política e diplomacia; mostra – se contrário a uma história factual, passiva e não problematizante (BURKE 1990, p. 20-35).

Para LE GOFF (2001, p.29 – 31), o nascimento da história nova com a escola dos ANNALES que teve como pioneiros FEBVRE e BLOCH, visava tirar a história do marasmo político, de uma história superficial e simplista e apelava uma história profunda e total.

O ambiente físico passou a não determinar opção colectiva mas sim o homem, sendo o agente do seu destino transformava o meio. A noção da região dependia do problema que se tinha em mente (BURKE 1990, p. 20 – 35).

Apreciando os posicionamentos destes autores entende-se que há um abandono do conceito progresso como base para um povo ter história. A nova história devia abordar a sociedade de forma profunda e total sem exclusividades. O debate que se pode considerar polémico é do ambiente geográfico que embora não determine opção colectiva influencia a estrutura que de forma indirecta ou directa determina a matriz cultural expressa em mentalidades numa região.

Segundo LE GOFF (2001, p.36-40), BRAUDEL (1902-1985) achava que o presente e o passado se iluminam mutuamente, valoriza o meio envolvente e minimiza as elites na sua obra: O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II. Na mesma respectiva cita GUIZOT (1787-1874) a defender a civilização como objectivo de história, recomendando que se pegue todos os factos de que se compõe a história de um povo.

O posicionamento do autor acima encontra enquadramento em BURKE (1990, p. 47-50), ao afirmar que BRAUDEL valoriza a descrição da estrutura porque os acontecimentos superficiais nem sempre mudam a compreensão do contexto, a verdadeira matéria de estudo é a história do homem em relação ao seu meio isto é, todas as características geográficas têm a sua história e todas as tendências não podem ser compreendidas sem ela.

Portanto, se BRAUDEL foi elogiado por dar importância ao espaço da história, abandonando personagens e valorizando uma história global e longa duração. Por outro lado era criticado por ter uma visão determinista ao relacionar o homem e o ambiente geográfico, não fazendo referência às atitudes, valores e mentalidades colectivas dos sujeitos da história do contexto em estudo (Ibid., p.53 – 55).
Estes posicionamentos ganhavam eco numa altura em que a escrita deixou de ser único documento histórico, havia novas fontes organizáveis na longa duração fruto de documentos outrora anónimos e insignificantes. A história viverá de uma revolução documental que aceita a crítica, não há história acabada, o historiador deve analisar, reconstituir e explicar o passado (LE GOFF 2001, p.28-78).
Nesta fase eram já valorizadas as fontes não literárias por BLOCH e na investigação histórica partia do conhecido para o desconhecido. Para BLOCH não há história particular, mas sim história total.
Assumia uma revolta contra história positivista, ampliou o campo do documento histórico, desde o escrito, arqueológico, análise da curva de preços, fotográficos e outros (BURKE 1990, p.20 – 35).
Pode-se considerar que a história passou a admitir critica da fonte ao cruzar diversas fontes para se chegar uma verdade relativa que não se assumida absoluta ou acabada pode ser questionada a qualquer momento desde que surjam novas evidências.

Numa altura em que a história era auxiliada por outras ciências humanas, para LE GOFF (2001, p.81), a terceira geração dos ANNALES rejeitou o determinismo se BRAUDEL, fez a redescoberta da história das mentalidades, questionou o uso dos métodos quantitativos na história cultural e abandonou os estudos baseados na história económica dos ANNALES para o estudo da super – estrutura cultural.

Sobre o mesmo assunto (O’BRIEN 2001, p.34 – 55) acrescenta que a história social e económica dos ANNALES foi questionada pela história antipositivista e das mentalidades de FOUCALT (1926-1984)embora historiadores profissionais da época fossem conflitantes com ele por não ser historiador.

Pode-se afirmar que a história conheceu aqui uma grande viragem, abandona os indicadores económicos para compreender uma sociedade cultural porque nesta vertente se confundia com a história do progresso de HEGEL. A história das mentalidades favorecia igualdade de pressupostos básicos para estudo das sociedades: todas as sociedades têm cultura embora reconheça-se a questão das diferenças.
O’BRIEN (Ibid., p. 50) acrescenta ainda que diferença em relação a ANNALES era a questão do espaço como objecto do estudo. Para FOUCALT dentro de uma realidade há começos diferentes, portanto pretendia reformular a disciplina que o excluía, era por uma história virada para o presente na qual todo o indivíduo é sujeito da história. Afirmava que o poder não estava na pessoa mas sim no lugar que ocupa e questionava a periodização tradicional da história.

Olhando para o ensino da história em Moçambique, os manuais dos alunos ainda difundem formas díspares impostas da periodização da nossa história, da África e do mundo, há uma tendência de se periodizar a nossa história em função da história europeia, portanto a tal história de progresso que nos retira o mérito de termos história.

De facto, na década de 70, historiadores começaram a explorar percepções culturais populares conferindo vozes aos anónimos, há descodificação incessante de significados e padrões para se perceber motivações colectivas atribui – se importância dos factores culturais e comunitários e o papel activo e independente na construção da sua própria historia (DESAN 2001, p.63 – 94).

A micro – história, sendo uma prática historiografia que centra – se na descrição mais detalhada e realista do comportamento humano permite ao historiador captar o mundo simbólico e a pluralidade de possíveis interpretações na escala reduzida mas ampliada na revelação dos factos antes não observados. A descrição densa regista factos quase imperceptíveis; a pesquisa é mais intensa; o pesquisador entra em contacto com as evidências que lhe podem conduzir ao conhecimento do passado (Ibid., 139 – 154).

Um dos grandes desafios da nova geração de historiadores em Moçambique é descer para as comunidades e resgatar os saberes locais para que de facto se produza uma história que espelhe verdadeiramente a simbiose cultura do vasto Moçambique. Alias, CABRINI (2000) opõe-se à famosa “história geral” que exclui a realidade do aluno e “descreve um processo evolutivo que apresenta um progresso crescente ligado à visão burguesa europeia ocidental do século XIX” (p.37).

A micro – história ao valorizar abstracções individuais, colectivas e insignificantes tenta revelar fenómenos interconectíveis com a história regional e universal. A narrativa tem um papel importante porque esclarece alguns factos da sociedade distorcidos pelas generalizações (LEVI 1992, p.144-158).

As fontes orais na história social moderna segundo PRINS (1992) proporcionam a presença histórica daqueles anónimos e despercebidos na história vista por cima. As fontes orais corrigem outras perspectivas embora reconhece – se a sua fragilidade se o pesquisador não se aplicar profundamente e recomenda citando Jan Vansina (1985) no seu manifesto, Oral Tradition as History:
“…A escrita é um milagre tecnológico…As limitações da tradição oral deve ser amplamente avaliadas…o que se reconstrói a partir de fontes orais pode bem ter um baixo grau de confiabilidade na medida em que não existem fontes independentes para uma verificação cruzada” (p.165).

Partindo deste comentário pode-se deduzir que para validar um testemunho oral deve se avaliar pelas amostras que convergem na mesma visão e submetê-los à critica.

As fontes orais podem ser influenciadas inconscientemente pelas literaturas e ideologias do contexto daí que se recomenda a crítica da fonte. Os historiadores sociais utilizam os dados orais para darem voz àqueles que não se expressam no registo documental. Os dados orais servem para confirmar outras fontes e vice – versa, a tradição sobrevive como processo através testemunhos orais transmitidos de uma geração à outra (Ibid., 166 – 198).

Segundo SHARPE (1992), a partir de 1966, o conceito da história vista de baixo entrou na linguagem comum dos historiadores visando explorar experiências históricas dos indivíduos frequentemente ignorados. Os historiadores que trabalham com a visão de baixo devem ser rigorosos por que quanto mais recuamos para o passado mais restrita se torna a variedade de fontes orais. Devem ser valorizadas as experiências de pessoas comuns assim como das elites, a representatividade dos indivíduos deve ser esclarecedor : “o conceito da mentalidade da escola dos ANNALES comprova grande valor para os que tentam reconstruir o mundo mental das pessoas de classes inferiores” (p.41-51).

Entende-se com este posicionamento que a humildade do historiador durante o trabalho de campo é decisiva. Deve colher percepções de todos sem perder de vista as significações captáveis e outras que parecendo insignificantes constituem a totalidade cultural da comunidade em estudo. Pensa-se também que durante o trabalho de campo, a longa presença do pesquisador ajuda a formular críticas de fontes a partir do cruzamento de diversas fontes.

A história vista de baixo tem duas funções: “servir de correctivo à história da elite e oferecer abordagem alternativa e possibilidade de uma síntese mais rica das mais amplas da história para evitar fragmentação da escrita da história” (Ibid., p.53).

A história vista de baixo amplia audiência do historiador profissional. A história vista de baixo adquire importância ao tornar – se um meio para reintegrar sociedades que desconheciam a sua história que tendo uma identidade cultural própria podem ser integrados na identidade nacional. Auxilia também na afirmação das classes inferiores, o passado e desvendar segredos encobertos por evidências (Ibidem., p.53 – 62).

Segundo BLERSACK (200, p.100 – 102) saber local é o universo de significados e as perspectivas inerentes que lhes dão vida histórica. O estudo de saberes locais implica descrição densa com base numa análise cultural local conforme recomenda CLIFFORD GEERTZ (1926-2006).

Nesta ordem de pensamento, o autor deste ensaio propõe-se no trabalho de pesquisa da sua dissertação descer para a comunidade no caso concreto da localidade de Chidenguele para descrever densamente e de forma inclusive e total de factos que resumem a cultura daquela região.

Para PORTER (1992, p.294) a antropologia cultural proporcionou aos historiadores linguagens para a discussão dos significados simbólicos do corpo, a sociologia encorajou aos historiadores a tratarem o corpo como encruzadilha entre e ego e a sociedade. Portanto este autor clarifica que não devemos criticar deliberadamente como as pessoas tratam o corpo deve ser visto sob ponto de vista do seu tratamento e expressão no interior de vários sistemas culturais.

Pode se concluir que a maneira de investigar reflectir e escrever a história variou conforme os contextos. A reflexão sobre o objecto da história gerou paradigmas historiográficos perante a valorização do providencialismo, dos ídolos políticos da história total e por fim a preocupação de colocar o sujeito no centro da história, incluindo os despercebidos na multidão.Com o advento da HISTÓRIA NOVA ate à actualidade o enfoque das correntes historiográficas, que revelaram algumas convergências, estão cada vez mais preocupadas com o estudo dos pequenos grupos mas de forma ampliada a partir da sua cultura. O desafio que se impõe para história de Moçambique é de se libertar da história escrita pelos ex-colonizadores e viajantes e resgatar os saberes locais de forma a produzir-se uma historiografia moçambicana que reflicta o mosaico cultural existente.



Bibliografia


1 – BIERSACK, Alletta. Saber local. História local: Geertz e Além. In: HUNT,
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2 – BURKE, Peter. A Escola dos Annales 1929-1989: A revolução Francesa da
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3 – CABRIN, Conceição et all. O ensino de História: Revisão Urgente S. Paulo:
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4 – COLLINGWOOD, R.G. A ideia da História. Editorial Presença. Lisboa,
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5 – DESAN, Suzzane. Massas, comunidade e Ritual. In: HUNT, Lynn. A nova
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6 – GOMES, R. Rodrigues. Introdução ao pensamento Histórico. Lisboa, 1988. 367p.
7 – LE GOFF, Jacques. A História Nova. S. Paulo: Martins Fontes. 2001.

8 – LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-História. In: BURKE, Peter (org). A escrita da
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9 – O’BRIEN, Patrícia. A história da cultura de Michel Foucalt. In: HUNT, Lynn.
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10– PORTER, ROY. História do Corpo. In: BURKE, Peter (org). A nova Escrita da Historia: novas Perspectivas. S. Paulo: UNESP. 1992.

11–PRINS, GWYN. História Oral. In: BURKE, Peter (org). A nova Escrita da
Historia: novas Perspectivas. S. Paulo: UNESP. 1992.

12 – SHARPE ,Jim. A história vista de Baixo. In: BURKE, Peter (org). A nova
Escrita da Historia: novas Perspectivas. S. Paulo: UNESP. 1992.

13-TETART, Philippe. Pequena História dos Historiadores. S. Paulo. Eduse.
2000.


DESAFIOS E RESPONSABILIDADES PARA O SÉCULO XXI: DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL, LEGITIMIDADE, PARTICIPAÇÃO INCLUSIVA E SOCIEDADE CIVIL

by Fernando Marcos Nhantumbo | 3 comentários
Por:

Fernando Marcos Nhantumbo

Resumo


O presente ensaio discute os desafios e responsabilidades que os africanos enfrentam no século XXI na implementação da democracia constitucional que pelo seu modelo contrasta com as culturas pré-existentes, os processos eleitorais que legitimam a governação que em parte são manipulados por factores endógenos e exógenos para a consagração dos vencedores, os níveis de participação inclusiva que incluam todas as camadas sociais e o papel da sociedade civil que não só é grupo de pressão assim como monitora as actividades governativas dos dirigentes e também discute a distribuição equitativa da riqueza e as vantagens que a África deve tirar no contexto da globalização.
Palavras-chave: Democracia Constitucional, Legitimidade, Poder, Sociedade Civil.


Abstract



This essay discusses the challenges and responsibilities that Africans face in the 21st century in the implementation of constitutional democracy that by your model contrasts with the pre-existing cultures, the electoral processes that legitimize governance which are handled by endogenous and exogenous factors for the consecration of the winners the levels of inclusive participation involving all social strata and the role of civil society that is not only pressure group and monitors the activities of government leaders and also discusses the equitable distribution of wealth and the benefits that Africa must take in the context of globalization.
Keywords: Constitutional Democracy, Legitimacy, Power, Civil Society.

O aprofundamento da democracia constitucional e a respectiva legitimidade em África, só pode se assegurada com consolidação da ordem política constitucional dentro dos países membros, como condição para a promoção de um desenvolvimento sustentável e de uma sociedade pacífica e estável conforme recomendam os objectivos da NEPAD. São encaradas diversas dificuldades no processo de implementação dos sistemas de governação democrática na maioria dos países africanos, devido ao desrespeito dos direitos humanos, marginalização das populações desfavorecidas (ROQUE, 2010, p.35).

O posicionamento desta autora encontra enquadramento real na medida em que as lideranças africanas de momento são obcecadas pelo poder e para tal, todos os meios são válidos para contrariar as aspirações da maioria, usando violência que culmina em guerras civis e empobrecimento das populações.

Se os africanos querem realmente implementar a democracia que segundo CAETANO (2003, p.331-342), é uma forma de governo em que os governados são considerados titulares do poder político e o exercem directamente ou mediante representantes temporários periodicamente eleitos, onde a obediência às leis votadas são o exercício da liberdade e a mesma democracia é constitucional quando garante a renovação do pacto social entre os governantes e governados através da observância de normas que garantem o estabelecimento e funcionamento das instituições políticas democraticamente eleitas, então os países africanos têm o desafio de criar instituições que favoreçam a implementação de mudanças.
Pode-se deduzir que a democracia deve significar poder do povo, para o povo e pelo povo. Nesta perspectiva os africanos têm a responsabilidade e dever de promover uma democracia representativa, participativa e directa numa forma de governo descentralizada.

No exercício da democracia, a questão de fundo reside no conceito do poder e a respectiva manifestação entre os governantes e governados, onde se presume que seja partilhável e rotativo. Entende-se por poder político, na óptica de POMER (1994, p.4) a existência de uma capacidade da produção de resultados previamente desejados que atingem toda a sociedade num determinado sentido, com o auxílio de variados meios por parte de uma pessoa ou grupo distinto. O poder político intervêm nos processos e mecanismos que regulam as relações sociais colectivas produzindo resultados a escala macrossocial.

Na tentativa de explicar o desdobramento do poder em regimes democráticos, FERNANDES (2008, p.209) esclarece que a democracia implica assegurar a intervenção directa dos cidadãos na tomada de decisões políticas, portanto as comunidades determinam e dirigem directamente os assuntos políticos. Na impossibilidade de todos os cidadãos participarem, estabelece-se um regime representativo que se traduz na delegação de poderes a personalidades competentes que vão interpretar as aspirações da maioria.

As lideranças africanas devem perceber que só pode-se falar de uma transição democrática completa quando se observa um acordo sobre as regras para a eleição de um novo governo como resultado de eleições populares livres e justas, onde o governo de facto tem o poder de gerar novas políticas sem intervir no poder judicial e legislativo cabendo apenas ao governo do dia o poder executivo. O desacordo substancial sobre as regras básicas de acesso ao poder pode perigar a legitimidade e afectar a viabilidade do sistema político em si (MACUANE 2010,p.120).
O desafio actual é implementar democracia de facto que encontra constrangimentos devido à sacralização do poder em África onde, o conceito de alternância é ignorado. A questão cultural que se apresenta diversificada em África carrega consigo fenómeno de resistência ao modelo da democracia ocidental.

Para a compreensão dos processos eleitorais em África para legitimação do poder político, são geralmente de representação proporcional que segundo FERNANDES (2008,p.217), consiste em cada partido garantir a eleição de representantes sensivelmente possíveis à sua real importância eleitoral onde pressupõe-se que com base nas listas se permite atribuir os lugres a preencher proporcionalmente à maioria e à minoria.
A maior parte dos países africanos optam por este sistema porque favorece os partidos no poder, por sinal maioritários e com mais recursos para concorrer em todos os círculos eleitorais com as listas nacionais. Alguns estudos demonstram que os partidos no poder manipulam a lei eleitoral e a constituição periodicamente para assegurar a permanência no poder.

Criticando a fictícia legitimação do poder em alguns países africanos, POMER (1994, p.4-5), recomenda que um poder se legitima com a integração dos membros da sociedade, deve justificar as suas pretensões de poderio e dominação através de conteúdos ideais, fazer com que os seus súbditos os aceitem interiormente como uma obrigação normativa. O poder organiza a sociedade, tutela a produção e assegura a distribuição, estimula a transformação de valores.

A distribuição justa da riqueza em África engendra conflitos porque o acesso ao poder, significa vantagens pessoais, criação de redes de influência e clientelismo político e económico das elites deixando as populações na pobreza. A África de hoje tem a responsabilidade de garantir o acesso partilhado aos recursos por todos.

A distribuição desigual da riqueza tem sido o epicentro da instabilidade social em África e o grande desafio é uma distribuição mais justa de benefícios, dos rendimentos e das riquezas, pressupõe também uma mudança de atitude e comportamento das elites políticas, militares e económicas de cada país(ROQUE, 2010, p.40-41).

Para contornar estes problemas, impõe-se como desafio aos lideres africanos, a equidade de oportunidades para os seus povos, multipartidarismo assegurado pelas eleições livres e justas, liberalização da economia, liberdade de associação, incluir a mulher no processo de governação e desenvolvimento, garantir a educação e saúde incluindo serviços básicos, assegurar índices de desenvolvimento humano, garantir o funcionamento de instituições locais, desenvolvimento infra-estrutural, assegurar lei e ordem e as forças de defesa e segurança subordinadas a um controle civil (ROQUE, 2010, p.35-36).

O processo de legitimação dos vencedores em África continua um desafio na medida em que internamente os derrotados não aceitam os resultados e alegam fraudes e externamente a comunidade internacional é que homologa os vencedores segundo interesses destes. O falhanço das democracias em África nos debates actuais tem sido imputado à imposição de modelos ocidentais que em algumas realidades, conforme já foi referido em parágrafos anteriores, não encontra enquadramento cultural.

Os africanos estão criando suas próprias instituições que possam garantir a troca de experiencias da governação democrática. O importante é questionar o funcionamento dos instrumentos políticos implementados no processo da governação para o alcance dos objectivos inicialmente concebidos. Para o sucesso do mecanismo africano de revisão de pares, depende do diálogo entre a sociedade civil e o Estado e para tal sugere-se que NEPAD disponibilizasse recursos significativos à sociedade civil para efectuar a sua própria avaliação sem depender dos órgãos do Estado (CAHANGA, 2009, p.74-75).

A questão de fundo que preocupa as democracias africanas, é o tipo da sociedade civil que-se pretende. A indicação das elites com grandes interesses económicos para a sociedade civil confunde a população desfavorecida que não identifica a diferença entre o governo e a sociedade civil.
A sociedade civil em África pressupõe-se que seja forte e independente do estado e de interesses políticos para que a mesma promova a cidadania, seja um grupo de pressão, fiscalize o funcionamento das instituições democráticas observando o princípio da separação de poderes, liberdade de expressão e favoreça a discussão e resolução de problemas colectivos e prioritários que pontualmente preocupam os cidadãos ao longo da governação unitária (ROQUE, 2010, p.38).

A sociedade civil representa os interesses dos cidadãos recolhendo sensibilidades destes, cria mecanismos de canalização destas preocupações, garante a retro-alimentaçao para que os governados recebam os resultados da acção governativa e avalia de forma sistemática o sentimento dos cidadãos sobre as decisões do governo que afectem o sector público (CAHANGA, 2009,p.79).

A sociedade civil deve garantir consensos, confiança cívica no combate a pobreza e por outro lado deve motivar a inclusão de todos os segmentos da sociedade nos projectos de desenvolvimento económico sustentável para que estes tenham confiança em relação às instituições do estado. O estado deve garantir o crescimento da sociedade civil, reconhecendo o seu papel de interlocutor valido na aplicação de políticas pontuais que garantam estabilidade social e construção da nação numa visão unitária (ROQUE, 2010, p.39).

Nesta perspectiva, NGOENHA (1993 p.155 e 157), alerta que os propósitos de liberdade, justiça, igualdade, pelos quais se lutou, perdem-se pelo caminho, e os revolucionários tornam-se os usurpadores de direito, da liberdade, da participação dos próprios povos. A democracia deveria assegurar a subordinação do governo ao conjunto de direitos populares, exercidos periodicamente através dos votos. Com estas, a sociedade civil tentaria subordinar e controlar o processo decisional publico para torna-lo mais aderente às necessidades da sociedade.

Na visão de CAHANGA (2009,p.70-71), o que determina a dinâmica dos processos governativos em África é o fim das confrontações ideológicas, a transnacionalização das fronteiras políticas e económicas que-se torna uma desafio, liberalização da economia e de mercados e melhoria de relacionamento entre a sociedade e as instituições públicas. A redefinição dos modelos de desenvolvimento deve valorizar certos actores locais que antes eram excluídos da acção governativa e atribuição de papéis as comunidades locais nos processos de desenvolvimento, atribuindo-lhes responsabilidades nos momentos de decisão.

Para a compreensão dos factores que influem nas democracias africanas deve-se avaliar a natureza do regime político que pode ser presidencialista,semipresidencialista, parlamentar, monoparidário ou multipartidário; o processo da gestão de recursos políticos e económicos que pode ser centralizado ou descentralizado e a capacidade de os governos formularem e implementarem políticas de forma transparente e participativa (CAHANGA, 2009,p.78).

Sobre o mesmo assunto, apreciemos o comentário de FERNANDES (2008): Aristóteles…procurou classificar os regimes com base no número dos que exerciam o poder: todos, alguns, ou um só…chamou democracia ao regime em que o Poder é compartilhado por todos os cidadãos, que alternadamente governam e são governados (p.144).

A natureza informal e formal das instituições democráticas africanas ainda não se nota a separação entre os bens públicos, do partido e dos governantes, onde segundo BRATTON e WALLE (1997):

Presidentialism implies the systematic concentration of political power in the hands of one individual, who resists delegating all but the most trivial decision-making tasks…they consolidated power by asserting total personal control over formal political structures [and] contributed to the weakening of already frail structures within the military, the judiciary, and the civil service…(p.63).

O debate actual sugere que talvez, a África ao implementar a democracia devia inspirar-se nas instituições pré-existentes nas comunidades, olhando para a visão sócio-económico e de micro-poder que começa na família, comunidade ate à escala nacional. O poder em África é sagrado e por questão cultural não se perspectiva a alternância do poder.

As mudanças são irreversíveis, estabilidade política de qualquer sistema político é assegurada pela sua ascensão legítima através de eleições, acordos constitucionais inclusivos, lei e ordem e um órgão judicial transparente e respeitado. As instituições democráticas são a outra garantia de estabilidade política, devendo estas não se compactuarem com a corrupção e centralismo, possuírem a cultura de prestação de contas, assegurarem a implementação de políticas sociais e económicas públicas que favoreçam a todos e demonstrarem o seu cometimento de satisfazer e reflectir as aspirações prementes da população (ROQUE, 2010, p.37-38).

Sobre o mesmo assunto ROQUE (Ibid.), realça que cabe a todos respeitar as componentes da democracia caracterizadas pela tolerância e alternância política, controlo do abuso do poder, transparência e responsabilização popular, direito ao desenvolvimento, respeito às culturas, subordinação do poder governamental a uma constituição aceite por todos, a observação do princípio de separação de poderes e descentralização de poderes.
O conhecimento sobre as componentes da democracia só traz vantagens se forem observados os pré-requisitos para uma boa governação que passam pelo reforço da capacidade institucional do Estado de assegurar uma estabilidade política, a harmonia social, segurança pública, promoção de cidadania activa engajada de forma consciente no exercício de monitoria da acção governativa (CAHANGA, 2009,p.69).

Em quase todos os países africanos assiste-se periodicamente uma revisão constitucional que em parte mostra que a lei-mae, não é consensual e apenas serve aos interesses do governo do dia e da clientela política. O exercício da política torna-se uma profissão e torna-se um grande desafio mudar as mentalidades em relação ao conceito do poder em África.

A África e os seus líderes precisam empreender reformas ou mudanças radicais das suas políticas de governação, na implementação de programas de desenvolvimento económico partindo dos microprojectos até aos megaprojectos, promover abertura ao mercado internacional, combater a corrupção para que-se promova o desenvolvimento humano e satisfação das necessidades básicas da população (ROQUE, 2010, p.40-41).
A experiência mostra que nas relações económicas, planificar a partir do centro é tecnicamente inviável, não se podem obter os resultados pretendidos. A capacidade local de implementar projectos concebidos a nível central sem observar necessidades primárias dessas populações tem sido quase virtual (MAASDORP 1990, p.275).

Actualmente em África sem auscultação das bases, os líderes políticos discutem destinos dos seus povos em fóruns políticos como é o caso da NEPAD. A gestão dos projectos devia começar da base e não o contrario.

A globalização traz inovações e novas tecnologias e para o caso da África, deve investir na educação para que tenha cidadãos profissionalmente preparados para a convivência na aldeia global e controlar a eclosão de doenças providenciando os serviços básicos em saúde e outros sectores. Conforme já se referiu, a consolidação da legitimação interna do poder, a cultura de prestação de contas, e integração da mulher nos processos de desenvolvimento e de tomada de decisão contribui para a construção de Estados-nação rumo a desenvolvimento inclusivo na região que facilite a integração económica regional de cada país rumo à globalização (ROQUE, 2010, p.41).

No exemplo da SADC, no contexto de alargamento de direitos assistidos na região, a sociedade civil tem sido cada vez interventiva no processo de governação, o bloco regional faz análise dos progressos institucionais, há um esforço de se realizar periodicamente as eleições livres e justas embora para se aceitar os resultados eleitorais existem alguns constrangimentos, assiste-se maturidade política dos dirigentes e das redes da sociedade civil (CAHANGA, 2009,p.72).

As organizações regionais se afiguram via alternativa positiva para a África enfrentar os desafios impostos pela globalização. As economias regionais devem cooperar de modo a garantir o desenvolvimento sustentável e humano dos seus povos para não se tornarem dependentes de outros continentes.

No contexto da globalização, as responsabilidades de África se tornam acrescidas na medida em que deve garantir a liberdade e igualdade de oportunidades, defesa do meio ambiente, promoção acelerada da mulher, acabar com as assimetrias regionais, intensificar a cooperação internacional e aceitar a formação de governos limitados e eficazes e transparentes na gestão de interesses públicos (ROQUE, 2010, p.42).
Como desafios, conclui-se que pode-se olhar para uma África que procura desenvolver estratégias de desenvolvimento político e económico, estabelecendo parecerias como é o caso da NEPAD. Uma África que reclama boa governação, transparência, partilha do poder, alternância, multipartidarismo, liberdade e acção política e respeite os direitos humanos.

Recomenda-se também como responsabilidade dos africanos no século XXI, a inclusão do género em todos os processo de governação, redução da pobreza absoluta, promover a descentralização política, gerir conflitos, reduzir desequilíbrios regionais, garantir espaço para o funcionamento de uma sociedade civil forte e investir na investigação, saúde e outros serviços básicos. Os Estados africanos devem tirar vantagens comparativas na cooperação regional e internacional.



BIBLIOGRAFIA


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2007.208p.




AS FONTES DA HISTÓRIA DE ÁFRICA: UM BREVE OLHAR SOBRE CARACTERÍSTICAS E METODOLOGIAS

by Fernando Marcos Nhantumbo | 0 comentários
Por:
Fernando Marcos Nhantumbo


RESUMO


O presente ensaio apresenta uma reflexão sobre as fontes de história de África. O mesmo é desenvolvido procurando reflectir as metodologias aplicáveis para o tratamento das fontes disponíveis em África como é o caso das fontes arqueológicas, fontes orais e outras. Diversos autores apresentam diversos pontos de vista sobre as tarefas da história de África perante as questões mitológicas, fontes, métodos e concepção da própria história pelos africanos em diferentes datas. O realce é dedicado às fontes orais e arqueológicas devido à sua primazia em África e à reviravolta dos africanos na abordagem historiográfica na segunda metade do século XX, favorecida em parte pela história além-mar e movimentos nacionalistas pela independência.


ABSTRACT


This essay presents a reflection on the sources of the history of Africa. The same is developed looking reflect the methodologies applicable to the handling of fonts available in Africa as is the case of archaeological sources, oral and other sources. Several authors present diverse points of view about the tasks of the history of Africa before the mythological issues, sources, methods and design's own story by Africans on different dates. The highlight is dedicated to oral and archaeological sources due to its primacy in Africa and the turnaround of Africans in historiographic approach in the second half of the 20th century, helped in part by overseas history and nationalist movements for independence.


O estudo da historiografia africana constitui o enfoque principal dos historiadores contemporâneos. Sobre a concepção da história segundo KI-ZERBO (1999, p.34-37), é uma ciência humana que procura um certo grau de certeza e de probabilidade para reconstituição e explicação do passado do homem. Recomenda ainda que, o historiador africano deve usar também os métodos de outros historiadores do mundo em geral, e deve participar simultaneamente no seu tempo e na sua comunidade mantendo distância necessária e o seu papel de testemunha, reunindo no máximo vestígios do passado africano.

Deve-se ter em conta que o homem africano é um animal político, ele faz sua história e tem uma concepção dessa história, as obras e os factos expressam-se em formas práticas culturais. O padrão de pensamento e de vida dos africanos é influenciado pelo isolamento de sociedades e realidades sociopolíticas desde o aparecimento das primeiras sociedades . Quando se tenta abordar a história de África perante esta realidade, tem-se impressão de que os africanos estavam imersos e, como que afogados no tempo mítico, vasto oceano sem margens nem marcos, enquanto os outros povos percorriam a avenida da história, imenso eixo balizado pelas etapas do progresso (HAMA e KI-ZERBO 1982, p.61).
Apreciando o posicionamento destes autores, entende-se que os africanos têm história e para o historiador apreender essa história deve perceber o modo de concepção dessa história pelos africanos e estabelecer comparações, respeitando as realidades culturais distintas.
Avaliando a evolução da historiografia da África na perspectiva de FAGE (1982,p.43), para a respectiva compreensão tendo em conta as alteridades geográficas e culturais, deve ser subdividida em historiografias da África Ocidental, Central, Oriental e Meridional. A historiografia europeia e islâmica sempre tomou como ponto de referência para a abordagem da África do norte do Saara, os contactos com outros povos sobretudo após a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egipto no século XVIII e fixação colonial no século XIX. A emergência de movimentos nacionalistas no norte de África deu origem às escolas autóctones de história que produzia documentos escritos em língua árabe, francês e inglês, estabelecendo equilíbrio nos estudos históricos da região.

Criticando o carácter eurocêntrico da história, OLDEROGGE (1982, p.287) afirma que os pesquisadores europeus do século XIX com ênfase para os estudiosos alemães desenvolveram uma crença de ausência deu uma história autónoma de África, para eles tudo era uma simbiose de culturas vindas de diversas correntes migratórias. Depois da Conferência de Berlim além da Alemanha que chegou a fundar um Instituto Colonial que veio a tornar-se um centro de pesquisa científica, o interesse pelo estudo de usos e costumes dos povos africanos estendeu-se para a Inglaterra e a França, onde o ensino de línguas africanas veio a iniciar depois do início da I Guerra Mundial.

Pode-se entender que os primeiros documentos escritos sobre a história de África terão resultado do contacto com os povos que usavam a escrita nomeadamente, árabes e europeus, embora as descrições eram conforme o interesse de quem escrevia.

Para África do Norte, destaca-se IBN KHALDUN (1332-1406) que na sua obra sobre as relações entre África e outras nações do Mediterrâneo e Oriente Próximo, não deixou de se preocupar com o que se passava no outro lado do Saara descrevendo o Império Mali e mais tarde alguns estados da África Oriental, este historiador veio a influenciar MARCH BLOCH na sua brilhante explicação do modelo europeu no início da Idade Media, numa altura em que os africanos perante a influência árabe passaram a utilizar textos escritos para conservação da sua história (FAGE 1982, p.45).
Para a reconstituição da história da África Ocidental e Central, as obras de IBN BATTUTA (1304-1369) e outros, são de grande importância ao descreverem regiões de África a partir de informações que puderam recolher na época em que escreveram embora não haja um meio para avaliar a veracidade da informação (p.44), No século XVI o contacto com europeus na África tropical favoreceu a produção de obras literárias que serviram de base para historiadores modernos. No século XVIII a África tropical embora cita em apêndice, mereceu mais atenção dos historiadores europeus embora a história não tivesse importância sobretudo em relação à África que era apenas mencionada no contexto do comércio de escravos (Ibid., p.44-48).

Portanto, pode-se depreender que sempre existiram alguns registos sobre a África e pode-se refutar a ideia de que a história de África começou com a colonização. Actualmente, uma das tarefas da história de África é o resgate da identidade juntando elementos dispersos de uma memória colectiva deixando de ser apêndice da história da Europa. Um dos grandes desafios é quebrar o mito de passividade histórica dos africanos e dos povos negros em geral. O sofisma e o preconceito europeu de que a África é imóvel e não tem história ilustram uma mera ignorância das transformações culturais endógenas e autónomas de África confirmadas pelas mutações técnicas, agrárias ou metalúrgicas, comércio e a própria participação dos africanos no desenvolvimento da revolução industrial (KI-ZERBO 1999, p.9-14).
Reconhecendo a barragem dos mitos para a compreensão do passado africano, deve-se sublinhar que representação mítica do passado domina o pensamento dos africanos e assim sendo coloca-se o problema da intemporalidade e dimensão social do tempo que não aborda destinos individuais mas sim da colectividade. O tempo africano engloba e integra a eternidade em todos os sentidos evocando gerações passadas no presente que de forma continuada se tornam contemporâneas onde os antepassados são agentes directos e privilegiados na vida dos africanos (HAMA e KI-ZERBO 1982, p.62).

Em algumas sociedades a concepção mítica e social do tempo entra em ruptura com a morte do soberano que paralisa uma série de actividades e ordem social. Este interregno recria o tempo social que é a história vivida pelo grupo. Os africanos de forma autónoma não desenvolveram consciência histórica responsável devido às imposições exteriores e alienantes como é o caso da escravatura, a consciência histórica era numa dimensão comunitária no quadro de uma hierarquia consuetudinária gerontocrática, rigorosa e pesada num sentimento da auto-regulação da comunidade, se tornam factos históricos porque contribuem para criar a história microcósmica da aldeia (Ibid., p.63-65).
Retomando o debate sobre o tempo social africano, a questão da cronologia se apresenta também crucial visto que um historiador que investiga o passado sem referência cronológica assemelha-se a um viajante que viaja sem noção da distância e sem rota demarcada. Os africanos tem ideia da cronologia, o tempo social constitui um dos grandes marcos cronológicos (KI-ZERBO 1999, p.18-19).

O posicionamento destes autores, chama atenção ao historiador que pretende fazer a descrição densa de um microcontexto sobre o tempo social e suas rupturas nessa região e só depois poderá de forma comparada relacioná-lo com a estrutura e conjuntura que na perspectiva moderna é abordada pela escola dos Annales.

Assim de forma específica, o próprio carácter social da concepção africana da história lhe dá uma dimensão histórica incontestável, porque e a vida crescente do grupo, na concepção global do mundo, os africanos, o tempo e o lugar onde o homem pode, sem cessar, lutar pelo desenvolvimento de sua energia vital. A grande reviravolta na concepção africana do tempo se opera com a entrada do continente no universo da economia capitalista, o tempo africano foi transformado e assimilado a favor dos colonizadores (Ibidem., p.68-71).
Disto pode-se compreender que para o africano, a história não reside apenas no documento escrito mas também nas suas obras que de forma continuada estão preservadas, portanto, aqui reside o desafio dos jovens historiadores: metodologia de interpretação dos feitos culturais produzidos e guardados ao longo de gerações.
Intervindo neste assunto, DJAIT (1999,p.105) concorda com o posicionamento de FAGE (1982) que refuta a inexistência de fontes escritas sobre o passado africano e afirma que fonte escrita serve para registar a voz e o pensamento e inclui as gravações na pedra, disco, moeda, papiro, pergaminho, osso e papel e suportou o período que vai desde a invenção da escrita ate ao século XV. Esta trajectória abre um espaço para reflexões porque abrange um continente inteiro, com diversas civilizações justapostas e sucessivas e porque as fontes são línguas, tradições culturais e tipos diferentes.

Se existem as fontes escritas sobre a África então, os problemas gerais residem na falta de estudos das fontes escritas da África. No domínio da África negra há fontes clássicas, árabes e fontes propriamente africanas embora a interpretação destas fontes tem limitações e interferências conforme a língua e o posicionamento do historiador. Para a compreensão das fontes escritas de África anteriores ao século XV, altura em que as fontes orientais foram perdendo sua influência no contexto internacional, dividiu-se o estudo em três períodos principais: a antiguidade ate ao Islã: antigo Império ate +622, a primeira Idade Islâmica: de + de 622 ate a metade do século XI, a segunda Idade Islâmica: do século XI ao século XV (Ibid., p.107).

Analisando as áreas etnoculturais, temos África do Norte – portanto a África branca, mediterrânea e islamizada e a África ao sul de Saara, uma África animista, plenamente africana e de uma irredutível especificidade etno-histórica, a África central e meridional é a mais pobre em termos de fontes escritas. As fontes escritas africanas podem ser clássicas em inúmeras línguas em que foram escritas e em géneros: narrativas e arquivistas. As fontes árabes continuam sendo a base do nosso conhecimento, devem ser reconhecidas as diferenças sócio-culturais, todas as fontes valorizam uma certa solidariedade de comunicação africana (Ibidem., p.108-112).

O autor acima, insiste afirmando que fontes escritas sobre África existem, apenas houve tratamento privilegiado ou desprezível conforme o nível de contacto com as outras civilizações e o nível de motivação dos autores dessas fontes.

O resgate da história de África se afigura viável com a construção de metodologias baseadas na crítica histórica e no espírito histórico, devido à escassez de fontes escritas e uma arqueologia monumental como postulados para o estudo da sociedade humana que fez com que o seu esquecimento remetesse durante muito tempo os povos africanos fora do campo de historiadores ocidentais. Com o advento da descolonização, foi fundada a história africana, com uma diversidade de fontes, embora a metodologia estivesse em construção, visto que a variedade de fontes implica a sua utilização cruzada (OBENGA 1999,p.92).

Insistindo nas metodologias ISKANDER (1982), afirma que para a reconstituição de factos históricos com base na arqueologia, o arqueólogo começa por estudar por meios puramente arqueológicos, leitura do texto que o acompanha, procurando decifrar informações as origens, idade dos artefactos em estudo para responder às inquietações colocadas pela pesquisa. A presença em determinado sítio arqueológico de numerosos espécimes cuja substância é de origem estrangeira, parece ser uma indicação clara de que esse material foi importado através de troca ou comércio. Uma vez localizada a fonte dessa substância, torna-se fácil estabelecer o caminho seguido por ela (p.227).

Num outro desenvolvimento o mesmo autor (Ibid.) reforça:

Esse carbono 14 penetra nas plantas juntamente com os isótopos…formando seus tecidos pelo processo de fotossíntese. Como os animais se alimentam de plantas,”todo o mundo animal é vegetal deve ser ligeiramente radioactivo…no momento da morte, supõe-se que a matéria orgânica antiga tenha apresentado a mesma radioactividade que a matéria orgânica viva actualmente. Mas depois da morte, ocorre o isolamento, ou seja, toda a aquisição ou troca de radiocarbono é interrompida e o carbono 14 começa a se degradar ou como disse o professor Libby,”o relógio do radiocarbono começa a andar… (p.232) ”.

Partindo deste comentário concorda-se com a ideia de KI-ZERBO (1999, p.21-22), ao afirmar que a arqueologia em África se revela também de capital importância ao confirmar através de peças de olaria, metais e ossadas, os vestígios das migrações embora apoiada com as datações do carbono 14, enfrente dificuldades relacionadas com a deslocação para zonas inacessíveis, a erosão e as fragilidades de materiais de construção.
A tradição oral como fonte histórica para a história de África se afigura tão respeitável como os escritos embora para se validar seja um desafio pois o problema não consiste em saber se é válida a prior ou se beneficia ou não de auxílios exteriores, mas em determinar que método a adoptar para diagnosticar as tradições e seleccionar com toda a segurança aquilo que é digno de servir como fonte para a história…aliás a tradição é com frequência autocontrolada por numerosas testemunhas que velam pela sua conservação (KI-ZERBO 1999, p.20).

A tradição oral que foi durante muito tempo desprezada segundo CURTIN (1982) às vezes constitui única fonte imediatamente disponível, neste caso, a tradição oral presta uma grande contribuição valiosa ao documento escrito, orienta escavações arqueológicas, é parte integrante da base do trabalho do historiador é não foi suficientemente destacado um ponto importantíssimo: a maneira como a tradição oral apresenta o tempo, é de outro como ela apresenta os acontecimentos através do tempo (p.101).

Segundo VANSINA (1999 p.157), as civilizações africanas privilegiavam a palavra falada mesmo em regiões onde existia a escrita. A fala é vista como um meio de preservação de saberes dos ancestrais e como um meio de comunicação diária. O historiador deve iniciar-se primeiramente, nos modos de pensar da sociedade oral, antes de interpretar suas tradições. Explicando a natureza da tradição oral, comenta:

A tradição oral foi definida como um testemunho transmitido oralmente de uma geração a outra. Suas características particulares são o verbalismo e a sua maneira de transmissão, na qual difere das fontes escritas…pode ser definido de diversas maneiras, pois o indivíduo pode interromper seu testemunho, corrigir-se, recomeçar, etc…nem toda informação verbal é uma tradição. Inicialmente distinguimos o testemunho ocular, que é de grande valor, por se tratar de uma fonte imediata, não transmitida, de modo que os riscos de distorção do conteúdo são mínimos (p.158).
De forma resumida entende-se que seria quase impossível resgatar os saberes locais sem o uso das fontes orais. No caso de África e Moçambique em particular, independentemente do analfabetismo e escassez de fontes escritas, se pretendemos produzir um conhecimento histórico e cultural verdadeiramente do homem comum, deve-se considerar a primazia fontes orais.

A primazia das fontes orais depende da língua e ao usarmos a linguística devemos evitar o grande erro de confundir raça, língua e cultura, todavia pode contribuir para deduzir do parentesco linguístico um parentesco étnico ou de origem, fornecendo de certo modo uma hipótese básica e cientifica de pesquisa (KI-ZERBO1999, p.24).

Falando do contexto social da tradição, tudo o que uma sociedade considera importante para o funcionamento pleno das suas instituições, com uma identidade própria e com representações colectivas caracterizadas pela estrutura mental, para os diversos grupos sociais e seus respectivos papéis para os direitos e obrigações de cada um, tudo é cuidadosamente transmitido, somente memórias menos importantes são deixadas ou esquecidas. As tradições particulares são oficiais para o grupo que as transmite, é importante utilizar histórias familiares ou locais para esclarecer questões história política geral, seu testemunho está menos sujeito a distorção e pode oferecer uma verificação efectiva das asserções feitas pelas tradições oficiais (VANSINA 1982, p.163-164).

A história social é estudada ao nível da aldeia, da região, do grupo étnico. A história cultural é analisada em uma escala muito mais ampla que aquela do estado-nação. A história de além-mar não é apenas sobre povos europeus e não europeus, mas também de sistemas económicos, sociais, políticos e culturais dos próprios não europeus. Podemos analisar a história além-mar de forma distinta: a história autónoma da Ásia e da África e a história da expansão europeia e ganhou eco depois de 1945 quando os historiadores coloniais e seus discípulos voltaram-se para a própria história asiática e africana que provou o direito da sua existência (WESSELING 1992 p.114-131).

A ideia de VANSINA (1982), encontra enquadramento nas linhas de pesquisa da Universidade Pedagógica privilegiando a produção da história local como forma de contribuir na divulgação do mosaico cultural e contribuição à história universal.

Entre as representações colectivas que mais influenciam a tradição, notamos sobretudo uma série de categorias de base que precedem à experiência dos sentidos: do tempo, do espaço, da verdade histórica, da causalidade. Todo o povo divide o tempo em unidades, baseadas nas actividades humanas ligadas à ecologia ou em actividades sociais periódicas e fundamenta (Ibid.):

As duas formas de tempo são usadas em toda a parte. O dia é separado da noite; e dividido em partes que correspondem ao trabalho ou refeições, e as actividades são relacionadas com a altura do sol…os meses e o ano são geralmente definidos pelo ambiente e as actividades que dele dependem…a semana é determinada por um ritmo social, como por exemplo a periodicidade dos mercados…períodos mais longos que o ano são contados pela iniciação a um culto, a um grupo de idade, por reinos ou gerações. A história de famílias pode ser estabelecida com base nos nascimentos, que constituem um calendário biológico… (p.169).

Em relação à cronologia afirma que sem ela não há história, pois não se pode distinguir o que precede do que sucede. A tradição oral sempre apresenta uma cronologia relativa expressa em listas ou em gerações com abrangência geográfica mais ampla sem contudo estabelecer a sequência relativa aos acontecimentos exteriores àquela região particular e garantias de não distorção de informações sobretudo quando se eliminam ancestrais inúteis a favor de ancestrais úteis para explicação do passado. Em caso de contradições de fontes deve-se optar pela provável sobretudo com o auxílio de fontes arqueológicas e outras fontes independentes para se formar uma probabilidade com um certo grau de certeza. A colecta de tradições requer muita paciência, tempo e reflexão conforme cada caso (Ibidem., p.171-176).

O autor pretende com isto afirmar e errado pensar que as fontes orais não têm noção de cronologia de acontecimentos narrados, baseando-se no tempo social africano, as experiências são ordenadas de forma sequencial.

O debate sobre a valorização das fontes orais ganha eco quando segundo HAMPATÉ BÁ (1982, p.181-182) quando se fala da tradição, refere-se à tradição oral, que transmite conhecimentos de boca a ouvido, de mestre a discípulo, ao longo dos séculos. O grande desafio é conferirmos a oralidade que até em princípio precedeu a escrita, a mesma confiança que se concede à escrita. A tradição oral é valorizada pela cadeia de transmissão com fidedignidade das memórias individual e colectivas e o valor atribuído à verdade em uma determinada sociedade.

A tradição oral não se limita às histórias e lendas ou relatos mitológicos, a tradição oral é a grande escola da vida e dela convencionamos todos os aspectos da vida e baseia-se em uma concepção do homem. A tradição oral implica conhecimento das línguas, a escola tradicional africana ensina o autocontrolo, dominar a manifestação de emoções, aprende a conter forças, integrar as experiências da vida. O conhecimento herdado da tradição oral encarna-se na totalidade do ser, a própria vida era a educação (Ibid.): a criança estará imersa em um ambiente cultural particular, do qual se impregnará segundo a capacidade de sua memória. Seus dias são marcados por histórias, contos fábulas, provérbios e máximas. (p.183-209).
Por essa razão a tradição oral (Ibidem.), tomada no seu todo, não se resume à transmissão de narrativas ou de determinados conhecimentos. Ela é geradora e formadora de um tipo particular de homem. Pode-se afirmar que existe a civilização dos ferreiros, a civilização dos tecelões, a civilização dos pastores, etc. (p.199).

A juventude vem sentindo cada vez mais a necessidade de se voltar às tradições ancestrais e de resgatar seus valores fundamentais, a fim de reencontrar suas próprias raízes e o segredo da sua identidade profunda. O pesquisador deve ser paciente, deve adaptar-se ao ambiente em pesquisa, apreender tudo para depois filtrar (Ibidem., p.217-218).

A interdisciplinaridade não deixa a história desamparada, a antropologia cultural, por exemplo, permite o estudo de traços culturais comparados e exige-se que se tenha em conta a totalidade do quadro cultural do povo em questão, a análise deve ser total e dinâmica. A arte do africano desempenhou desde a época da pré-historia, um papel criador como demonstram os centros artísticos de pinturas e gravuras rupestres da África tropical e meridional (KI-ZERBO 1999, p.26-24).

Para sustentar a tese de que a África não tinha história segundo europeus, FAGE (1982, p.50-57) denuncia que primeiramente, surgiu a antropologia como método não-histórico de estudar e avaliar as culturas e as sociedades dos povos primitivos, os que não possuíam uma história digna de ser estudada e ao longo destes anos numa escala reduzida, os africanos registavam as tradições históricas locais, certos colonizadores registavam história dos governados, seria valioso ensinar um pouco da história de África nas escolas.

Enaltecendo o papel da antropologia cultural OLDEROGGE (1982, p.291-295), aponta que os dados antropológicos fornecem referências mais estáveis frequentemente multimilenárias nos domínios da cultura e espiritual em relação à língua que pode sofrer transformações conjunturais devido às invasões ou emigrações. A distribuição dos tipos raciais modernos no continente africano reproduz, em essência, o modelo antigo dos grandes grupos antropológicos.

Reconhece-se também que o processo de formação de raças é resultante de uma interacção de múltiplos factores, mudança do biótipo e encontro de grupos diferentes que produzem de maneira gradual, a diferenciação dos traços herdados, mas também transmitem hereditariamente os traços diferenciados, sem ignorar a função do meio ambiente que com base no factor climático pode explicar a distribuição das raças pelo continente (Ibid.).

A descoberta do australopithecus provando o desenvolvimento do homem desde as origens na província de Cabo na África do Sul em 1924 e outras seguintes na Tanzânia, no Quénia e na Etiópia desacreditou as teorias até aqui defendidas sobre as origens da civilização africana. O antropólogo Arambourg sustentou que a África é o único continente que há evidências de uma evolução ininterrupta com todos os estágios do desenvolvimento: australopitecos, pitecantropos, neandertalenses e homo sapiens e os respectivos utensílios ate ao neolítico, portanto olhando para os resultados científicos do carbono 14 e o potássio-argonico que provam a evolução neolítica anterior ao da zona mediterrânea e Oriente Próximo conforme se advogava, é errado negar o desenvolvimento cultural endógeno de África (Ibidem., p.294).

Alertando a favor da interdisciplinaridade e cruzamento de fontes, o problema heurístico e epistemológico é fundamental segundo OBENGA (1982), o historiador deve estar absolutamente atento a todos os tipos de procedimentos de análise, para articular seu próprio discurso, fundamentando-se num vasto conjunto de conhecimentos…onde o conceito de “ciências auxiliares” perde cada vez mais terreno nesta nova metodologia… (p.94-96).
Com esta ideia pretende defender a tese de que a prática da história na África torna-se um permanente diálogo interdisciplinar, esboçaram-se novos horizontes de articulação metodológicas onde as outras ciências não são meramente auxiliares, de forma autónoma se tornaram nobres pela sua contribuição na nova maneira de escrever a história de África.

Avaliando a diversidade de fontes históricas de África no seu contacto com europeus, segundo HRBEK (1999, p.129), nos finais do século XV e princípios do século XVI ocorreram transformações no carácter de proveniência e volume das fontes escritas para a história de África, verificou-se um acréscimo de outros tipos de fontes tais como: as narrativas de viajantes, descrições, crónicas, adicionaram-se a estes as correspondências e relatórios oficiais, comerciais ou missionários, escrituras legais e outros documentos arquivísticos raramente encontrados antes desta época. Verificou-se também nítida redução de fontes árabes para a África subsaariana embora surgisse na época literatura autóctone escrita em árabe, auxiliada em parte pela ascensão da literatura originalmente africana, inglesa e outras línguas europeias de forma progressiva ate século XX.
As regiões costeiras foram as mais providas de documentos escritos, no norte de África no século foram tão abundantes quanto à historiografia europeia sobretudo sobre a Etiópia, único país cristão naquela época, relegando as fontes locais para o plano secundário. A África do Sul conheceu uma ascensão de fontes escritas desde a ocupação de Cabo pelos holandeses em 1652. Com a expansão comercial, missionária e colonial no século XIX, aumentou fontes históricas sobre grupos étnicos africanos, aspecto que veio a potenciar o surgimento de pontos de vista dos próprios africanos no século XX (Ibid., p.131-139).

O autor demonstra que nas zonas de maior contacto com outras civilizações há muita informação escrita em detrimento de zonas de interior de fraco contacto estrangeiros.

Olhando para a questão linguística na perspectiva de DIAGNE (1982, p.247), o negro africano estabelece uma ligação entre a história e a língua porque a história visa o conhecimento do passado e a linguística é a ciência da linguagem e da fala e assim sendo a narrativa e a obra histórica são conteúdos e formas do pensamento. A língua como um sistema e instrumento de comunicação é um fenómeno histórico e como alicerce do pensamento é o lugar e a fonte privilegiada do documento histórico.

No que respeita às para as migrações, diferenciações étnicas e linguísticas, as teorias da escola alemã influenciadas pelo Hegel e descobertas recentes destacaram – se nos estudos etnográficos e linguísticos africanos que influenciaram as escolas europeias com a tese de que os africanos não têm historia porque não contribuíram para o desenvolvimento da humanidade. A mesma tese sustentava que o desenvolvimento de África deveu-se a influência de povos camíticos vindos da Ásia que segundo Hegel e o berço da humanidade (OLDEROGGE 1982, p.288).
Classificar as línguas já é revelar o parentesco e a história dos povos que as falam. Podem-se distinguir diversos tipos: classificação genética que estabelece o parentesco e os vínculos de filiação no interior de uma família linguística; classificação tipológica que reagrupa as línguas que apresentam semelhanças ou afinidades evidentes em suas estruturas e sistemas; classificação geográfica que compara e reagrupa línguas que coexistem numa área (DIAGNE 1982, p.248-249).

O cruzamento entre os protocamitas segundo OLDEROGGE (1982) com os povos negros teria originado os povos bantu. A vaga seguinte teria sido constituída por semitas que fundaram a civilização egípcia antiga que mais tarde veio a receber outras vagas migratórias constituída pelos hicsos e hebreus que afixaram-se na Etiópia antes da chegada dos árabes no século VII. Portanto pretendia com estes estudos provar que a civilização africana era o resultado destes povos que trouxeram novos elementos da civilização antes desconhecidos pelos africanos. Com base nestes dados deve-se reconhecer o papel da África como pólo da disseminação, no que refere tanto aos homens quanto as técnicas em um dos mais importantes períodos da história humana - Paleolítico Inferior (p.290-291).


TENDÊNCIAS RECENTES DAS PESQUISAS HISTÓRICAS AFRICANAS E CONTRIBUIÇÃO À HISTORIA EM GERAL


A África segundo WESSELING (1992) foi considerada a-histórica, apenas entra na história no contacto com a colonização. A partir do século XX com o surgimento da escola dos Annales, apesar de escassas fontes escritas africanas ditadas por razões culturais, novas fontes tiveram que ser descobertas para não depender de fontes exógenas. Realça-se o trabalho desenvolvido por Vansina que dividiu a tradição oral em cinco categorias (formulários, poesia, inventários, narrativas, comentários), cada uma com várias subdivisões e adianta que a história oral não deveria ser aceite tacitamente…prestando-se atenção ao impacto da importância social, dos valores culturais e da personalidade dos escritores. Deveria também, tanto quanto possível, ser colocada em confronto com outras fontes… (p.110-111).

O passado da África tal como é visto pelos africanos representa uma tomada de consciência indispensável ao estabelecimento de sua identidade em um mundo diverso é em mutação, portanto os historiadores devem reatar os laços com a experiência histórica dos povos africanos entrando em ruptura com a historiografia eurocêntrica veiculada no século XIX. A revolução no campo de estudos de história após a segunda guerra mundial, fez com que a história abandonasse a crónica para uma ciência social que estudasse a evolução da sociedade humana, libertando-se de preconceitos nacionais para uma visão mais ampla, estudando regiões anteriormente negligenciadas, onde os historiadores africanos tinham como preocupação principal provar que a África tem história (CURTIN 1999,p.73-77).

Durante a vaga dos movimentos nacionalistas pela independência, os historiadores africanos desempenharam um grande papel na história (Ibid.):
Os especialistas em ciência política que escreveram no período dos movimentos de independência derrubaram as barreiras. Pouco depois, sobretudo durante os anos 60, os estudiosos começaram a retroceder no tempo, buscando as raízes da resistência e dos movimentos de protesto no início da época colonial e, mais longe ainda, nas primeiras tentativas de resistência no jugo europeu. Estes trabalhos sobre os movimentos de resistência e de protesto constituem uma importante contribuição para corrigir os desvios da história colonial, mas ainda estamos longe de considerar a história da África com objectividade…certos historiadores, porém, começaram a buscar um método interdisciplinar que lhes permita iniciar o estudo da história… (p.78).

O autor esclarece que a segunda Guerra Mundial e suas consequências terão contribuído decisivamente para o papel activo das jovens nações no resgate à sua história.

De forma interventiva os africanos deram os primeiros passos para registar a sua própria história quando partir de 1947 a Société Africaine de Culture e sua revista Présence Africaine empenharam-se na promoção de uma história da África descolonizada numa altura em que uma geração de intelectuais africanos usando experiências europeias desenvolvia seus próprios enfoques em relação ao passado africano, buscando identidade ofuscada pela colonização e se desembaraçavam de mitos e todas as dificuldade que a historiografia africana apresentava (FAGE 1982 p.58).
Em 1948 assistiu-se à multiplicação de universidades africanas consolidadas com as independências a partir de 1955, equiparando-se às outras pelo mundo, embora sem recursos viradas para a historiografia africana assegurada pelos intercâmbios interafricanos e as lutas pela independência que contribuíram para que os africanos entrassem em contacto com a sua história que em parte teve patrocínios da UNESCO cujo projecto iniciou em 1969 (Ibid., p.59).

Os jovens historiadores enfrentaram um desafio visto que em África há raridade e má distribuição de fontes escritas, sendo as fontes árabes mais importantes por elucidarem períodos obscuros da história de África e sem negarmos o valor da escrita, a mais rica das possibilidades para explorar a história do passado e a história total: o homem tornou histórico tudo aquilo que tocou com a sua mão criadora: a pedra, como o papel, os tecidos como metais, a madeira como as jóias mais preciosas…somos por história de múltiplas fontes e polivalente (KI-ZERBO 1999, p.15-17).
Com a descolonização, Segundo WESSELING (1992) o declínio da Europa e o surgimento de novos superpoderes, novas políticas e ideologias ditaram novas abordagens e objecto da história passando a se interessar pela história das mentalidades e homem comum. As jovens nações desenvolveram próprios departamentos de história embora continuassem ligados aos arquivos ocidentais para resgatar um passado usável, nacionalista e anti-colonial. As nações não-europeias descobriram seu próprio passado e apresentaram sua própria interpretação dele, mas foi exactamente que o problema da história de além-mar se manifestou sob uma nova forma (p.104).

A historiografia africana, assegurada pela formação de historiadores africanos, caminhou largos passos para lançar métodos novos e cobrir zonas não suficientemente exploradas, a criação de novas universidades na década 50 criou a necessidade de uma história renovada da África, considerada de um ponto de vista africano, com temas africanos de aprendizagem, no reencontro com a história do mundo, embora, até 1960 houvesse apenas 74 teses referentes na maior parte à África do norte (CURTIN 1999,p.50-85).

Para WESSELING (1992), a história de além-mar embora se define em diferentes perspectivas por cada potência colonial, trata-se não somente dos sistemas coloniais e do encontro entre europeus e não europeus em geral, mas também da história económica, social, política e cultural dos povos não europeus (p.98).

O historiador de além-mar, suposto a possuir uma educação mais ampla, conhecimento de outras civilizações e habilidades linguísticas, confronta-se com dois tipos de fontes: as fontes europeias, em maior parte arquivistas e fontes não-europeias, escritas ou não, são auxiliadas por outras disciplinas numa tendência interdisciplinar. A colaboração com outros historiadores pode contribuir para perceber o que está acontecendo dentro da própria disciplina, por exemplo, o mundo ultramarino dos impérios coloniais não é necessariamente hoje o chamado Terceiro Mundo (Ibid., p.98-99).

A ascensão da história além-mar depois da Segunda Guerra Mundial, deveu-se ao estímulo do próprio colonialismo com a educação de servidores indígenas e às reivindicações das jovens nações, outrora sem história que se tornavam objecto de estudo, sobre o seu passado colonial. Numa visão geral, a historiografia asiática, desenvolvida de forma comparada com historiografia europeia no século XIX, tende a ser cronológica, valoriza a singularidade dos acontecimentos e cada período tem carácter específico (Ibidem., p.100-101).

Pode-se concluir que a história de África começou a registada pelos árabes nas zonas onde existiu contacto sobretudo antes do século XV. Depois desta data as fontes escritas sobre África estão relacionadas com a colonização. Nova postura historiográfica surge no pós - segunda guerra Mundial no contexto da história além-mar e movimentos nacionalistas pela independência em África. Alargamento de fontes aliado ao uso de metodologias apropriadas e a condição para que de forma autónoma os africanos resgatem os saberes enterrados neste continente.



BIBLIOGRAFIA


BOUBOU, Hama e KI-ZERBO, Joseph. Lugar da história na sociedade africana. In:

KI-ZERBO, Joseph. (coord). Historia Geral de África: I Metodologia e pré-história de África. SP: Ática [Paris]: Unesco, 1982.

CURTIN, P.D. Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à
história em geral. In: KI-ZERBO, Joseph. (coord). História Geral de África: I Metodologia e pré-história de África. SP: Ática [Paris]: Unesco, 1982.

DIAGNE, P. História e linguística. In: KI-ZERBO, Joseph. (coord). Historia Geral de África: I Metodologia e pré-história de África. SP: Ática [Paris]: Unesco, 1982.

DJAIT, H. As fontes escritas anteriores ao século XV. In: KI-ZERBO, Joseph. (coord).
História Geral de África: I Metodologia e pré-história de África. SP: Ática [Paris]: Unesco, 1982.

FAGE, J.D. A evolução da historiografia da África. In: KI-ZERBO, Joseph. (coord).
História Geral de África: I Metodologia e pré-história de África. SP: Ática [Paris]: Unesco, 1982.

GREENBERG J. H. Classificação das línguas da África. In: KI-ZERBO, Joseph.
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HAMPATÉ BÂ, A. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph. (Coord). História Geral de
África: I Metodologia e pré-história de África. SP: Ática [Paris]: Unesco, 1982.

HRBEK, I. As fontes escritas a partir do século XV. In: KI-ZERBO, Joseph. (coord).
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ISKANDER, Z. A Arqueologia da África e suas técnicas: Processos de datação. In: KI-
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KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Vol. I. Publicações Europa-América.
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KI-ZERBO, Joseph. (coord). Historia Geral de África: I Metodologia e pré-história de África. SP: Ática [Paris]: Unesco, 1982
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Joseph. (coord). Historia Geral de África: I Metodologia e pré-história de África. SP: Ática [Paris]: Unesco, 1982.

VANSINA, J. A tradição oral e sua metodologia. In: KI-ZERBO, Joseph. (coord).
Historia Geral de África: I Metodologia e pré-história de África. SP: Ática [Paris]: Unesco, 1982.

WESSELING, Henk. História de além-mar. In: BURKE, Peter. (Org). A escrita da
História: Novas Perspectivas. São Paulo, 1992.






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