Prof. Fernando Marcos Nhantumbo

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Avaliação no ensino de História: Breve relato de experiências

quarta-feira, 15 de agosto de 2012 by Fernando Marcos Nhantumbo | 0 comentários
Por:
Fernando Marcos Nhantumbo
Fernando Marcos Nhantumbo


RESUMO


O presente artigo pretende relacionar os pressupostos teóricos e experiências práticas relacionadas com o conceito e as características da avaliação educacional, os paradigmas da avaliação inseridas na evolução histórica do conceito de avaliar , os tipos, as funções e finalidades da avaliação no ensino e aprendizagem de Historia na 10ª classe em Moçambique.
Palavras chaves: avaliação, educacional, objectivos, paradigmas, ensino-aprendizagem.

ABSTRACT

This article intend to relate the theoretical assumptions and practical experiences related to the concept and characteristics of educational assessment, the paradigms of assessment entered on the historical development of the concept of evaluating, types, the functions and purposes of the assessment in teaching and learning of history in the 10th class in Mozambique.

Keywords: assessment, educational objectives, teaching-learning paradigms.

Conceito da avaliação

O conceito da avaliação tem sido ultimamente atribuído vários significados em função do contexto, âmbito e finalidade a que se destina. No campo educacional, o conceito de avaliação tem o seu enfoque no processo de ensino – aprendizagem e todos os agentes ligados a este processo. É neste contexto que vamos discutir o conceito de avaliação.
A avaliação é um processo que nos permite determinar o grau de mudanças de comportamento em função dos objectos previstos com base nas evidências reveladas pelo aluno, por outras palavras o processo de avaliação consiste essencialmente em determinar em que medida os objectivos educacionais estão sendo realmente alcançados pelo programa e do ensino (HAYDT apud TYLER, 1995).
Segundo o mesmo autor, para Scriven, o conceito de avaliação não cinge – se apenas no grau de consecução de objectivos estabelecidos, deve – se avaliar também os próprios objectivos e outras consequências imprevistas, a avaliação deve ter como objectivo apreciar o valor, mérito ou julgar enquanto que na visão de Stufflebeam, a avaliação é um processo de delinear, obter e fornecer informações visando tomada de decisões (Ibid.).
Olhando para as percepções destes autores partindo de TYLER que é tido como pai da avaliação educacional, os outros autores embora tratem da avaliação noutros âmbitos, também emprestam grandes tributos à avaliação do processo de ensino – aprendizagem.
Também podemos concluir que o conceito da avaliação está ligado à definição dos objectivos e da natureza da avaliação tendo em conta o alvo ou objecto dessa mesma avaliação, isto é, segundo Proença (1989) o papel da avaliação no caso do ensino de História esta relacionado com as finalidades desta disciplina e de forma ampla com os objectivos do próprio sistema de ensino.
A avaliação, sendo ela diagnóstica, formativa ou sumativa, reflecte geralmente um currículo, programas ou unidades temáticas que prescrevem objectivos, conceitos e métodos. A avaliação desenvolve capacidades, objectivos do ensino e auto – avaliação do professor e aluno.
A avaliação rege-se pelos seus princípios: é um processo contínuo e sistemático, é funcional e é traçada em função dos objectivos. A avaliação é orientada porque visa orientar, auxiliar e corrigir falhas, é integral porque analisa, julga os comportamentos, considera o aluno como um todo não apenas no aspecto cognitivo, mas também no aspecto afectivo e psicomotor (HAYDT 1995), deve também segundo PERRENOUD (1999), observar as fases funcionais: formativa e sumativa e deve ser ampla trazendo diversidades e procedimentos. As fases da avaliação vistas por VALADARES (1998) são: planificação da avaliação, obtenção da informação, formulação de juízos de valores e tomada de decisões enquanto que para PROENÇA (1989) a avaliação pode envolver duas etapas fundamentais: identificar e definir os objectivos educacionais e construir ou seleccionar os instrumentos de avaliação.
A avaliação caracteriza-se também conforme aponta SOUSA (1997) pelos seus procedimentos que são todos os meios são utilizados para permitir a obtenção de dados que interessam ao avaliar . Depois de uma parte do programa o aluno deve ser avaliado; depois recebe a nota, no fim de cada ciclo de aprendizagem, faz – se síntese de notas e uma apreciação final. Segundo PERRENOUD (1999) os avaliadores valorizam diversos tipos de testes como parâmetro de julgamento, como resultado do objectivismo e a competência do professor é avaliada partindo destes pressupostos. Podemos concluir que temos procedimentos da avaliação diagnóstica com os pré – testes, da avaliação formativa com a observação do trabalho prático dos alunos e da avaliação somática com o uso de provas objectivas e subjectivas.

Tipos de Avaliação

Um dos tipos de avaliação que tem ainda um pacto no ensino apontada por AFONSO (2005), é a normativa que vigorizou a partir de século XIX com a multiplicação de uso de exames como única técnica credível de certificação objectiva para medir um nível de qualificação. Os resultados obtidos serviam de comparação e competição no entanto que quantificáveis como vista a seleccionar indivíduos para o mercado laboral. Na avaliação do ensino-aprendizagem este tipo de avaliação tem uma limitação: nem todos os aspectos da educação são mensuráveis e reforça desigualdades.
No caso de ensino de História, PROENÇA (1989), considera esta avaliação de diagnóstica porque tem o seu enfoque nas aptidões, interesses desejáveis relativos aos objectivos a atingir. Avança também com as desvantagens que este tipo de avaliação proporciona ao ser classificatória, um fim em si mesma por não estar ao serviço do processo de ensino-aprendizagem, ao dar sentido à competição causando efeitos negativos ligados ansiedade e frustração. Reconhece no entanto que este tipo de avaliação tem algumas vantagens por oferecer um sistema rápido e fácil, informação fácil, facilita decisões relativas às promoções e permite comparações.
A outra avaliação que ainda tem um impacto na concepção de currículos referida por AFONSO (2005) é a criterial, que exige a definição prévia de objectivos e aprecia o grau de consecução de objectivos do ensino e individuais sem compará-los com outros, diagnostica as dificuldades para programar actividades compensatórias e assegura as competências mínimas exigidas no mundo de trabalho.
Referindo-se ao mesmo tipo de avaliação PROENÇA (1989), sem usar o termo criterial, questiona: como avaliar? respondendo a esta questão apreciaremos os critérios para a escolha de métodos mais adequados, de construir e seleccionar técnicas especificas, de administrar e classificar essas técnicas e como interpretar e aplicar os resultados da avaliação. Entende-se que a avaliação criterial está presente sempre que pretendemos avaliar.
Segundo FERNANDES (2002), com a evolução das sociedades, ao se colocar o indivíduo no centro de qualquer prática avaliativa, avaliação torna-se humanizadora, ao privilegiar auto – crítica, ela é reflexiva e porque o homem adquire novos conhecimentos de forma gradual e consciente, avaliação torna – se também construtiva. Na vida prática achamos nós que o professor deve abandonar dogmas relativos à avaliação, não deve avaliar apenas os testes escritos, a avaliação não deve servir para mensurar e excluir, pelo contrário devíamos considera-la perfeita se conseguíssemos fazer com que os alunos construam e se tornem fonte do conhecimento. Por exemplo, ao diagnosticarmos conhecimentos prévios que os alunos trazem sobre um determinado conceito em Historia e depois orientamos didacticamente para a produção do mesmo conceito de forma mais elaborada, estamos perante uma avaliação auto-reguladora sem fins selectivos e confere ao aluno a autonomia na construção do conhecimento.
Concordando com a socialização da avaliação, entre as diversas formas de avaliar, avaliação formativa segundo TYLER visa materialização dos objectivos previamente estabelecidos, não depende apenas do uso de testes, admite pluralidade métodos, é contínua e assegura a reflexão, igualdade de oportunidades de sucessos e viabiliza um ambiente democrático na sala de aulas segundo AFONSO (2005). A avaliação formativa no ensino de História segundo PROENÇA (1989), tem como etapas a recolha de informações, interpretação destas informações e adaptação de actividades para compensar os insucessos da aprendizagem.
Por outras palavras, dentro da avaliação formativa conforme propõe PERRENOUD (1999) podemos destacar a regulação retroactiva, onde consideramos uma avaliação factual como ponto de partida para acompanharmos o aluno a longo prazo, a regulação interactiva que está presente ao longo de todo processo de ensino-aprendizagem e a regulação proactiva que nos permite engajar o aluno em aprendizagens novas.
Na mesma perspectiva PROENÇA (1989),afirma que na visão behaviorista a avaliação formativa baseia-se na avaliação de comportamentos observáveis, a interpretação de resultados será baseada em critérios pré-estabelecidos e as atenções estarão viradas para os alunos com progressão mais lenta durante a aprendizagem. Na perspectiva cognitivista, a recolha de informações será através de entrevistas e observação dos alunos com base na grelha elaborada para o efeito, a interpretação das informações recolhidas será em função das capacidades de integração e abstracção das aprendizagens pelo aluno e a adaptação das actividades pedagógicas centrar-se-á na modificação de aprendizagens para o aluno ultrapassar as dificuldades de aprendizagem.
Avaliação sumativa na óptica de BONNIOL (2001) consiste na apreciação final global e externa das mudanças ocorridas durante o processo de ensino-aprendizagem, no final de uma unidade temática ou de um programa. Existem também os modelos de avaliação, o de credenciamento que avalia uma instituição, de múltiplos objectivos que avalia pessoas e instituições e o modelo de decisão que relaciona os resultados da colecta e os responsáveis da decisão.

Paradigmas de Avaliação

Quanto aos paradigmas de avaliação segundo ALVES (2004), tem se sugerido várias significações. Alguns autores falam de modelos de avaliação conforme o BONNIOL (2001) , alguns falam da avaliação no contexto da sua evolução histórica, outros ainda de gerações de avaliação na óptica de FERNANDES (2005), avaliação entre diferentes lógicas segundo PERRENOUD (1999) e outras formas de caracterizar diferentes etapas da avaliação mas, no nosso entender pretendem todas estas abordagens falar do modelo tradicional e o modelo actual da avaliação sem menosprezar os diferentes modelos intermédios de avaliação.
A avaliação dos tempos modernos conforme refere DIAS SOBRINHO (2003) foi precedida da docimologia que era praticada na China e na Grécia na antiguidade, que embora não implicasse provas escritas, fazia – se verificação das aptidões dos seleccionados. Já no século XIX, a indústria usava avaliação para classificação e selecção dos recursos humanos e de forma directa a educação devia regular, seleccionar e hierarquizar estudantes para satisfazer exigências do mercado laboral.
Para simplificar o nosso debate, os modelos ou paradigmas da avaliação propostos por ALVES (2004) podem ser objectivista, subjectivista e interaccionista.
No modelo tradicional objectivista, a avaliação é vista como técnica numa concepção positivista e behaviorista de converter fenómenos sociais de carácter qualitativo em fenómenos quantificáveis (Ibid.). Avaliação é vista como medida porque avaliar e medir eram sinónimos com o uso de testes tecnicamente bem construídos na óptica de FERNANDES (2005). Neste modelo segundo DIAS SOBRINHO (2003) insere – se a primeira geração da avaliação, alguns autores consideram na de pré-TYLER nos finais do século XIX e primeira metade do século XX, onde o paradigma positivista centrado nas diferenças individuais enfatizava a psicometria com o uso massivo de testes, evidenciando os conceitos de medição e verificação.
A segunda geração da avaliação, marcadamente influenciada por TYLER em 1934, os objectivos educacionais tornam – se o centro da avaliação (pedagogia por objectivos ); permanece segundo FERNANDES (2005) positivista e objectivista visto que os resultados dos testes eram indicadores para se qualificar um individuo. A avaliação é vista como descrição porque apenas os alunos são vistos como objectos da avaliação .
A considerada terceira geração da avaliação que entre 1946-1957 por não se ter inovado, caiu no descrédito, pois apenas apostou no contínuo desenvolvimento dos testes como instrumentos de avaliação segundo DIAS SOBRINHO (2003). Na mesma linha de pensamento, Guba e Lincoln (1989) consideram esta como geração de formulação de juízos sobre objectos da educação embora mantendo as funções e técnicas descritivas das gerações anteriores Sobre os contextos históricos e sociais propostos por FERNANDES (2005) em que evoluiu a conceptualização da avaliação, Guba e Lincoln (1989) afirmam que os significados da avaliação não devem se desligar por meras convicções filosóficas, pelo contrário devem se respeitar os propósitos que se pretendiam alcançar.
Sintetizando sobre as três gerações, a avaliação se foi tornando mais complexa e sofisticada ao passar a incluir professores, currículos, programas, meios de ensino e as próprias políticas, todavia teve assinaláveis limitações ao atribuir falhanços educativos aos professores e alunos, a dificuldade de as avaliações acomodarem a pluralidade de valores e de culturas existentes nas sociedades actuais e a dependência em relação os processos de quantificação através da utilização de instrumentos considerados neutros, normalmente testes, que medem com rigor e objectivamente o que os alunos sabem(Ibid.,60).
A quarta geração da avaliação entre 1958-1972 apontada por DIAS SOBRINHO (2003), considerada de realismo, foi caracterizada pela elaboração de programas de avaliassem o ensino como um todo, as decisões a serem tomadas constituíam o centro da avaliação enquanto que FERNANDES (2005) apud Guba e Lincoln (1989), afirmam que num contexto em que a avaliação é vista como negociação e construção, propõem uma quarta geração de avaliação, de ruptura epistemológica com as anteriores, que supostamente responderá às dificuldades detectadas. Enquanto isso, Cardinet (1986) propunha que: não se poderiam reter (reprovar) alunos na educação básica; deixariam de ser atribuídas quaisquer classificações numéricas antes do 9° ano; a avaliação era, obrigatoriamente, de natureza formativa.
Quanto a nós, o modelo actual de avaliação começa com a geração do profissionalismo em 1973, onde a avaliação centra – se no trabalho prático, experiências e tomada de decisões a avaliação torna – se uma área de estudo, surge a meta-avaliação, o positivismo é questionado conforme afirma DIAS SOBRINHO (2003) , começam os enfoques de carácter qualitativo, a avaliação como julgamento de valor e mérito, torna – se parte essencial do processo de ensino-aprendizagem embora persiste a tradição positivista dos testes como garantia de objectividade e fidelidade na certificação dos indivíduos.
Continuamente até aos dias de hoje, a avaliação desenvolveu – se dentro das dinâmicas sociais contraditórias e passa a ser interaccionista ao incorporar a negociação e construção como um dos seus valores e procedimentos centrais, onde ela e mais democrática, a noção de aprendizagem e vista como construção de novos significados e não mudança de comportamento.
Podemos concluir que os paradigmas que marcam a própria evolução histórica da avaliação sobretudo até à terceira geração , podemos agrupa-los dois modelos: o tradicional caracterizado pelo enfoque marcadamente classificatório, de medir de culpar e punir e por fim era um fim em si mesma. O Segundo modelo que propomos, seria o emergente e actual; que a avaliação enquanto uma construção social que tem em conta todos os contextos, progressivamente busca aperfeiçoamentos, procura dar enfoque ao consenso, a auto – critica, à reflexão, promove investigação e enfatiza cooperação aluno-professor.

Funções da avaliação

As funções da avaliação dotam o professor de mecanismos que lhe permitam conhecer e orientar o aluno, detectar as dificuldades durante o processo de ensino – aprendizagem.
De acordo com SOUSA (1997), as funções da avaliação são de diagnosticar interesses, habilidades e dificuldades; reinformar aos intervenientes do processo de ensino – aprendizagem para facilitar replanejamento e por último, favorecer o desenvolvimento individual e estimular o crescimento.
Para PERRENOUD (1999), uma das funções da avaliação em relação à família do aluno é de prevenir, impedir e advertir, sobre aprovação, reprovação ou não admissão do seu educando. A função tradicional é de certificar aquisições em relação a terceiros conferindo diplomas. Por último a avaliação serve para controlar a evolução dos alunos no processo de ensino-aprendizagem.
Sobre o mesmo assunto, AFONSO (2005), afirma que uma das funções da avaliação é promover competição entre os alunos e escolas, estabelecer relação entre conteúdos e formas de avaliação; selecção e alocação diferencial dos indivíduos, regular e assegurar a articulação entre as características das pessoas em formação e as características do sistema.
Num outro desenvolvimento SOUSA (1997) afirma que avaliação da aprendizagem tem três funções principais: prognosticar os pré – requisitos que o aluno possui para novas aprendizagens, avaliar progressivamente o aluno e diagnosticar as causas que impedem ocorrência da aprendizagem.
De uma forma geral, baseando no posicionamento deste autor, a finalidade principal da avaliação é fornecer informações sobre o processo pedagógico que facilitem aos agentes escolares na tomada de decisões, nas intervenções e redireccionamento da aprendizagem a favor do aluno.
Quanto a nós a função da avaliação, é favorecer o cumprimento dos objectivos da aprendizagem e ajudar a cooperação entre aluno e o professor; auto e hetero – avaliação; verificar ausência ou presença de habilidades, controlar a eficácia dos planos, dos métodos, dos objectivos propostos e possibilita em ultima instância na tomada de decisões além de permitir o acompanhamento de resultados.


Avaliação no ensino de História: Breve relato de experiências

Avaliação da aprendizagem tem carácter formativo segundo AFONSO (2005), acompanhando a construção do conhecimento de forma sistemática, sequencial e organizada de forma qualitativa, individual e colectiva e visa responder qualitativamente aos objectivos da educação.
Com este posicionamento podemos inferir que a avaliação não visa classificar ou excluir, pelo contrário tende formar e garantir a consecução dos objectivos previamente concebidos.
Debruçando sobre este assunto, PERRENOUD (1999) afirma que no caso da avaliação educacional, ela consome metade do tempo das actividades destinadas ao processo de ensino-aprendizagem com a elaboração de provas e correcção, administração das provas e recorrecção das provas contestadas.
A nossa experiência no ensino de História revela-nos que o professor no I ciclo do ESG em Moçambique, deve leccionar 24 tempos lectivos por semana e isso no mínimo implica trabalhar com doze turmas de 60 alunos no mínimo. O espaço que separa as avaliações é de quatro semanas, o professor não tem tempo disponível para programar actividades que superem o fracasso escolar revelado no processo da avaliação. A correcção dos testes absorve os tempos livres do professor, os prazos para disponibilizar os resultados à direcção da escola são apertados e retira alguma qualidade de avaliação no concerne à selecção de conteúdos a avaliar, quantidades de testes por corrigir e qualidade de ajuizamento durante o processo de correcção. Por exemplo, na minha segundo o calendário de avaliação referente ao fim do segundo trimestre, termina numa sexta-feira, mas na segunda-feira seguinte se preconiza a correcção e entrega dos testes, na segunda aula semanal deve-se divulgar as notas aos alunos e no inicio da outra semana, portanto segunda feira, o professor deve entregar os resultados estatisticamente organizados aos gestores da escola e de imediato deve iniciar o pré-conselho. No caso aqui referido está-se gerindo um universo de 980 alunos.
Neste dilema, conforme o HAYDT (1995), avaliação enfrenta dificuldades da sua própria inovação, coloca os professores em campos opostos não há unamidade na equipa pedagógica , os alunos trabalham pela nota e neste processo estabelecem – se competições, estresse, sentimentos de injustiça, angústias em relação aos pais, ao futuro e auto-imagem do educando. Estabelece – se uma relação utilitarista e cínica do saber; o aluno investe para resultados sem olhar para os meios e conserva o conceito de equidade dos exames.
O que assistimos na escola é que a articulação da comunidade escolar face ao rendimento pedagógico é desconexa, o professor não consegue contornar a educação que o aluno traz de casa, os pais apenas esperam que os educandos tragam bons resultados no fim de cada ciclo de aprendizagem, a direcção da escola e outras instituições superiores estão preocupadas com dados estatísticos que forçosamente devem se revelar satisfatórios para não penalizarem o professor e este em última instância só lhe resta uma saída: acusar o aluno de não aprender sem contudo identificar as causas que levam este aluno ao fracasso.
Para PERRENOUD (1999) a avaliação formativa consome tempo mas, regula as aprendizagens; permite a integração de didácticas inovadoras explica erros, sugere estratégias e alimenta acção pedagógica Na tentativa de colher experiências práticas da regulação da aprendizagem, constatamos durante uma pequena pesquisa durante as aulas de História nas turmas da 10ª Classe que o aluno auto-avalia-se, sabe identificar as causas do fracasso escolar em cada disciplina, aponta casos de professores culpados pelo baixo rendimento, propõe ideias para superar o seu próprio fracasso escolar. Entende-se assim que de forma negociada pode-se identificar as dificuldades de aprendizagem enfrentadas pelos alunos e a avaliação formativa de forma funcional pode regular as aprendizagens.
A avaliação formativa na perspectiva de PERRENOUD (1999) enfrenta várias dificuldades: turmas numerosas, meios de ensino, extensão dos programas, os horários; os modelos de avaliação imposto aos professores e outros problemas institucionais – avaliação formativa choca – se com outros tipos de avaliação já instalados e o professor é obrigado a gerir mais que um sistema duplo de avaliação. No caso concreto, do ensino de Historia na 10ª Classe, a conjugação de métodos de ensino conforme as condições reais de aprendizagem torna-se imperiosa, apesar da extensão das turmas, se o professor assumir o papel de organizador e moderador de situações de aprendizagem, os alunos tem colaborado na pesquisa e construção autónoma do conhecimento. A experiência mostra nos que o aluno da 10ª Classe, concretamente no ensino-aprendizagem de História, quando bem orientado sabe fazer pesquisa, produz pequenas fichas e apresenta os resultados da pesquisa aos colegas na sala de aula, o mais interessante ainda, o aluno traz mais informação que o professor sabe-tudo.
Actualmente a avaliação educacional segundo PERRENOUD (1999), procura ser menos selectiva, mais quotidiana, diferenciada e democrática, de regulação sem entrar em ruptura com a avaliação tradicional. Toda a avaliação no óptica de BONNIOL (2001) devia ser pensada em função de objectivos e resultados pretendidos para se examinar o grau de adequação das decisões a tomar.
Na mesma linha de pensamento HAYDT (1995) defende que a avaliação faz parte de um processo de ensino – aprendizagem, consiste no trabalho do docente em verificar e julgar os rendimentos dos alunos; a avaliação está sempre na sala de aula, não deve ter como metas atribuir notas mas sim realizar.
Olhando a avaliação como um instrumento de socialização conforme afirma AFONSO (2005), o homem não deve ser apenas objecto da avaliação; pressupõe emancipação do aluno e assegurar igualdade de oportunidade reais em todos os momentos. Concordando com este autor, o professor deve criar condições equitativas reais para todos os alunos para qualitativamente avaliar-se o que pretendemos, sob pena de esta avaliação se tornar exercício inútil.
Pensando numa avaliação orientadora, é importante admitir que o fracasso escolar pode ser gerado pela escola e não pelos alunos segundo Depresbiteris apud Davis (1990): Há uma questão anterior que é: porque é a criança não aprende e fracassa? que se passa com a criança, do ponto de vista cognitivo, que a impede de constituir estratégias de construção de conhecimento que lhe permitam compreender, discutir, reelaborar e utilizar dinamicamente os conteúdos que a escola lhe apresenta formalmente [?]…Os erros podem ser classificados em: erros cometidos pela criança porque esta apesar de possuir a estrutura de pensamento necessária à solução da tarefa, selecciona procedimentos inadequados para a resolução; erros cometidos pela criança porque não possuía a estrutura de pensamento necessária à solução da tarefa; erros cometidos pela criança porque a estrutura de pensamento que possui não é suficiente para solucionar a tarefa…(p.64-65) Avaliando o comentário acima, podemos notar que durante o processo de avaliação há uma necessidade de identificarmos o grau erros que o aluno comete, agrupa-los e seleccionar instrumentos e técnicas para apoiar o aluno na superação das dificuldades.
Concluindo podemos afirmar que a avaliação é um processo integrante, negociável e democrático de ensino-aprendizagem, é continuo e sistemático, tem com enfoque detectar o alcance de objectivos do ensino previamente estabelecidos. A avaliação formativa no mundo contemporâneo é fundamental para todo o processo avaliativo se obedecer as etapas, os princípios e os procedimentos para dentro das metas educacionais identificar as causas de insucesso escolar, propor e introduzir estratégias alternativas no processo de ensino-aprendizagem.


Bibliografia

AFONSO, Almerindo J. Avaliação educacional - regulação e emancipação: para uma sociologia das politicas avaliativas contemporâneas.3,ed. S. Paulo, Cortez Editora,2005.
ALVES, Maria Palmira Carlos. Currículo e avaliação: uma perspectiva integrada. Porto, Porto Editora,2004.
BONINIOL, Jean Jacques e Vial, Michel, Modelos de avaliação: textos fundamentais. tradução de Cláudia Schililling, Porto Alegre, Artmed, 2001.
DEPRESBITERS,Lea. Avaliaçao da aprendizagem-Revendo conceitos e posições. S.Paulo. S/d FERNANDES, Maria E. Avaliação Institucional da escola: base teoria e construção de projecto. 2ed Fortaleza, edições democrático, rocha, 2002.
FERNANDES, Domingos. Avaliação das aprendizagens: desafios e teorias, praticas e politicas. Lisboa, texto editores, 2005.
PERRENOUD, PHILIPPE, Avaliação da excelência a regulação das aprendizagens: entre as lógicas. Tradução de Patrícia Ramos. Porto Alegre, Artemed. 1999 RIBEIRO, Lucie C. Avaliação da Aprendizagem. 4ªed. Texto Editora Sousa, Clariza Prado de (org.). Avaliação do rendimento escolar. 6ª ed. Campinas, Papirus, 1997.
VALADARES, Jorge e GRAÇA, Margarida. Avaliando …para melhorar a aprendizagem. Lisboa, Plátano Editora,1998.



ENSINO-APRENDIZAGEM DE SABERES LOCAIS EM CHIDENGUELE

domingo, 3 de junho de 2012 by Fernando Marcos Nhantumbo | 0 comentários
Por:

Fernando Marcos Nhantumbo


RESUMO


O presente estudo, com o tema: Ensino-aprendizagem de Saberes Locais na Localidade de Chidenguele, analisa a integração de conteúdos locais nos programas do II ciclo do ensino básico através do currículo local. Fez-se revisão bibliográfica da qual se infere que o currículo é um artefacto social no qual se estabelecem visões sociais particulares enriquecidas de diversidades locais dentro da diversidade cultural e a escola tem a missão histórica de garantir a reprodução e reaparecimento de identidades culturais que relacionem o indivíduo e a cultura. Assim com o presente trabalho procura-se ver até que ponto esta demanda é exequível na Localidade de Chidenguele face à introdução dos saberes locais no currículo do Ensino Básico. Na aferição da maneira como esse processo é localmente conduzido chega-se à conclusão de que as opções metodológicas do ensino destes saberes constam no rol das discussões num contexto em que a partilha de responsabilidades entre a comunidade e a escola é questionada na medida em que existe diapasão entre os saberes seleccionados e o processo de leccionação destes. As conclusões principais demonstram que a comunidade de Chidenguele dispõe de um rico mosaico cultural que pode ser captado e integrado no currículo local desde que a escola se potencie metodologicamente para o sucesso deste processo.
Palavras-Chave: Cultura, currículo local, ensino básico, ensino-aprendizagem, saberes locais.

ABSTRACT

This study, with the theme: teaching and learning of Local Knowledge in the Locality of Chidenguele, discusses the integration of local content program II cycle basic education across the curriculum. Literature review was made which infers that the curriculum is a social artifact in which personal social views of local diversities within the rich cultural diversity and the school has the historic mission of ensuring reproduction and reappearance of cultural identities which relate the individual and culture. So with this work is an attempt to see how far this demand is feasible in the Locality of Chidenguele cope with the introduction of local knowledge in the curriculum of basic education. In gauging how this process is locally driven appears to the conclusion that the methodological options of education knowledge listed in list of discussions in a context where the sharing of responsibilities between the community and the school is questioned in that there is a pitch between the selected knowledge and teaching process. Key findings demonstrate that the community of Chidenguele has a rich cultural mosaic that can be captured and integrated into the local curriculum since the school is methodologically stepped up to the success of this process.

Key-words: Culture, local curriculum, basic education, teaching-learning, local knowledge.

INTRODUÇÃO

O presente artigo discute sobre o processo de ensino-aprendizagem de saberes locais na Localidade de Chidenguele, numa altura em que o novo currículo do ensino básico em Moçambique, concebido em 2003, reformulando o currículo do Sistema Nacional de Educação introduzido em 1983, pela lei nº4/83, de 23 de Março e revisto em 1992 pela lei 6/92 de 6 de Maio, apresenta inovações e estratégias para corresponder aos desafios que continuamente são colocados pelo desenvolvimento da sociedade.
Estruturado em 3 áreas curriculares, nomeadamente: Comunicação e Ciências Sociais, Matemática e Ciências Naturais e Actividades Práticas e Tecnológicas, tal currículo pretende desenvolver, em paralelo, uma comunicação multifacetada cada vez mais abrangente, partindo do meio local e passando pelo nacional até atingir o internacional, no quadro do conhecimento da complexidade do social, com a primeira área; habilitar a mente com o fim de permiti-la interpretar a natureza que o rodeia, tendo como fim estabelecer um equilíbrio amistoso com esta, com a segunda e proporcionar que o aluno tenha a capacidade de observar, imaginar e expressar-se artística e fisicamente, com a terceira (MINED/INDE, 2003).
O interesse pelo estudo dos aspectos que garantem a sobrevivência da cultura chope, enquadra-se nos estudos de micro-contextos para o resgate de saberes locais para respectiva integração nos programas de ensino. A inclusão de saberes locais dinamiza o processo de ensino-aprendizagem, aproxima e contextualiza, de certa maneira, a cultura local na escola moderna. A presente pesquisa insere-se também num contexto em que se valoriza a construção, sistematização e divulgação de conhecimentos novos a partir da comunidade, valorizando todo o tipo de fontes disponíveis. O estudo e apreensão de condições sócio-culturais de comunidades antes não divulgadas contribuem para a interacção entre os saberes locais e para a construção de uma perspectiva global.
Partindo do papel da escola como mobilizadora das condições para a concretização do saber local, com o artigo pretende-se conhecer o processo do resgate e da integração destes no currículo do ensino básico do II grau, numa altura em que o plano curricular, concebido pelo MINED (2003), e em sintonia com as linhas de pesquisa da Universidade Pedagógica, recomendam a pesquisa e integração de conteúdos locais no currículo oficial. Em parte, conjectura-se existir um diapasão entre os saberes locais pretendidos pela comunidade e a leccionação destes pela escola. De facto, as evidências indicam que um dos grandes desafios é como partir do ensino de saberes locais num contexto de globalização, como referencia LOPES (1999), para atribuir significados universais aos conteúdos ministrados a nível local, para que, numa sociedade multicultural, o aluno saiba aceitar a diferenciação e o diverso como base das relações sociais.
O interesse surge, também, pelo facto de os poucos estudos anteriormente feitos sobre aquela região, não fazerem alusão ao processo de transmissão de normas e valores culturais daquela comunidade. Assim, constituem-se como motivações para o presente estudo, a utilidade prática do currículo local, os saberes locais da comunidade de Chidenguele e caracterização do processo de selecção e integração destes nos programas do II ciclo do ensino básico naquela comunidade.
Para a presente pesquisa foi usada uma das metodologias usadas pelos historiadores das mentalidades para captar os modos colectivos de vida que, segundo BARROS (2008), tem sido a eleição de um privilegiado, como é o caso da localidade de Chidenguele, que funcione como um lugar de projecção de atitudes colectivas desde que se considerem significativas para a percepção de uma mentalidade cultural mais ampla. Assim, a pesquisa visa analisar o processo de integração de saberes locais no currículo do ensino básico a partir da experiência da Escola Primária e Completa Eduardo Mondlane de Madendere na Localidade de Chidenguele.


CONCEITOS DE CURRÍCULO E SABERES LOCAIS

No presente artigo são usados alguns conceitos operatórios para a compreensão do mesmo, como o são o de currículo e saberes locais. Entende-se por CURRICULO LOCAL, o complemento do currículo oficial ou nacional, concebido a nível central, que integra saberes diversos de vida ou de interesse da comunidade local nas diferentes disciplinas previstas no plano de estudos (MINED/INDE, 2003). Uma das finalidades fundamentais do currículo, segundo SANTOMÉ (1998), é de preparar os alunos para serem cidadãos activos e membros críticos e solidários em qualquer sociedade similar. Para este autor, os alunos precisam de intervir na sociedade na qual fazem parte, desenvolvendo uma reconstrução reflexiva e crítica da realidade. Finalmente, o currículo, segundo MOREIRA (2002), transmite visões sociais particulares e interessadas, produz identidades individuais e sociais.
Para GEERTZ (1997) o saber local é a forma de agir colectiva na aldeia e esclarece que são os hábitos e as práticas. Finalmente, entende-se por SABERES LOCAIS como universo de significados culturais que as pessoas comuns lhes conferem sentido num determinado lugar (BIERSACK 2001). Saberes Locais, segundo BARROS (2008), se resumem também à uma totalidade de bens culturais produzidos pelo homem na localidade, procurando dar ideia de uma cultura única tomada de forma generalizada. Um conceito conexo, usado ao longo do artigo é o de PRÁTICAS CULTURAIS, que na óptica de BARROS (Ibid.), são técnicas e realizações de objectos culturais produzidos numa sociedade, referindo-se também aos usos e costumes que caracterizam essa sociedade, aos modos como os homens falam e se calam, comem e bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou recebem estrangeiros (p.77). Portanto, o facto de as práticas locais se referirem ao conjunto de modos de vida e atitudes, estes geram padrões de vida quotidiana ou cultura que-se tornam conteúdos ou saberes locais transmissíveis para as novas gerações; as práticas geram representações que devem ser ensinadas, por exemplo, a tecelagem de capim é uma prática cultural, o seu ensino no contexto de saberes locais contribui para difusão de novas práticas.


ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS DOS CHOPES EM CHIDENGUELE

Tal como apresentou-se nas páginas precedentes, o presente estudo foi concretizado na Localidade de Chidenguele, que fica situada na região litorânea do distrito de Mandlakazi, Província de Gaza no Sul de Moçambique, entre as latitudes 24° 50’ e 24° 55’02’’ Sul e entre as longitudes 34° 10’ 07’’e 34° 15’ Este, junto à EN1, a 270 km de Maputo (CENECARTA). Actualmente, a Localidade de Chidenguele tem como limites: A Norte é limitada Localidade de Betula, ao Sul pelo Oceano Indico; a Leste pelas povoações de Barramo e Nhachengo e a Oeste, pela povoação de Matimuli.
A Localidade de Chidenguele evoluiu, historicamente, com o actual distrito de Mandlakazi que, em 1908, foi a sede da 8ª circunscrição civil dos M’chopes, divisão administrativa do extinto distrito de Gaza e integrada na então área do distrito de Lourenço Marques, segundo a Portaria 421 no BO 40/1908 . Em 1942, a circunscrição dos M’chopes passou a pertencer ao Posto Administrativo de Chidenguele conforme a Portaria 4941 no BO 49/1942 (RAFAEL 1981, p.160-161).
Esta circunscrição integrava Magicane, antiga designação da actual Localidade de Chidenguele, Posto Administrativo criado em 1921 pelo BO 27 e extinto em 1923 pela portaria 584 do BO 40 do mesmo ano. Em 1942, o posto foi reaberto com a nova designação de Posto Administrativo de Chidenguele, através da portaria 4941 do BO 49 do mesmo ano.
A Localidade de Chidenguele foi regedoria até 1975 e tem uma superfície de 897 km2, (Ibid., 1981, p.100 e 147). A região de Chidenguele é habitada por chopes, que presume-se serem um conglomerado de tribos ou segmentos que se fixaram na região de migrações anteriores provenientes de vários quadrantes da África Austral. O termo chope foi lhe atribuído pelos angunes pelo facto de arremessarem flechas. Os grupos mais representativos foram três e todos vinham da região dos Karangas: Valói, Langa e Guambe (DE MATOS 1973, p. 3-4) . Faz-se também referência de atribuir-lhes origem Chona-Caranga por motivos históricos linguísticos e por alguns traços culturais específicos (DA SILVA, 1969, p. 351).
Das constatações feitas na região em estudo e confirmadas pelos informantes arrolados durante a pesquisa, a família é constituída por duas pessoas de sexos diferentes, sendo o homem, portanto “dhijaha” ou “wamhuana”, e uma mulher, “wansikati”, têm a função não só de procriar para assegurar a continuidade da linhagem do marido, mas também a de garantir o sustento do marido e filhos, “vhanana”, que entre eles são irmãos, “ tindia”. A mulher lidera as actividades agrícolas, grupos domésticos e económicos na presença ou ausência do marido, quando este trabalha fora da região.
A economia na comunidade de Chidenguele é assente numa agricultura influenciada pela dependência ecológica e por isso é de subsistência familiar, marcada por um fraco rendimento. O cultivo da terra é feito geralmente por membros de uma família, com maior destaque para as mulheres, só depois cada um pode realizar outras actividades secundárias.
No contexto das cosmologias locais, no Sul de Moçambique, onde os chopes se inserem, quando uma pessoa morre o seu espírito permanece enquanto manifestação do seu poder e da sua personalidade. A morte marca apenas a transição existencial, daí que o morto exerce uma influência poderosa sobre a sociedade, guiando e controlado a vida dos seres humanos (HONWANA 2002, p.14). Os mortos tornam-se “antepassados-deuses” da família, residentes nos túmulos e relacionam-se com os descendentes vivos revelando-se nestes sob forma de animais (geralmente cobras), através dos sonhos, levando os descendentes a consultar ossículos (“tihlolo”) e a respeitar o veredicto dos antepassados (JUNOD 1946, p. 352-366).
Na Localidade de Chidenguele as expressões artísticas resumem-se na produção de objectos utilitários na vida diária das populações. Destaca-se a escultura feita, com alguma perícia, por homens, a partir de madeira na produção de pratos, copos, colheres, pilão, máscaras, batuques e algum mobiliário.
No terreno constatou-se que, dos elementos que perfazem a cultura chope, isto é, todas as práticas enunciadas, sejam elas materiais ou imateriais, a sua perpetuidade é assegurada pela transmissão destes pelos mais velhos ao longo de gerações dentro da comunidade, com base na tradição oral e em actividades práticas. A educação moderna e o contacto com outras culturas apenas contribuem parcialmente para o abandono da rigidez de certas práticas.


OS SABERES LOCAIS EM CHIDENGUELE

Para análise do processo de ensino-aprendizagem de saberes locais na Localidade de Chidenguele, capitalizou-se o processo de captação, integração e ensino destes na Escola Primária e Completa Eduardo Mondlane de Madendere. É à volta desse património, transmitido pelos mais velhos para as novas gerações que deve servir de fundamento para o resgate e ensino dos saberes locais pela escola.
Na comunidade de Chidenguele e, particularmente, no caso da escola onde decorreu o estudo, no início de cada ano lectivo, em assembleia-geral da escola, a comunidade é auscultada sobre os saberes locais que a mesma sugere como importantes para a respectiva integração no currículo local. Os conteúdos seleccionados são encaminhados à ZIP que, por sua vez, endereça à direcção distrital de educação em Mandlakazi para aprovação e posterior comunicação às escolas para a respectiva integração no currículo e leccionação nas escolas. Desse rol de práticas culturais, constatou-se, também, que maior parte dos temas são integrados nas disciplinas de Ofícios, Ciências Sociais, Ciências Naturais, Educação Física e nas actividades extra-curriculares. A transversalidade dos conteúdos locais facilita a respectiva abordagem também nas restantes disciplinas curriculares conforme as situações de ensino-aprendizagem.
De acordo com o informante PF1, na disciplina de Ofícios, ensina-se algumas noções sobre a cestaria a partir da 5ª classe, onde o aluno produz diversos artigos ligados à cestaria na 6ª classe e na 7ª classe consolida a prática desta arte. Em simultâneo, aprende a decorar as suas obras.
O ensino da tecelagem começa teoricamente na 4ª classe e nas classes subsequentes são realizadas diversas actividades práticas ligadas a esta actividade. As actividades económicas, nomeadamente a agricultura, a pesca e a modelagem, são ensinadas nos respectivos temas integradores nas disciplinas de Ofícios e Ciências Naturais na 7ª classe. O culto dos antepassados é abordado com destaque no II Ciclo na disciplina de Ciências Sociais onde são enaltecidos os valores e importância desta prática nas famílias nomeadamente, kupahla, phasseka e txidhilo. Ligado a esta temática, fala-se das religiões locais na disciplina de Educação Moral e Cívica na 7ª classe. A gastronomia no contexto do saber local é ensinada no respectivo tema integrador na disciplina da Língua Portuguesa na 7ª classe. Os ritos de iniciação que no caso concreto desta escola fala-se da circuncisão masculina, são ensinados na 6ª classe quando se fala da adolescência. De facto, no caso concreto da EPC Eduardo Mondlane em Madendere, constatou-se, durante as aulas, a ministração de saberes locais onde ambos sexos realizam as mesmas actividades e assim, postula-se que, doravante, as raparigas daquela região sejam capazes de realizar actividades práticas antes reservadas aos rapazes, embora, ao nível familiar, executem, na base do género, tarefas tradicionalmente reservadas às mulheres. Notou-se ainda que os alunos com domínio de certas práticas locais são moderadores para ensinar os outros, prática que, aliás, tem sido a mais usada.
Partindo dos Programas das Disciplinas do ensino Básico (INDE/MINED, 2003) entende-se que as Ciências Sociais no ensino básico, concorrem para formação integral do aluno, ao integrarem as disciplinas de História, Geografia e Educação moral e Cívica que, em parte, detêm conhecimentos que podem ser transmitidos de forma transversal noutras disciplinas e classes. No caso do enfoque do presente estudo, as Ciências Sociais do II Ciclo, concretamente na 4ª classe, o aluno deve desenvolver competências e habilidades de apreciar a sua cultura, respeitar direitos, padrões de comportamento e crenças de outros, reconhecer o passado, desenvolver o sentido de auto-estima, reconstruir a sua história e da sua aldeia. Para o efeito, são ministrados, em primeiro lugar, os conteúdos sobre a família, onde se analisa o papel social, económico e cultural dos membros da família dentro da comunidade, visando valorizar os elementos de identificação cultural da zona onde a família está inserida. Em segundo, são ministrados conteúdos ligados à história da escola e em terceiro, o conhecimento do património e da tradição cultural da sua província, com intuito de identificar os valores de cultura, costumes e tradições de outras comunidades da sua província.
Na 5ª classe, o aluno consolida o reconhecimento do passado ao reconstituir as formas de vida das populações de há muito tempo e relacionar com a fixação de outros povos, responsáveis pela configuração do actual património cultural do país, caracterizado pela existência de diferentes grupos etnoculturais, isto é, diferentes tradições culturais.
Constata-se assim que os conteúdos apresentam interconexões partindo da realidade mais próxima, observável e interpretável pelo aluno, usando conceitos de iniciação conhecidos na língua local, para aceder à situações de aprendizagem mais complexas, à medida que o aluno frequenta classes cada vez mais avançadas. Reconhece-se, neste contexto, que a língua é um pilar principal para obtenção de competências básicas para o reconhecimento do passado e enquadramento de diversos conhecimentos sobre a comunidade, como o é o caso de Chidenguele, de modo que, partindo do tempo e do espaço, se estabeleçam comparações com outras culturas que são difundidas pela globalização. Todavia, a formação de um cidadão com uma visão multicultural torna-se um desafio, mesmo sabendo-se que a apreciação da própria cultura local parte com o uso da língua que, no caso particular, é o chope.
A realidade demonstra que no que concerne às Ciências Sociais, o património cultural chope embora seja conhecido pelos alunos oriundos da região, não é resgatado pela escola para posterior sistematização, facto testemunhado pela falta de informação já escrita resultante desse repertoriamento de conteúdos locais pelos professores. Estes factos demonstram que, com a falta de sistematização destes saberes pela escola, o aluno não é preparado para a organização e progressão científica dos conhecimentos. Consequentemente, não tendo subsídios locais sólidos, dificilmente poderá estabelecer comparações com outras realidades mais longínquas, num contexto em que, segundo MINED/INDE (2003, p. 26 e 27), a real integração acontece na escola onde o professor, a direcção e outros interessados devem realizar diversas actividades extra-curriculares, que complementem o ensino-aprendizagem promovido na sala de aulas aproveitando também todas as possibilidades envolventes na região.
As danças e os jogos tradicionais, o artesanato, os ritos de passagem, o culto dos antepassados, o respeito pelas tradições, a estrutura sócio-familiar e as actividades económicas locais de auto-sustento, são elementos sócio-culturais que, segundo a comunidade, devem ser perpetuados e assim se defende a integração definitiva destes no currículo local daquela comunidade. As inovações trazidas pela miscigenação cultural num processo lento, não são vistas como um processo de extinção da cultura chope. Numa outra vertente, a auscultação anual à sociedade para a identificação de saberes locais pertinentes para a respectiva integração no currículo local, precedida de um longo processo burocrático desde a escola ao distrito e vice-versa, caracterizado pela morosidade na tramitação do expediente, atrasa a planificação do ensino destes saberes pelas escolas. Portanto, não são integrados em tempo útil e, em parte, o aproveitamento dos 20% do tempo lectivo, destinados a conteúdos locais, se revela deficitário.
A língua chope, que é o principal veículo da cultura local, não é de total ou parcial domínio por parte dos professores, na medida em que no ensino de saberes locais se recomenda o uso de conceitos conhecidos pelos alunos na língua local.
Neste rol de constrangimentos, constata-se também que no II Ciclo, a exiguidade de professores falantes desta língua, aliada ao fraco desempenho no resgate de conteúdos locais por parte destes, penaliza o processo de ensino-aprendizagem de saberes locais. Numa altura em que a língua não é apenas um instrumento de comunicação mas também um instrumento de transmissão de culturas e que a sua preservação é vista como um direito humano, espera-se que o professor funcione como mediador cultural, usando a língua local para animar as aulas e ajudar os alunos a aprender (MINED/INDE, 2003).
A realidade demonstra que na escola onde se realizou o presente estudo, a língua chope como um factor de identidade cultural, é partilhada apenas de forma intensa entre os alunos e não como um instrumento de ensino. De facto, durante a assistência das aulas notou-se que os professores limitam-se às informações constantes no manual do aluno devido à ausência de pesquisa de valores de cultura local. As experiências da vida que as crianças trazem da comunidade para a escola acabam não sendo devidamente sistematizadas para que de forma científica se enquadrem em outros conhecimentos universais. Os saberes locais na Localidade de Chidenguele são entendidos apenas como actividades profissionalizantes que contribuem para o desenvolvimento da comunidade. O fraco desempenho dos professores dificulta, em parte, para que o aluno seja capaz de observar, interpretar, analisar, sintetizar e avaliar os diversos aspectos sócio-culturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino de práticas locais se revela importante pela polivalência dos seus métodos, carácter transversal e interdisciplinar. A criança é ensinada o essencial, o indispensável para a vida e a utilidade do que aprende com as realidades da vida. E assim, estas práticas devem ser resgatadas e integradas de forma definitiva e não anualmente, embora a sociedade esteja livre para ajustar oportunamente, todos os conteúdos locais que, pela sua natureza, se harmonizem com a cultura local e tragam uma mais-valia para o ensino na escola formal.
Os cursos de formação de professores em todos os níveis devem incluir as metodologias de investigação científica, sobretudo da pesquisa do campo. A selecção dos professores deve ser vocacional e qualitativa. A capacitação pedagógica e metodológica periódica por técnicos qualificados pode contribuir para elevar o índice de intervenção dos professores. A articulação entre a escola, comunidade, ZIP, direcção distrital e outras instituições interessadas no resgate e ensino de saberes locais deve ser mais dinâmica, pontual e menos burocrática. As metodologias e finalidades do ensino de saberes locais devem ser revisitadas constantemente para garantirem a integração do cidadão na cultura geral da humanidade.
A presença de comunidades não chopes na localidade evidencia a diversidade cultural no meio em que o aluno vive e assim desconstrói-se a ideia de isolamento ou exclusão cultural. Há condições para o aluno distinguir diferenças e semelhanças, comparar realidades culturais, distinguir continuidades, descontinuidades e transformações que se verificam na cultura local. A presença de outras culturas na comunidade local deve, ainda, ser aproveitada para a transmissão da cultura de tolerância e convivência em relação às outras culturas do vasto Moçambique e do mundo em geral. Este posicionamento é enaltecido por FORQUIN (1993), ao afirmar que o pluralismo cultural não existe somente entre nações, ele está no interior das nações, no interior das comunidades que as compõem e os próprios indivíduos não escapam à lei geral da diferenciação interna e mestiçagem. A escola deve criar espaços para que o aluno estabeleça uma correlação entre outras realidades e o seu meio. As crianças devem encontrar recursos e referências simbólicas na comunidade local, capazes de preservar a identidade cultural.
O processo de ensino-aprendizagem de saberes locais na Localidade de Chidenguele levanta algumas inquietações que, embora não comprometem os objectivos do presente estudo, se revelam pertinentes para reflexão.
O entendimento sobre o conceito de saberes locais e as respectivas metodologias de ensino é diversificado e em alguns casos nota-se um relativo desconhecimento pelos professores. Partindo desta realidade, questiona-se o enquadramento entre a formação dos professores e o ensino de saberes locais numa altura em que se regista um défice no ensino de saberes locais esperados pela comunidade. Depois das auscultações com os diferentes intervenientes do processo de ensino-aprendizagem de saberes locais notou-se que a visão que o aluno tem limita se ao meio no qual vive. O grande desafio é como integrar o aluno no mundo a partir dos saberes locais.
É, neste âmbito, que reforça-se a necessidade do ensino de todas as disciplinas através da língua chope nas classes do I Ciclo, aspecto que, certamente, revelar-se-á benéfico para os alunos, visto que a língua facilita a compreensão dos conceitos básicos da cultura local, sobretudo quando ensinados pelos professores falantes da mesma língua.


BIBLIOGRAFIA

BARROS, José D’Assunção. O campo da História: Especialidades e abordagens. 5ª Edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. 222p.
FORQUIN, Jean-Claude. A escola e cultura: as bases e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre, 1993. LOPES, Alice R. C. Pluralismo cultural em políticas de currículo nacional. In: MOREIRA, A. F. Barbosa (org.). Currículo, políticas e práticas. 7ª Edição. Campinas, SP: Papiro, 1999, 183p.
MOREIRA, A. F. e DA SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Cultura, cultura e sociedade. 7ª Edição. S. Paulo, Cortez, 2002, 154p.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre, 1998, 275p.



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