O presente trabalho com o tema: Fundamentos para construção do currículo local: Estudo do caso do Culto dos Antepassados dos Vachopi no Nordeste de Mandlakazi, procura examinar indicadores sócio – culturais dos Vachopi que possam servir de fundamentos para elaboração de um currículo local.
Além da introdução, o presente trabalho apresenta – se estruturado da seguinte forma:
No primeiro capítulo, apresenta – se o conceito do currículo na versão de diferentes autores e sintetiza – se o posicionamento do autor olhando para o currículo do ensino básico em Moçambique.
No segundo capítulo é apresentado o estudo sobre as manifestações sócio – culturais dos Vachopi no que concerne à sua origem, factores de homogeneização da identidade cultural dos Vachopi com particular destaque para o culto dos antepassados. É neste capítulo onde se pode apreender os grandes temas de cultura dos Vachopi que podem servir de base para elaboração de um currículo local.
No terceiro capítulo, o autor apresenta fundamentos etno – históricos dos Vachopi que servem de proposta como conteúdos para elaboração de um currículo local.
Na parte final do trabalho, é apresentada a conclusão e bibliografia final.
Besides the introduction this work presents structured as follows:
In the first chapter is presented the concept of the curriculum in version of different authors and synthesize the placement of the author by looking at the primary school curriculum in Mozambique.
In the second chapter is presented the study on the socio-cultural manifestations of Vachopi since origin factors homogenizing the cultural identity of Vachopi with a particular focus on worship of ancestors. It is in this chapter, where you can seize the major themes of culture of Vachopi that can serve as the basis for elaborating a local curriculum.
In the third chapter, the author presents pleas ethno-historical Vachopi that serve as content for preparing local curriculum.
n the latter part of the work, is presented the conclusion and bibliography.
O presente trabalho tem como tema: Fundamentos para a Construção do Currículo Local: Estudo do caso do Culto dos antepassados dos Vachopi no Nordeste de Mandlakazi.
A valorização e divulgação dos valores da cultura, os costumes e as tradições dos Vachopi como proposta de conteúdos para o currículo local, constituem motivações para a realização do presente trabalho.
1- Objecto da pesquisa
A herança cultural dos Vachopi é multifacetada olhando para o papel de cada membro da família nos aspectos sociais, económicos e culturais. Constituem como elementos de identificação cultural deste povo, os ritos e as cerimónias, a alimentação, as bebidas, a dança, a música, o vestuário e os adornos, os jogos e os passatempos, o modelo de construção de edifícios e as actividades económicas. Para o presente trabalho constitui como objecto de pesquisa, o culto aos antepassados na região de Chidenguele, localizada a Nordeste de Mandlakazi na província de Gaza.
2- O problema da pesquisa
A disciplina de ciências sociais no II ciclo do ensino básico preconiza a abordagem da história local nas unidades temáticas “Família” e “Escola” (PCEB,2003: 274/275), de forma que cada região faça uma construção curricular correspondente.
O que se verifica é que há fraca pesquisa da história local por parte da escola que lideraria a comunidade e os professores para a construção e a integração curricular dos respectivos conteúdos produzidos localmente. Esta lacuna contribui para a fraca abordagem dos saberes locais existentes na comunidade onde o aluno está inserido.
Partindo do princípio de que os elementos sócio – culturais dos Vachopi contém doses de saberes educativos e pedagógicos na valorização da nossa cultura que podem constituir uma história local, lança – se como pergunta de partida:
Como construir um currículo local a partir de elementos sócio – culturais dos Vachopi?
3 – Hipótese
Pode-se construir um currículo local a partir de grandes temas de cultura dos Vachopi a serem identificados pela comunidade e tratados de forma científica pela escola.
4- Objectivos da pesquisa
4.1. Geral
- Identificar elementos sócio – culturais dos Vachopi para a elaboração do currículo local.
4.2. Específicos
- Analisar o Currículo do Ensino Básico em Moçambique
- Examinar a cultura dos Vachopi como forma de valorização da história local
- Propor fundamentos para construção do currículo local com base nos elementos sócio – culturais dos Vachopi.
5 - Metodologia
Para realização desta pesquisa, privilegiou – se o método qualitativo. Para apuramento de informações fez – se pesquisa etnográfica na região, que consistiu em indagar e conversar com as pessoas que aceitaram nos conceder entrevistas e que segundo as expectativas do autor tinham perfil suficiente para fornecer informações relevantes. Também fez – se a combinação da pesquisa-acção-participativa e revisão bibliográfica pelo autor do presente trabalho.
6 – Justificativa
Para a compreensão da abordagem dos saberes locais como segmentos particulares passíveis de serem generalizados para construção de uma história nacional de Moçambique, foram consultados alguns autores: SIQUISSE (2006), CANDA (2006); IVALA (2002) e todos falam da valorização de elementos sócio – culturais de histórias locais como património cultural a ter em conta na elaboração da História de Moçambique. Neste rol de estudos pretendo contribuir com a divulgação da cultura dos Vachopi como subsídios para construção do respectivo currículo local.
7 – Relevância da pesquisa
A presente pesquisa, ao estudar os elementos sócio – culturais dos Vachopi poderá contribuir para a valorização do património cultural dos Vachopi, respeitando as diferentes tradições culturais do vasto Moçambique e contribuir para o enriquecimento do currículo do ensino básico, em especial para a comunidade dos Vachopi na região de Chidenguele em Mandlakazi. Espera – se também que esta pesquisa ajude na divulgação da realidade sócio – cultural dos Vachopi que em parte é desconhecida no ensino oficial e integrar as experiências deste povo no currículo do ensino básico.
Capítulo I
Segundo PACHECO (2001), as definições de um currículo não são neutrais porque numa perspectiva é um conjunto de conteúdos a ensinar que se encontram organizados por áreas e temas de estudo (p.15-20), observando um plano ou programa pedagógico e noutra perspectiva é um sistema dinâmico, probabilístico sem uma estrutura pré – determinista.
O mesmo autor, cita GRUNDY (1987: 5) que define o currículo como uma construção cultural e um modo de organizar um conjunto de práticas educacionais humanas.
Para MACHADO e GONÇALVES (1991) O currículo é um conjunto de actividades educativas programadas pela escola, englobando componentes culturais e sociais,… É sistematização de resultados pretendidos (p. 43 – 54).
Apreciando as definições propostas pelos autores, o currículo antecipa os resultados pretendidos numa sociedade respeitado os aspectos sócio – culturais da mesma. Por outro lado, embora estes autores apresentam definições que omitem o envolvimento do Homem na manipulação do currículo, depreende-se que é para os sujeitos sociais a quem este currículo diz respeito.
O currículo quanto a nós é uma planificação educativa com uma certa finalidade num processo interactivo dinâmico que se ajusta às continuas transformações numa determinada sociedade. Assim o nosso posicionamento entra em concordância com MACHADO apud GIMENO (1988) quando afirma: Um currículo não se elabora do vazio, nem tão pouco se organiza arbitrariamente, o currículo é uma representação do universo do conhecimento (p. 42).
Assim intentamos a partir deste posicionamento concluir que o currículo é socializador porque é um processo que envolve debates confluentes que admitem inovações do mesmo currículo, tendo como epicentro o Homem numa determinada sociedade, sem contudo excluirmos o poder politico que determina de certa maneira a matriz do currículo.
O currículo do ensino básico em Moçambique, define a educação como um processo pelo qual a sociedade prepara os seus membros para a continuidade e cabe ao currículo enquadrar – se nas estratégias de momento para responder as mudanças económicas e é sócio – culturais num determinado contexto (PCEB; 2003: 7).
Avaliando as linhas mestras deste plano curricular, nota – se que acomoda a transformação e o desenvolvimento que a nossa sociedade vai impondo. Olhando os diversos conceitos do currículo, achamos que o plano curricular do ensino básico em Moçambique equaciona experiências globais de outros currículos e respeita os factores culturais dos moçambicanos ao dedicar 20% da carga horária das ciências sociais para o ensino da história local. O que não fica claro neste processo é a causa do desfasamento entre as intenções do currículo oficial e o real valor que as comunidades assumem na elaboração dos conteúdos locais, sendo elas a ponte de interacção entre a cultura tradicional e o ensino oficial, alias, o presente trabalho ensaia algumas propostas para o efeito.
Pensamos ainda que o currículo local estabelece que os programas devem prever uma margem de tempo para o currículo local e a escola se organizar para a introdução dos conteúdos locais conforme recomenda o PCEB (2003):
Os conteúdos locais devem ser estabelecidos em conformidade com as aspirações das comunidades o que implica uma negociação permanente entre as instituições educativas e as respectivas comunidades. As matérias propostas para o currículo local, devem ser integradas nas diferentes disciplinas curriculares, o que pressupõe uma planificação adequada das lições. (p. 27)
Partindo desta consideração, entende – se o currículo abre espaço para que a comunidade, a escola e os professores sejam actores principais na produção de conteúdos locais, o que julgamos errado é a passividade destes perante este processo. Portanto é na perspectiva de contribuir na produção de conteúdos locais que se realizou o presente trabalho, porque o professor deve com os conhecimentos que possui interagir com a comunidade para o sucesso deste processo.
Capítulo II
Os povos hoje chamados de Tsonga,Vachopi e Bitongas resultam de diferentes experiências históricas para compreensão da distribuição étnica no sul de Moçambique. No caso dos Vachopi da região de Chidenguele, a Nordeste de Mandlakazi na província de Gaza, há fortes indícios de serem provenientes dos Xona – Karanga onde presume – se que duas tribos nomeadamente Valói e Guambe ao deslocarem para o Sul de Moçambique terão sido responsáveis pela disseminação dos actuais regulados dos Vachopi entre Xai – Xai e Inharrime.
Os Vachopi são um conglomerado de tribos ou segmentos de tribos emigrados de pontos vários de África, o termo Vachopi foi lhes atribuído pelos angunes pelo facto de arremessarem flechas. Os grupos mais representativos foram três e todos vinham da região dos Karangas: os Valói, os Langa e os Guambe.
As características que confirmam a ligação dos Vachopi com os Xona – Karanga são: o uso de arco e flecha como arma principal, prerrogativa do chefe e … descoberta de espíritos possessivos por meio de fustigação com cauda felpuda de animais e da sua subsequente aspiração pelo adivinho.
Pode – se deduzir desta maneira que os Vachopi resultaram do abarcamento de vários clãs e sub clãs ou linhagens que pelo facto de ocuparem um único território construiu a sua própria identidade com base na língua, cultura e sujeição aos mesmos chefes.
Os Vachopi construíram o seu substrato cultural num processo lento de integração linguístico comum, de uma coexistência prolongada dentro de um mesmo território e através da sujeição eventual aos efeitos de guerras dos invasores angunes e do efectivo domínio Europeu. A única feição cultural que os identifica é Ku – Tchopa,( arremessamento de flechas) - razão da atribuição do nome “chopi”, assim sendo não existe uma cultura autónoma chopi distinta das demais, apenas os Vachopi, … estão conscientes do pluralismo das suas origens e do carácter formal da designação que agora lhes cabe .
Entende-se a partir deste posicionamento que os Vachopi vieram em vagas sucessivas de origem e tempos diferentes, porém, devido à longa convivência, criaram o seu próprio estilo de cultura.
Sobre este assunto, acrescenta – se que … Binguanhane, um dos netos do grande chefe Dzowo, do vale do Limpopo, Conseguiu dominar e unificar parte dos régulos Vachopi numa resistência contra Maueue, Muzila e Ngungunhane… e sintetiza – se que esta resistência colectiva contribuiu para desenvolver sentimento de identidade entre os Vachopi e para testemunhar que as características culturais dos Vachopi fazem parte dos Xona – Langa ou Xona – Karanga , aprecie – se o seguinte comentário:
São convincentes as provas da origem Xona – Langa de parte das características culturais dos Vachopi… Xilofone recurso do tipo Karanga, Juramentos junto do Grande Tambor Sagrado, certos termos como Muzimo (Antepassado – deus), Phongo (cabrito), a forma de cumprimentar, com bater de palmas, também era semelhante a dos Xonas – Langas… os Vachopi foram conhecidos durante muito tempo por Mindongues, segundo JUNOD (Filho) o verbo Ku – Tchopa «« Atirar setas»» é de origem tsonga, foi aplicado pelos Guerreiros tsonga, foi aplicado incorporadas nos regimentos Vangunes.
A partir deste comentário pode – se concluir que os factores de hegemonia sócio -cultural dos Vachopi resultam da sua longa convivência espacial e construção de nova identidade autónoma.
As características sócio – culturais das populações rurais do Sul de Moçambique residem na perpetuação dos hábitos de parentesco, onde reside a moralidade que observa e assegura a ordem hierárquica de cada família.
Os Vachopi se distinguem dos de mais povos Sul de Moçambique pois tem padrões de crenças, valores, formas de comportamento, conhecimentos e saberes que foram sendo passados de geração em geração.
Analisando os dois pontos de vista podemos concluir que as manifestações sócio – culturais nas zonas rurais no sul de Moçambique inserem – se numa área cultural com características universais próprias podendo adquirir algumas particularidades dentro da mesma área cultural.
Os Vachopi são essencialmente agricultores, só comem carne sempre que a ocasião se lhes ofereça resultante da criação de animais domésticos ou caça de animais de pequeno porte. As mulheres cozinham uma vez por dia ao cair da noite, o que sobra fica para dia seguinte para pequeno-almoço (Kussussula). No que concerne ás bebidas, apreciam água, as bebidas são feitas por cereais, frutos, vegetais e aguardentes.
Durante a visita à comunidade de Nhachengo foi possível colher o seguinte depoimento com um residente local, o que confirma o exposto acima:
…ATHU VACHOPI” (Nós os Vachopi) somos quase vegetarianos porque só comemos carne quando decidimos matar um animal doméstico ou de caça. “Va SIKATIVATHU” (as nossas mulheres) é que asseguram economia familiar, a comida “xiguinha” que sobra do jantar comemos no dia seguinte quando voltamos da machamba. Bebemos água do “Dhithangueni” (Reservatório, Tanque pertencente a uma família) ou do poço, que fica em Nhambavale. Nas cerimónias ou em ocasiões festivas bebemos “Ussuke” (cerveja) ou “sopa” (Aguardente}.
Avaliando as descrições acima citadas, constatou – se no campo que os Vachopi alimentam – se basicamente de “xiguinha” (refeição preparada de mandioca, amendoim e vegetais), outro tipo de refeições é preparado em ocasiões especiais como é o caso de festas ou cerimónias. A distância que se percorre à procura de água levou os Vachopi a construir reservatórios de água para sobrevivência por longo tempo. O consumo de bebidas, consumo de carnes e refeições não habituais está ligado às ocasiões festivas ou cerimoniais.
No domínio da arquitectura, os Vachopi tem conservado sem qualquer alteração, a palhota dos antigos tempos, podendo haver algumas construções de forma quadrada. A escultura dos Vachopi é utilitária visto que produz utensílios de uso doméstico e adornos.
Sobre este assunto, foi possível apurar que Nhumba (Palhota) é casa típica dos Vachopi, subdivide – se em Gozinyane (cozinha, palhota/celeiro) e Dalicence (palhota/quarto). A escultura dos Vachopi fazia por exemplo: Inkho (colher de pau grande), dhigombe (copo de Madeira), M’bere (Gamela), tchirundo (bacia feita de tecelagem); peneiras (tchisselo); cestos (Tithavango, Xirema); chapéu (Tchigoko); cordas (Madjoke) usadas da construção de habitações e outros afins.
Apreciando esta informações podemos deduzir que a arte dos Vachopi serve para as necessidades sociais diárias deste povo.
A música é uma das componentes culturais dos Vachopi…Os Vachopi são mestres de timbila (…) os pianistas se assentam em linha (…) e tocam em conjunto, com todo o bando de homens dançando na sua frente.
Para se complementar a versão deste autor aprecie – se o seguinte comentário:
Ka M’GANGA AWU” (nesta região) temos NGALANGA executada por jovens, na ausência de NGALANGA, os presentes entoam canções a acompanhadas do ritmo de batidas de palmas e dançamos “MAKHARA” (Dança Típica dos Vachopi); os Jovens pastores de gado tocam “Txigovhilo” (Flauta feita de fruta de massala), os anciãos tocam “TXITENDE” (instrumento Musical com Arco curto com extremidades ligadas por um fio feito de Fibras de Palmeiras) …timbila só é requisita para “Xidhilo” (Missa em veneração aos antepassados.
O vestuário dos Vachopi encontra similaridades com as outras populações do Sul de Moçambique:…uso de capulana e lenço pelas mulheres e uso de calças pelos homens. Para confrontar afirmação deste autor, realizou uma observação qualitativa e verificamos que o traje dos Vachopi resulta da fusão de culturas no uso de tecidos. Socialmente, a maneira de vestir tem grande significado entre os Vachopi, sobretudo as mulheres que se vestem sempre a rigor de capulana e lenço. Por outro lado concluímos que todas as manifestações culturais dos Vachopi através do traje, dança, artes, alimentação, religião e outras formas de cultura são tendentes a consolidar a identidade social deste povo.
No contexto das cosmologias locais no Sul de Moçambique, onde os Vachopi se inserem, quando uma pessoa morre, o seu espírito permanece enquanto manifestação do seu poder e da sua personalidade, a morte marca apenas a transição existencial, o morto exerce uma influência poderosa sobre a sociedade guiando e controlado a vida dos seres humanos.
Os mortos tornam – se “Antepassados – deuses” (chicuembos) da família, residem nos túmulos e relacionam – se com os descendentes vivos revelando – se nestes ou sob forma de animais (geralmente cobras), podem – se comunicar também através dos sonhos, levando os descendentes a consultar “tihlolo” (ossículos) e respeitar o veredicto dos antepassados.
Para melhorar compreensão deste assunto aprecie – se seguinte comentário:
A autoridade do pai, dos avós paternos, projecta – se além da morte, todos os membros da família são deificados por aqueles que vivem, formaram – se hierarquias de almas que levam o oficiante nas cerimónias de culto a invocar, por vezes um antepassado remotíssimo em vez do pai ou avo falecido. Os deuses são sempre parentes dos crentes; são cultos de índole familiar. Os cultos são feitos junto dos embondeiros ou cemitérios .
Outro testemunho sobre o assunto afirma:
O culto aos antepassados permanece como parte integrante do sistema de parentesco: todas as pessoas adultas que morrem se tornam deus refiram aos seus inimigos (…) são guardiões e protectores dos membros da família, aliados e mediadores; não influenciam, ninguém que não pertence ao seu parentesco, apenas quando alguém faz mal aos parentes ou a si mesmos .
Disto infere – se que entre os Vachopi, os mortos tornam – se deuses e protegem os seus descendentes ainda vivos.
Durante a pesquisa verificamos que a natureza divina dos antepassados – deuses entre os Vachopi caracteriza – se pela posse de atributos divinos depois da morte, encontram domínio infinito, ascendem a categoria de chicuembos, são omnipotentes, tem domínio dentro da mesma linhagem com mesmo chibhongo (apelido) e para eles a distância não existe, estão presentes em toda a parte, são semelhantes ao céu, sol e lua .
Os elementos fundamentais do culto dos antepassados são: 1º - Consultam – se ossículos que revelam qual dos antepassados – deuses, como, quando e por quem o sacrifício deve ser feito; 2º o oficiante, em regra o mais velho da família, preside a cerimonia e 3º - as vitimas são trazidas pelos designados e pelos voluntários.
A partir destes dados podemos perceber que estes antepassados não passam de humanos, são apenas espíritos alvos de adoração, são cultos particulares e as suas prescrições visam salvaguardar e reforçar hierarquias, traço fundamental da ordem social entre os Vachopi.
Para testar os posicionamentos de autores até aqui citados, procuramos avaliar a dimensão do culto aos antepassados no regulado de Nhachengo, em Chidenguele, a Nordeste de Mandlakazi na província de Gaza.
Para Kuphahla (culto doméstico celebrado pelo pai com assistência de todos os membros da família), oferece – se fola (rapé) a ou Uputsu (cerveja feita cereais), faz – se este culto em ocasiões de nascimento de uma nova criança, viagem longa ou procura de sorte, segurança e estabilidade para levar diante a vida; Xidhilo ou Mhamba (culto ou ritual que junta todos os descendentes da linhagem, e todos contribuem com algo) realiza – se ao amanhecer no local prescrito pelo Tihlolo (ossículos de adivinhação que redefine a prescrição social a ser seguida para reparação do mal) sacrificando – se animal, espalhando sangue, servir refeição aos espíritos no Magaandeloni (cemitério familiar); o oficiante indicado preside e invoca durante o culto, todos os nomes dos mortos da família começando por Hahani (irmã mais velha do avô paterno). Todos os membros da linhagem podem expressar seus sentimentos, geralmente estas cerimónias são dirigidas Nyamussoro (curandeiro).
Na mesma ocasião foi possível assistir o culto Kuphahla por ocasião da chegada de um membro da família ausente a longa data:
O Chefe da família com Dhigombe (copo feito de madeira) com algum vinho por sinal trazido pelo recém-chegado, bebeu um pouco e soprou algum junto da árvore, local de culto dos antepassados onde todos os membros encontravam – se rodeados e disse:
“Ngani Phendanhani wa dhi Tina (Sou eu Phendanhane de nome)
Nguyo Nduwo Niminingako (Eis a oferenda que vos dou)
wae Hahani Mabady Ni Mhuana Wako (Tia Mabady e seu marido)
Nindiako combele Ningamu Yakwe (com seu irmão combele e Família)
Nawe Kokwana Combele Nivhanana Vhako: Maxuanhani Ni Njacalazi (você vovov combele e seus filhos Maxuanhani e Njacalazi)
Tasanganani Motseno Ahawua (Cheguem todos Aqui)
MaxoKwanhani, Ntukulu Wano Abuakile, Akhene Ndyo Vinho mina tima Dhitora (Maxokwane, vosso Neto, chegou e vos dedica este vinho para matarem sede)
Akombela ku, Mwengetela Tindjombo Ka mithumu Yakwe (pede que lhe dêem mais sorte nos trabalhos e vida dele)
Kahi Kedy intho, Tsungetani motseno (Não excluímos ninguém aproximem – se todos, aqui está a oferenda do vosso neto Maxokwanhani.
Durante o culto, oficiante foi despejando o vinho aos poucos para os antepassados, os restantes membros deviam estar a volta do oficiante calados como sinal de respeito pelos antepassados – deuses.
Depois daquele culto, foi nos explicado que qualquer familiar pode fazer oferendas aos antepassados por intermédio do oficiante indicado; as oferendas podem ser regulares nos utensílios (gamela ou panela de barro furados) dos antepassados; outros bens como dinheiro; galinhas e tabaco servem de oferendas também.
Podemos finalmente concluir que o culto aos antepassados serve solicitar paz, abundância, protecção e sorte para a família.
Desta forma podemos concluir que o culto aos antepassados é dirigido pela personalidade mais idosa da família ou linhagem numa cerimónia denominada Kupahla.
Capítulo III
A abordagem da história local, facilita a apreensão e o domínio de conceitos até certo ponto, abstractos como é o caso do tempo e o espaço, com uso da língua local com significações do contexto quotidiano, Unkama e umganga ,faz com que a história deixe de ser abstracta, porém implica diagnosticar a realidade cultural local (Felgueiras, 1994: 40 – 42).
Concordando com o autor acima, a educação autóctone vem plasmando vários conceitos ao aluno, neste caso em Chichopi, desde a nascença ate à idade para o ingresso no ensino oficial, o que achamos errado, era o desprezo a que estes conceitos eram votados quando o aluno ingressasse no ensino oficial.
O currículo local não indaga apenas o passado porque os testemunhos vivos que vão contribuir neste processo, vão transmitir conhecimento explicativo e útil para o presente. Isto significa que um currículo local que consagrasse os elementos sócio – culturais dos Vachopi teria em conta os seguintes elementos:
1 – A língua:
Os Vachopi, fazem parte de um mosaico multicultural moçambicano com uma língua, denominada Chichopi, que de acordo com estudos sócio – linguísticos faz parte do projecto para o ensino bilingue e esta língua é falada nas províncias de Gaza e Inhambane. Tendo em conta que a língua é um veículo de transmissão de culturas, a preservação da língua Chichopi é visto como um direito humano.
2 – A cultura
A cultura é um universo de objectos materiais e simbólicos, carregados de sentido e informação herdados pela comunidade e por esta transmitidos aos seus membros, que se tornam seus portadores (CANDA, 2006: 26).
Os Vachopi são um grupo etno – histórico que tem cultura própria que se desdobra em praticas sócio – económicas, ritos e cerimónias, divisão social do trabalho, dança e estereótipos relacionados com o género. No capitulo da cultura, o currículo local vai dotar o aluno de conhecimentos em relação:
Á sua origem e valor da sua língua; à relação que o homem local tem com a natureza; às formas de poder, sucessão e herança; às formas de posse de terras; à formação de linhagens, sistemas de parentescos, casamentos e atribuição de nomes; às cerimónias, rurais, religiões, mitos locais e ritos de iniciação; às praticas sócio – económicas: Comércio, construção de casas, agricultura, pecuária, pesca e migração; à divisão social e técnica do trabalho tendo em conta os estereótipos em relação ao género; aos provérbios, contos, jogos, danças e canções locais; ao uso de nomenclaturas chopi na abordagem de alguns conceitos durante o processo de ensino aprendizagem.
3 – Educação autóctone
No capítulo da educação autóctone, notamos que aluno ao entrar para o ensino oficial, traz consigo grandes indicadores de desempenho e competências respeitantes a sua identidade cultural. Através dos provérbios locais, ritos de iniciação, rituais e praticas sócio - económicas, a educação autóctone desempenha um papel primordial na transmissão de usos de costumes as gerações de forma continua e a partir do ensino oficial, o aluno aprende nos valores respeitando as crenças de outros indivíduos, dai que currículo local deve valorizar os saberes locais transmitidos pela educação autóctone.
Na realidade educativa moçambicana existem dois currículos que vigoram em simultâneo principalmente nas zonas rurais: Um pelas escolas autóctones – tradicionais baseando nos mitos e ritos de iniciação e o outro pelas escola oficial moderna (CANDA, 2006: 5).
Podemos depreender que no caso particular dos Vachopi, transmitem conhecimentos e experiências acumuladas pelas velhas gerações as novas gerações e são essas experiências que o aluno traz consigo quando ingressa na escola. A história local pode resgatar o currículo oculto da educação autóctone que em simbiose com o currículo oficial possa de facto construir um currículo local que inspire as aspirações da comunidade dos Vachopi em Chidenguele, conforme os grandes temas de cultura chopi referidos neste trabalho.
Desta forma pensa – se que o facto dos Vachopi possuírem uma autonomia sócio – cultural, que caracterizamos no capítulo anterior, o currículo local e eles respeitante pode acomodar os saberes locais que manifestem uma atitude positiva e de tolerância em relação às outras culturas no contexto do currículo oficial.
Por outro lado são propostos como objectivos gerais do currículo local no ensino das ciências sociais:
a) Educar o aluno a ter orgulho e respeito pela tradição e cultura chopi, respeitando outras tradições e culturas, desenvolvendo atitudes positivas na comunidade.
b) Educar o aluno ter respeito pelos direitos humanos na sua comunidade e noutras distintas.
c) Proporcionar conhecimentos sobre a história do seu povo para uma plena integração do aluno na comunidade com membro activo.
d) Participar positivamente nas actividades económicas da comunidade, desenvolvendo autonomia e auto – estima crescente.
A abordagem do currículo pela sua etimologia suscita, vários debates em relação à conceituação do mesmo, porém pelos efeito práticos do mesmo podemos chegar um consenso de que é uma construção cultural porque socializa o conhecimento e as experiências de uma sociedade e antecipa resultado de várias consultas à sociedade em último e gerido pelo poder politico.
No caso da currículo do ensino básico em Moçambique, conclui-se que deixa uma margem de 20% do tempo lectivo de cada disciplina para implementação de conteúdos locais, porém o que acontece, na óptica do autor falta o papel activo da escola inserida na comunidade aliado a fraca preparação dos professores em parte para a produção de conteúdos que possam configurar o currículo local.
A perpetuação da autonomia cultural consolidou um legado de manifestações – sócio culturais entre os Vachopi, que se distinguem de certa maneira das outras populações do Sul de Moçambique.
O culto dos antepassados dos Vachopi não se difere tanto dos outros cultos das zonas rurais do Sul de Moçambique, adquire seus aspectos específicos em função da língua, dos outros traços culturais e realiza – se o culto através de um ritual familiar dirigido pelo chefe da família que serve de comunicações com os antepassados chamado Kuphahla.
Por fim, o autor confirma a hipótese de os Vachopi possuem um legado cultural suficiente para produção de conteúdos locais e julga que é pertinente que o currículo local no caso vertente dos Vachopi seja o resultado de experiências de aprendizagem moldadas nas respectivas comunidades através da educação autóctone cuja interacção com o ensino oficial faz com que as significações do contexto quotidiano fazem da História ou Ciências Sociais, uma disciplina não abstracta.
CANDA, Candido Jasse. Educação Autóctone e a Educação oficial moderna: Efeitos dos ritos de iniciação autóctone sobre o rendimento escolar dos alunos iniciados. S. Paulo,2006.121p.
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PACHECO, José Augusto. Currículo: Teoria e Praxi. Porto,2001.271p.
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SOUTO, Amélia Neves de. Guia bibliográfica para o estudante de História de Moçambique. 1996, 347p
3 comentários:
Kero prioritariamente parabenizar-te pelo espetacular trabalho de pesquisa que desenvolveste, oh kerido Fernando Marcos. Amei a sequencia na qual os textos, carregados de sentido, estao orgamizados. Parabens
Parabens pelo estudo. Quem dera que o INDE tomasse conta da abordagem e encorajar diversos pesquisadores...de certeza que o CL deixava de ser uma utopia e passava a ser uma realidade de modo a contribuir para socializar os alunos assim como os professores. Note que os alunos graduados da sétima classe poucas oportunidade de construir competências básicas para sua sustentabilidade a partir de saberes locais.
Parabéns pelo estudo. Quem dera que o INDE tomasse conta da abordagem e encorajar diversos pesquisadores...de certeza que o CL deixava de ser uma utopia e passava a ser uma realidade de modo a contribuir para socializar os alunos assim como os professores. Note que os alunos graduados da sétima classe tem poucas oportunidade de construir competências básicas para sua sustentabilidade a partir de saberes locais.
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